A morte
persegue e cria novas vidas
A natureza abre mao até da beleza para diminuir a degradaçao de um
rio transformado em cemitério de carcaças e esgoto de agrotóxicos. O belo espera
paciente e esperançoso
Apesar de toda vida e riqueza que gera, o
Rio Itajaí-Açu também é sinônimo de morte. O mergulhador do Corpo de Bombeiros
Voluntários de Ibirama, Cleomar Krieger, 35 anos, por exemplo, já perdeu as contas de
quantos mortos já retirou das águas nos 10 anos de profissao. Para ele, a imprudência
de banhistas e motoristas (isso mesmo, motoristas) eleva as estatísticas. A partir de Rio
do Sul, onde nasce oficialmente, as curvas do Itajaí Açu sao seguidas de perto pelo
traçado da BR-470. Até Apiúna, área onde atua, Cleomar garante que sao raros os
acidentes em que veículos e vítimas nao caem nas águas.
Como nao pode interferir no trânsito, o mergulhador tenta pelo menos conscientizar a
populaçao sobre as armadilhas do rio. Só no pequeno trecho do Itajaí-Açu que passa por
Ibirama existem 12 pontos onde o banho é proibido. Ainda assim, alerta Cleomar, o cuidado
tem de ser tomado em qualquer lugar, principalmente na divisa com Apiúna, local que ele
alerta ser o mais perigoso.
Mesmo considerado um dos melhores mergulhadores do Estado, Cleomar nao se envergonha em
dizer que nem todos os mergulhos que fez deram resultado. Até hoje, ele contabiliza dois
corpos e até um veículo que caíram no rio e nunca mais foram encontrados. "A
correnteza de alguns trechos é muito forte, e pode arrastar uma pessoa por
quilômetros", avisa.
Há seis meses, Osvaldo Arn, outro mergulhador de Ibirama, sentiu na pele os perigos do
Itajaí-Açu. O filho dele, na época com 18 anos, considerado exímio nadador, caiu no
rio e nao consegui sair, apesar de todos os esforços do pai, que assistiu a tudo. Osvaldo
ainda nao consegue falar no assunto.
O agricultor Udo Heing, 70, também é testemunha de outro tipo de morte no rio só que
bem mais lenta. Nascido e criado às margens do Itajaí, em Rodeio, ele denuncia os
próprios colegas de profissao. Udo é testemunha de que diariamente dezenas de embalagens
de agrotóxicos usados por colonos descem o rio boiando, algumas delas ainda com restos de
veneno.
O uso de agrotóxicos, aliás, é um dilema na vida do agricultor. Plantador de arroz, ele
acredita que parte dos defensivos químicos que usa também acabam indo para o rio. O
único consolo para Udo é dar o destino adequado às embalagens. "No mais, é só o
que posso fazer. Quem nao botar veneno no arrozal nao colhe uma só baguinha",
acredita.
Em toda extensao do Itajaí-Açu e seus afluentes existem milhares de plantaçoes de
arroz. Outra agressao que irrita o agricultor é o uso do rio como depósito de carniça.
Udo já chegou até a denunciar um primo, com propriedade vizinha à dele, por ter jogado
um cavalo morto no Itajaí. "Mas nao é só ele nao. Todo dia tem vaca, cachorro,
porco, capivara e outro tanto de bichos podres descendo o rio", descreve.
A natureza, sábia, confirma a tese de que nada se perde, tudo se transforma. Enquanto
alguns animais morrem, vítimas da poluiçao, ganância, descaso e demais formas de
ignorância humana, outras espécies proliferam, mudando até o cenário vigente.
Criadouro de garças, o Itajaí-Açu agora também abriga urubus em grandes quantidades.
Uteis ao ambiente, se alimentam da prodidao. Aos olhos que só queriam ver um rio bonito,
vivo, pulsante, eles sao terríveis.
Aos poucos
Assoreado, o Itajaí-Açu também mata pessoas, aos poucos. O aposentado Sebastiao Feller,
72, diz que morre um tanto a cada dia, a cada pedaço do terreno no Bairro Ponta Aguda, em
Blumenau, que é engolido pelas águas. Em pouco menos de 20 anos, Sebastiao já perdeu a
casa onde nasceu, herdou dos pais e criou os filhos, além de, pelo menos, 10 mil metros
quadrados da propriedade onde cria gado. Sebastiao é um ótimo observador.
Descobriu sozinho, ao longo dos anos, a melhor época de plantar inúmeras verduras, até
hoje usadas para subsistência da família. Depois de perder a casa onde morava, apenas
olhando os pedreiros construírem a nova residência aprendeu o serviço e terminou o
trabalho. O resultado, aparentemente, está ótimo.
Hoje, tem uma opiniao formada sobre a causa dos desmoronamentos. Ele culpa as máquinas
que chama de "chupoes", na verdade, balsas que retiram areia do Itajaí-Açu.
Por coincidência, a regiao entre Blumenau e Ilhota, onde acontecem os desmoronamentos, é
justamente a mais explorada pelas empresas de extraçao de areia. "Depois que
começaram a tirar o material do fundo do rio, minhas terras começaram a
desbarrancar", lamenta, enquanto mais um torrao de terra e vida desanda..
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DIÁRIO
DE VIAGEM
Que contraste existe entre as origens do Itajaí e o trajeto até o mar. Quem viu
o rio nascer imaculado, escondido em lugares como Alfredo Wagner, descobre com espanto as
mazelas humanas. Mesmo acostumados com todo tipo de tragédia, os repórteres do Santa se
assustaram com o que viram depois de deixar as nascentes |
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A
humanidade parece fazer questão de deixar claro o descaso com a vida. Em Indaial,
pescaodores simplesmente ignoram a lei que proibe o uso de tarrafa no rio. Em Blumenau,
uma capivara ferida, provavelmente à bala, foge depois de ser fotografada, talvez
imaginando que os humanos são todos iguais. |
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Mesmo quando o rio
nao mata, a mao humana se encarrega de levar até as águas todo tipo de morte. Em Ilhota,
algum criador preferiu contribuir com a degradaçao do Itajaí que dar o devido fim à
carcaça de uma ovelha Sebastiao Feller, 72, trabalhou a vida inteira pensando que teria
uma aposentadoria tranqüila. Mas o destino nao quis. A propriedade que possui no Bairro
Ponta Aguda, em Blumenau, onde ele sonhava em só curtir os netos, vem se desmanchando aos
poucos, sendo tragada pelo assoreamento do rio |
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O agricultor Udo
Heing, 70, acusa os próprios vizinhos em Rodeio de jogarem até a embalagem de
agrotóxicos no rio, mesmo que ainda reste parte do produto químico |
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Mergulhador do Corpo
de Bombeiros Voluntários de Ibirama, Cleomar Krieger, 35, já perdeu a conta de quantos
corpos já tirou do fundo do rio. A maioria vítima da imprudência, nas águas e até na
estrada |
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Sebastião Feller,
72, trabalhou a vida inteira pensando que teria uma aposentadoria tranquila. Mas o destino
não quis. A propriedade que possui no bairro Ponta Aguda, em Blumenau onde ele sonhava em
só curtir os netos vem se desmontando aos poucos, sendo tragada pelo assoreamento do rio |
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Nao que as garças
estejam indo embora, mas, conhecido como criadouro natural dos pássaros brancos, o
Itajaí agora recebe também outros inquilinos |
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