| 29/08/2005 12h54min
O jornalista gaúcho Flávio Tavares criticou hoje a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva frente as denúncias de corrupção no governo e no PT. Em entrevista online no clicRBS, o escritor comentou a atual crise política e lamentou a existência do pagamento a parlamentares em troca de apoio político.
– A postura do Lula frente à crise foi lamentável. Primeiro, tentou impedir a CPI dos Correios por todos os meios. Depois, aceitou a imposição do (Roberto) Jefferson e, só pelo que disse, fez o Zé Dirceu sair da Casa Civil. Aí, tudo começou a ruir ainda mais, pois o Lula é um "autista", não sabe – nunca soube – ter iniciativa. O Lula é um bom discurseiro popular e nada mais do que isso – disse.
Questionado sobre o envolvimento do ex-ministro da Casa Civil em irregularidades, o jornalista disse acreditar na inocência de Dirceu, mas o culpou pelo esquema de sustentação no Congresso Nacional. Flávio Tavares sofreu junto com o petista as represálias da Ditadura Militar – ambos eram presos políticos e foram libertados em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado pela guerrilha urbana em 1969.
– Nas denúncias de corrupção tenho certeza de que o Zé Dirceu é inocente, absolutamente inocente. Creio, porém, que quanto às denúncias sobre como armou o esquema de sustentação do governo no Congresso ele realmente tem responsabilidade e culpa – disse.
A estrutura política brasileira, segundo o escritor, também contribuiu para as irregularidades cometidas. Ele criticou a atuação demagógica dos políticos e fez uma previsão pessimista para a próxima eleição em 2006.
– Todos têm possibilidades, já que o voto é obrigatório e todos têm de votar. Mas só por isso, pois tenho certeza: se o voto não fosse obrigatório, em 2006, a grande maioria não compareceria às urnas para não ter de escolher ninguém.
A entrevista online foi realizada pelo jornalista Hector Werlang e monitorada por Ana Maria Acker. Confira a íntegra:
Pergunta - A atual crise começou em maio com as primeiras denúncias de irregularidades na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Entretanto, esta realidade não é nova no cenário político nacional. A que se deve tantos casos de corrupção no Brasil?
Flávio Tavares - Creio que tudo se deve ao baixo nível dos integrantes dos partidos políticos no Brasil. Entre nos quem vai para a política? São os melhores? Não, não. São quase sempre os que não conseguem se destacar em nada e, como saída, demagogicamente entram para os partidos e neles fazem carreira. Acho que o núcleo do problema está aí.
Pergunta - É correto afirmar que a classe política é um reflexo da sociedade?
Flávio Tavares - Sim, creio que em parte é correto. O setor político é um reflexo da sociedade, mas isto é verdade só em parte, porque – em verdade mesmo – os políticos são os "representantes" da
sociedade e, por isso, teriam obrigação de representá-la condignamente,
interessando-se pelos problemas dela como sociedade. Mas em tese tu tens razão, Hector: a política é a representação da saciedade, dos nossos problemas.
Pergunta - Como o senhor avalia a atual crise? O pior momento já passou ou ainda está por vir?
Flávio Tavares - Na atual crise nunca se consegue saber se o momento pior já passou porque a cada dia surge um vigarista novo a denunciar um vigarista escondido. E em qualquer dos partidos, pois – é importante dizer – a crise NÃO é só no PT nem do PT, mas pega de fato quase todos os partidos ou todos mesmo.
Pergunta - A crise, então, é do sistema político brasileiro?
Flávio Tavares – Sim, como tese e enunciado a crise é do sistema. E por isso arrebentou forte no PT porque o PT foi interpretado no inconsciente de todos como a força que ia mudar as mazelas do sistema. Eu tenho escrito na ZH que até os adversários respeitavam o PT e que, nisso, o PT feriu até os adversários, pois tirou deles a ilusão de que haveria caminhos novos, mesmo que eles pudessem estar contra.
Pergunta (internauta) - Quando as investigações das CPI chegam perto do sistema financeiro, começam os panos quentes, sob a alegativa de investigações nesta área poderem gerar instabilidade de mercado. Instabilidade de mercado ou medo da verdade?
Flávio Tavares - Essa história de que os mercados reagem de tal ou qual é um problema dos mercados que pensam que podem impor regras ao mundo. E os grandes do sistema têm é interesse mesmo não em manter a integridade do sistema democrático, mas em lucro. O mercado é lucro e como agora o lucro está sendo cada vez maior para os "grandes", como os bancos, eles defendem a chamada liberdade do mercado.
Pergunta (internauta) - Há realmente a possibilidade de acordão entre os partidos para que só Roberto Jefferson seja punido?
Flávio Tavares - O Roberto Jefferson é o grande estelionatário, o rufião, o bufão da Corte, e certamente deve ser o primeiro a ser punido. Mas a punição das CPIs se resume só a cassar mandatos. As CPIs não têm poderes para ir adiante. O que se devia fazer era uma espécie de lavagem total no Congresso e nos partidos. Mas isto é impossível, pois o nosso sistema está amarrado a partidos que não são partidos.
Pergunta - A Reforma Política não pode melhorar esta realidade?
Flávio Tavares - Sim. Mas pergunto: quem vai fazer a tal de reforma? Um congresso presidido pelo Severino e pelo Renan Calheiros, um "colorido" de antes e que sempre buscou estar perto do poder, mudando de partido quase como se muda de camisa? Um Congresso assim pode fazer uma reforma? Pode se os seus membros não estivessem sob suspeita grave. E há suspeitas sobre praticamente todo o Congresso. Creio que esse é o grande problema
Pergunta (internauta) - Como o senhor avalia a cobertura da crise pela mídia?
Flávio Tavares - Acho que os meios de comunicação cobriram bem a crise, mas sempre guiados pelo sensacionalismo, nunca pela avaliação e busca profunda da verdade. Tenho medo é que se repita a situação de anos atrás. Em 1994, por exemplo, quando o deputado Ibsen Pinheiro, a melhor figura do Congresso, foi cassado como "corrupto" e anos e anos depois se descobriu que tudo fora um embuste e um erro. Os corruptos eram outros, não ele.
Pergunta - E a imprensa internacional? O senhor trabalhou pela América Latina (México e Argentina)?
Flávio Tavares - Trabalhei para um jornal do México e cobri a América Latina inteira, com base no México ou na Argentina, e acompanho o que diz a imprensa da região. Há pouco estive na Europa, um mês inteiro, no aceso da crise. Em nenhum desses lugares as pessoas podiam acreditar no que liam. Ocorre que o Lula
tem um prestigio (ainda tem) no exterior muito superior à realidade que ele
encarna. Pensam que o Lula é um "gênio", pois um operário que chega ao poder só pode ser gênio.
Pergunta - Qual a sua opinião sobre a postura do presidente Lula frente às denúncias de corrupção? O senhor acha que o presidente ainda está devendo explicações à nação?
Flávio Tavares - A postura do Lula frente à crise foi lamentável. Primeiro, tentou impedir a CPI dos Correios por todos os meios. Depois, aceitou a imposição do Jefferson e, só pelo que disse o Jefferson, fez o Zé Dirceu sair da Casa Civil. Aí, tudo começou a ruir ainda mais, pois o Lula é um "autista", não sabe – nunca soube – ter iniciativa. O Lula é um bom discurseiro popular e nada mais do que isso.
Pergunta - O senhor sofreu as represálias da Ditadura Militar assim como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Pela convivência, o senhor acredita no envolvimento de Dirceu nas denúncias de
corrupção?
Flávio Tavares - Nas denúncias de
corrupção tenho certeza de que o Zé Dirceu é inocente, absolutamente inocente. Creio, porém, que quanto às denúncias sobre como armou o esquema de sustentação do governo no Congresso ele realmente tem responsabilidade e culpa.
Pergunta - O senhor acredita no mensalão?
Flávio Tavares - O mensalão é como a ida do homem à Lua. Muita gente não acreditou que o ser humano tivesse ido à Lua. Mas foi. Não sei se existiu um mensalão assim mesmo, com pagamento mensal, e até acho que não. Mas que existiu esse tal de financiamento (entre aspas) aos partidos da direita que passaram a apoiar o governo, bem isso aí é evidente por tudo o que se averiguou.
Pergunta - Muitos integrantes do PT têm criticado a política de alianças do governo Lula. Seria possível governar o Brasil sem esta política?
Flávio Tavares - Claro que seria possível. Pergunto: porque o governo NÃO convocou a opinião pública, o POVO, digamos assim, para apoiá-lo no Congresso? Isso seria algo novo, nunca existiu a pressão popular sobre o Congresso, mas isto é legitimo, pois os parlamentares são apenas os "representantes" do povo. Essa saída de comprar votos para se manter no Congresso tem sido a prática dos últimos 10 ou 20 anos, mas é terrível.
Pergunta - Após essa crise no PT, como fica a situação da esquerda brasileira? Partidos como o P-SOL e o PSTU tendem a crescer?
Flávio Tavares - Por um lado, acho sim. Será necessário entender, porém, que a crise não NÃO é da esquerda, mas do sistema político brasileiro. Se o P-SOL e o PSTU se comportarem como os partidos em geral, esquerda e direita continuarão numa indefinição total, como tem ocorrido nos últimos três anos, pelo menos desde que o Lula chegou ao poder.
Pergunta - Além de Dirceu, outra figura importante do governo do presidente Lula está sendo alvo de
denúncias: o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mais uma vez, as
acusações não são acompanhadas de provas. Esta é uma tentativa de desestabilizar o presidente?
Flávio Tavares - Talvez seja uma tentativa de chegar ao Lula e tirá-lo do poder. Mas o importante nas denúncias contra o Palocci e contra quem quer que seja é que estamos demonstrando que o sistema em si está ocupado por gente que faz qualquer negócio e tenta qualquer saída. O poder do dinheiro pela primeira vez está sendo contestado e questionado. Agora um dado: de fato todos estão contra Lula mas ninguém quer tirá-lo do poder. Para que? Para por o José Alencar, que alugou a candidatura por R$ 10 milhões?
Pergunta - Diante do atual panorama é possível prever um cenário político para 2006? O governo e o PT seguem com chances?
Flávio Tavares - Todos têm possibilidades, já que o voto é obrigatório e todos têm de votar. Mas só por isso, pois tenho certeza: se o voto não fosse obrigatório, em 2006, a grande maioria NÃO compareceria às urnas para não ter de escolher ninguém.
Grupo RBS Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2009 clicRBS.com.br Todos os direitos reservados.