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 | 03/08/2005 18h17min

Para especialista Dirceu e Jefferson não dizem toda a verdade

Cientista político Juliano Corbellini participou de entrevista online no clicRBS

O mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor da Ulbra Juliano Corbellini acredita que nem o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu nem o deputado do PTB Roberto Jefferson estão falando toda a verdade sobre o mensalão e os fatos em torno da atual crise política. Jefferson acusa Dirceu de ser o chefe do suposto pagamento para deputados da base aliada, o mensalão. Dirceu nega todas as denúncias.

Em entrevista online concedida ao clicRBS nesta tarde, Corbellini considerou relevante o depoimento dado pelo ex-ministro ontem ao Conselho de Ética da Câmara, no qual Jefferson esteve presente e sentou na primeira fila. Ele acha que Dirceu revelou sua estratégia no depoimento, de poupar o governo e tentando limitar a crise política aos problemas na Executiva do PT. Na discussão entre os dois deputados, Corbellini considera que Dirceu obteve êxito em sobreviver a essa primeira exposição pública e aos ataques de Jefferson.

Para o futuro, o especialista acredita que crises da magnitude como esta que assola o governo atualmente podem, muitas vezes, gerar ciclos mais virtuosos na política, criando-se, a cada dia, mais dificuldades e empecilhos para a corrupção.

– Acredito que a democracia sobrevive à crise – afirma.

Confira a integra da entrevista monitorada por Ana Maria Acker.

Pergunta - Depois das últimas listas de saques nas contas de Valério, os últimos depoimentos e as inúmeras contradições entre os relatos dos envolvidos, pode-se afirmar que existiu mesmo o mensalão?

Juliano Corbellini - Todas as evidências apontam para a existência de um sistema ilegal de arrecadação financeira, que tinha como finalidade financiar partidos e políticos da base do governo. Recursos que podem ter sido usados para financiar campanhas, pagar dívidas, garantir apoio no Congresso, ou outros fins. Se era exatamente uma "mesada", é o que menos importa.

Pergunta - As campanhas políticas usam caixa 2 no Brasil? Isso é uma prática?

Corbellini - Uma das grandes contribuições dessa crise para a democracia, se é possível usar esse termo, é que ela deixa muito claro para toda a sociedade que todo o sistema político brasileiro usa o caixa dois. Espero que seja um passo para que, no futuro, haja mais transparência em torno da questão dos financiamentos de campanha.

Pergunta (internauta): No mente-desmente de Dirceu e Jefferson, alguém está com a razão?

Corbellini - Em relação a Dirceu e Jefferson, o mais provável é que nenhum deles tenha falado toda a verdade. Sobre o ex-ministro, considero relevante no depoimento o fato de que ele revelou sua estratégia: poupou o governo, tentou limitar a crise a Executiva do PT, e ensaiou o discurso com o qual vai se defender de seu processo de cassação, caracterizando-o como um processo político. Na posição em que estava, pode-se dizer que Dirceu obteve êxito em sobreviver a essa primeira exposição pública. Sobre Jefferson, ele não criou nenhum fato novo relevante na sessão de ontem.

Pergunta (internauta) – Eu, como todo o brasileiro, gostaria de lhe perguntar o que podemos prever de futuro.

Corbellini - É estranho o que vou falar nesse momento, mas crises dessa magnitude podem muitas vezes gerar ciclos mais virtuosos na política. Ou seja, a cada dia, criam-se mais dificuldades e empecilhos para a corrupção. Acredito que a democracia sobrevive a crise.

Pergunta – A reforma política seria um grande passo para se acabar com o caixa 2 e, conseqüentemente, auxiliar no combate à corrupção?

Corbellini - Não acredito que o financiamento público de campanha vá acabar com a corrupção na política. Hoje, o financiamento público já existe, o caixa dois é proibido, e mesmo assim ele acontece. Na verdade, é preciso coibir a existência do caixa dois nas empresas. Mais importante que a reforma político -com a qual, aliás, não concordo- é diminuir o tamanho do Estado brasileiro, e a sua taxa de ocupação por indicações político partidárias.

Pergunta (internauta) – O senhor acredita que o Presidente esteja por trás disto tudo?

Corbellini - Não acredito que Lula está por trás de tudo isso. Mas também não acredito que ele estivesse absolutamente alienado do tipo de relação que havia dentro de sua base parlamentar. Mesmo que Lula não soubesse de nada, em qualquer país com uma democracia mais avançada e um Estado de Direito consolidado, o seu governo cairia. Mas também o governo Fernando Henrique cairia, em razão do escândalo da compra de votos, e o governo Sarney cairia, com o escândalo da ferrovia norte sul. Essa é a questão: não estamos nem na França, nem na Suíça, a taxa de corrupção na política brasileira é um problema histórico, e se cedermos muito a histeria moralista, esse país fica ingovernável. O país está mudando aos poucos, e é assim que ter que ser. É por isso que acho, no ponto em que as coisas estão hoje, descabido falar em impeachment de Lula.

Pergunta (internauta) – Quais as principais semelhanças e diferenças entre o que ocorre hoje e o que ocorreu no processo que culminou no impeachment de Collor?

Corbellini - O escândalo Collor serviu ao enriquecimento pessoal de uma oligarquia política. O sistema do mensalão serve para alimentar uma máquina política. Sobre a Reforma Política, sou contra os termos em que ela está colocada hoje, porque ela sacrifica direitos democráticos. O voto em lista retira o direito das pessoas escolher o seu deputado, consagrando um poder excessivo para as oligarquias partidárias. Há dois meses atrás, esse requisito entregaria a composição da lista para pessoas como Genoino, Jefferson, ou Eduardo Azeredo, que também está denso denunciado. Já pensaram? Além disso, ela não traz nenhum avanço que garanta o fim da corrupção. A Reforma Política está sendo feita aos poucos, no país, pelo voto dos eleitores. Em 2006, teremos uma grande taxa de renovação no Congresso. Essa é a reforma mais importante.

Pergunta – Você disse que crises dessa magnitude podem muitas vezes gerar ciclos mais virtuosos na política. A crise também contribui com a politização do povo?

Corbellini - A crise desperta a atenção das pessoas para os acontecimentos da política. Essa atenção gera desencanto, é verdade. Mas mesmo assim, ajuda a criar um novo patamar de politização e derruba mitos. Isso é importante.

Pergunta (internauta) – Em um de seus discursos, Lula falou que a crise está sendo provocada pela elite que não admite vê-lo na presidência. O senhor concorda com a possibilidade de haver uma conspiração das elites contra o governo petista?

Corbellini - Essa foi uma fala infeliz do Presidente. A crise foi gerada dentro da base do próprio governo, e as elites, até onde sei, apóiam a política econômica de Lula. E isso de minha parte não é uma crítica.

Pergunta (internauta) – O senhor acredita que pode surgir uma nova safra de políticos?

Corbellini - Nós já temos taxas grandes de renovação no Congresso, eleição a eleição. Há uma nova geração de lideranças que vão sendo incorporadas ao jogo político com a redemocratização, que inclui líderes sindicais, intelectuais, líderes religiosos, e também bandidos, obviamente.

Pergunta (internauta) – Lula parece estar perdido em meio aos acontecimentos. FH parecia ignorar as crises. Essa postura dos presidentes é positiva, negativa ou indiferente para o processo democrático?

Corbellini - O Presidente Lula, na minha opinião, apresentou um comportamento errático na condução da crise: acertou quando demitiu José Dirceu e cobrou publicamente explicações do PT, errou na entrevista ao Fantástico e falar contra as elites. Ele está tentando se proteger da crise, e isso é natural. Sobre o PT, creio que esse episódio irá abrir um grande debate dentro do partido. Definitivamente o partido caiu no reino dos mortais da política, e não terá mais condições de exercer um discurso fundamentalista que separa a política entre os bons e puros, e os maus e corruptos. Os procedimentos do novo Presidente nacional, nesse sentido, tem sido muito positiva. Ele não tem vacilado em mostrar as culpas do próprio PT.

 
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