| 26/12/2008 10h
A vida de César Cielo virou de cabeça para baixo depois que conseguiu a primeira medalha de ouro olímpica na história da natação brasileira. Adeus anonimato para o garoto de 21 anos (22 em 10 de janeiro) da pequena Santa Barbara d’ Oeste, Interior de São Paulo. Pedidos para apoiar candidatos a prefeitos, novos patrocinadores, capa de revista, fotos com pose de símbolo sexual. Irônico, o atleta ri de tudo. Ter a tecnologia da fábrica italiana Arena confeccionando especialmente para ele um maiô para quebrar o recorde mundial dos 50 metros em abril ou maio de 2009 (de acordo com previsão dele) é mais um luxo para quem era coadjuvante no cenário nacional há seis meses.
Apesar de proibido de namorar, não esconde a vontade de conhecer bem as globais Deborah Secco e Alinne Moraes. Mostra coragem para desafiar o presidente da CBDA, Coaracy Nunes. E continua com a mania que aprendeu nos livros de auto-ajuda de Lair Ribeiro.
– Todos os dias escrevo um desejo no papel. E quando o consigo faço questão de queimar o papel – disse.
O bilhete mais importante está no teto do seu quarto. Amigos garantem que está escrito 21s00. Ou seja: o novo recorde mundial dos 50 metros livre, que hoje é de 21s28 e pertence ao australiano Eamon Sulivan. Em entrevista exclusiva, Cielo mostra estar amadurecido para enfrentar o maior inimigo: a depressão por estresse que quase o travou três meses antes da Olimpíada da China, quando conquistou o ouro. Por falar em ouro, sua medalha está trancada em um banco.
– Eu sei o país em que vivo e não posso dar chance para que ela seja roubada, derretida, como fizeram com a Copa que o Brasil ganhou em 1970 no México. Se eu não soubesse que ela está trancada num cofre eu não teria condições psicológicas para nadar – revelou o vencedor do prêmio masculino de melhor atleta do ano dado pelo Comitê Olímpico Brasileiro no último dia 16.
Agência RBS: Explique sua briga com a Confederação Brasileira de
Natação.
César Cielo: Não é briga. Eu quero
transparência. Ninguém sabe quanto a CBDA recebe dos Correios. Isso é um absurdo. Eu ganhava R$ 1,2 mil antes da Olimpíada. Agora recebo R$ 6 mil. Não sei se é muito, se é pouco. Mas queria saber como chegaram a esse cálculo. Todos se calam. Posso questionar porque ganhei uma medalha olímpica. Alguns tentam me desmentir por medo de perder o pouco de apoio que recebem. A situação da natação brasileira é triste: cada um por si e Deus por todos. Apoio oficial não existe.
Agência RBS: Você não tem medo de se queimar reclamando publicamente?
Cielo: Não porque sou uma pessoa de princípios. Posso ser novo, mas sei o que é certo e errado. Não concordo com a maneira que a CBDA trata os seus atletas. Eu mesmo não vou em 2009 fazer as competições que a CBDA determinar. Vou fazer o meu calendário. Tenho patrocínios que me permitem fazer isso. Fico triste pelos outros nadadores. Não sei se posso ser considerado aborto da natureza ou fracasso do Brasil, como
alguém já me disse. Fracasso porque
consegui tudo graças ao sangue e suor do meu pai e da minha mãe.
Agência RBS: Explique como superou a depressão que enfrentou em maio deste ano. Esse foi um assunto sigiloso.
Cielo: Foi muita pressão, muito estresse. Eu treinava demais e chegou uma hora em que pensei em parar com tudo. O treinamento de um nadador de elite é próximo a de um escravo. O pior é que eu tinha de esconder de todos. Procurei um psicólogo. Ele me disse para escrever minhas dificuldades para debatê-las. Achei ridículo, mandei ele para o inferno e decidi enfrentar sozinho. Vi que não estava funcionando no consultório. A cura tinha de estar na piscina. A força para superar a depressão foi superar meus tempos.
Agência RBS: Você não tem medo de que a depressão volte?
Cielo: Não. O treinamento é estafante. Me critico e exijo cada vez mais. Me sinto mais forte e esperto. Quando estiver passando dos limites, vou frear e
repensar os treinos. Não vou deixar a depressão chegar de novo.
Quando eu quebrar o recorde mundial, vou sossegar (ri).
Agência RBS: Na Universidade de Auburn, onde você cursa Comércio Exterior e compete, a disciplina é rígida demais, não?
Cielo: Sim. Assinei um contrato em que sou proibido de namorar. Se estivesse namorando, precisaria ter certeza que minha namorada não me causaria estresse na época de competições. Não beber álcool. Tem atleta que não agüenta e é expulso.
Agência RBS: Mas você não namora?
Cielo: Descobri um jeito de não burlar a lei. Saio com as meninas uma, duas vezes. Não namoro. Estou me divertindo e cumprindo o que assinei. E até dou razão para eles. Um francês, o Fred Bousquet, estava namorando e tomou o fora um dia antes da Olimpíada. Tinha tudo para ganhar medalha. Foi um desastre. Também sei que depois da medalha de ouro na Olimpíada passei a ser muito vigiado. Não posso colocar um copo de refrigerante na boca e ser fotografado
que as pessoas podem pensar que é álcool.
Agência RBS: Você rompeu com seu empresário, o ex-nadador Fernando Scherer, o Xuxa. Foi difícil?
Cielo: Foi duro. Ele era meu ídolo, virou meu amigo. É chato, mas dá para explicar. O Fernando passou a não ter mais tempo para trabalhar as minhas coisas. Colocou uma menina, e eu precisava do contato dele. Ele me ajudou muito, mas resolvi tocar tudo com a melhor empresária do mundo: a minha mãe. Estou supersatisfeto. E mantive a amizade do Xuxa.
Agência RBS: Como está o assédio das mulheres no Brasil?
Cielo: Ah...Está bom, né? Mas tem uns exageros. O maior mico foi a Monique Evans, que veio tirando a minha roupa para o programa dela. Me abriu a camisa, queria baixar minhas calças. Saí correndo. Agora, é legal ver mulheres da Playboy me paquerarem. No Brasil, eu queria conhecer a Deborah Secco e a Alinne Moraes. Isso se estiverem solteiras. Não quero rolo para o meu lado. Nos Estados Unidos, meu sonho é a Scarlett
Johannson.
Agência RBS: Como viu a
cobertura da natação na Olimpíada?
Cielo: Tinha um monte de gente que não tinha noção do que estava acontecendo. Um cara veio me entrevistar e me chamou de Thiago Pereira o tempo todo. Eu respondi só para tirar uma da cara dele. Nós atletas fingimos que não percebemos. A moçada entende só de futebol.
Agência RBS: Você não foi reconhecido nem por repórter brasileiro? E as medalhas que tinha conseguido no Pan não valeram?
Cielo: Vou falar a verdade: fora do Brasil, o Pan não é nada. A minha faculdade não coloca no meu currículo as medalhas do Pan. Acham que até iria desvalorizar. Os EUA vieram para o Brasil com o time C. A verdade é essa. Houve muita festa à toa.
Agência RBS: Você acabou de assinar um contrato com a empresa italiana Arena até 2012 para confecção de maiôs “peles de tubarão”. Vai ser mais fácil quebrar o recorde mundial?
Cielo: A tecnologia é de ponta. Na
natação de elite, os maiôs estão virando a mesma coisa que carros de
corrida na Fórmula-1. Há vários segredos industriais que diminuem a resistência dentro da piscina. O meu será ótimo e acredito que me ajudará muito. Além de uma mudança na natação a partir de julho: as plataformas dos nadadores serão montadas como as de atletismo, para apoiar os pés separadamente. Já fiz alguns testes e os resultados serão fantásticos.
Agência RBS: Você vai nadar quantas Olimpíadas?
Cielo: Quero nadar enquanto me sentir bem. Sei que chegarei ao ápice em 2012. Vou me esforçar para chegar até 2016 motivado. Se estiver de saco cheio, paro. Mas até 2012 eu vou chegar e bem. Antes quero chegar ao recorde mundial e queimar aquele papel que está no teto do meu quarto nos Estados Unidos.
Agência RBS: Como será o seu Réveillon?
Cielo: Será como foi o do ano passado. Às seis da manhã estarei na piscina, na minha faculdade. Como virou tradição, meu técnico me fará nadar 365 vezes a
piscina de 25 metros. Ele diz que é para ter sorte em todos os
dias do ano. Como é que vou dizer não? Já sei o que me espera.
Cielo: A situação da natação brasileira é triste - cada um por si e Deus por todos
Foto:
Julio Cavalheiro
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