| 26/03/2008 05h33min
Naquela manhã não podia estar em lugar melhor: na Rua da Praia, nas ruas laterais, na Praça da Alfândega, na sacada do Clube do Comércio, por aí. Canetinha, bloco, fotógrafo dois passos à frente, às vezes mais. Cumpria tarefa que me foi cobrada pelo seu Maneca, doutor Manuel Amorim de Albuquerque, diretor da Folha Esportiva, que já reparava nos meus textos bisonhos, mas pretensiosos que mal escrevia um pouco antes de 29 de junho, a data daquela manhã porto-alegrense. E rádio valvulado, grandalhão, de onda média em mostrador grande, arredondado no geral, posto em cima da mesa, do balcão, virado para a rua de preferência porque um episódio daquele tamanho não poderia ser reservado ou pequeno.
Cheguei cedo pelo ônibus de São Leopoldo, dei a volta no Mercado Público ainda fechado, segui para a Caldas Júnior, voando. Ouvia-se rádio por todo lado, o velho elevador subiu dois andares lotado. Não havia instruções a receber, na véspera seu Maneca me dissera tudo: escrever sobre a festa que se
poderia fazer
nas ruas. Havia uma convicção na tarefa, eu também não tinha dúvida, tomei café no Central ao lado do cinema. Estava pronto e excitado.
O jogo decisivo da Copa do Mundo em Estocolmo, no Estádio Rasunda, serviu como escalada para a festa das ruas. Djalma Santos joga!, gritaram no Salão Conti, e foi essa a primeira manifestação de vitória. Jogara sempre De Sordi, um discreto, mas eficiente lateral-direito do São Paulo, mas Skoglund era um ponteiro vertiginoso, ninguém saberia marcá-lo melhor do que o jovem Djalma Santos, que seria nosso herói para o resto da vida até chegar a um jogo contra Volmir, no Olímpico, já em fim da carreira, e o que se via era impossível de se admitir e passou a ser a nossa profanação, valorizada em silêncio porque o respeito é bonito.
E então rompeu, a Steel Band Calypso, descendo a Borges, ritmada, com poderosos tambores de aço, cinco filas de músicos, cada um com seu tambor, e o desejo de se juntar à alegria das ruas, ao júbilo dos
torcedores, ao papel picado que
flutuava das sacadas e janelas, à imensa população que era campeã do mundo, tinha proferido uma goleada singular, 5 a 2, os heróis eram gritados com aplausos - Pelé! Garrincha! Didi! Zagalo! Nilton Santos! Zito! Belini!
O engraxate que a tudo ouvia batendo com sua escova no costado da cadeira, me puxou pelo braço e gritou tão alto quanto pôde:
- Feola! Não te esquece!
Tinha intimidade, me conhecia, foi com ele que conversei antes de seguir rua acima com minhas anotações. E era justo lembrar-se de Feola.
Escrevi, bem mais tarde, sobre toda essa festa, me esmerei até, seu Maneca nem olhava, mandava que continuasse escrevendo, escrevi muito e desengonçado. Mas tudo serviu para o meu orgulho: no dia da conquista da primeira Copa do Mundo eu estava lá, finalmente bebendo um chope e espichando as pernas. Dever cumprido.
Os últimos
Hoje, quase 50 anos depois, faço comentário do
jogo Brasil x Suécia, no Emirates Stadium, em Londres, que ao menos pela
procedência das duas seleções lembra aquela decisão e a homenagem que a Gaúcha prestou a Jorge Alberto Beck Mendes Ribeiro, o Ribeiro, o Mendes Ribeiro, narrador impecável da Copa brasileira. Estivemos juntos, ele narrou um empate em 3 a 3 com a mesma garra.
Mas tudo isso será no meio da tarde. À noite será a última rodada da primeira fase do Gauchão para definir os últimos quatro.
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