| 06/11/2007 07h15min
Nós o chamávamos simplesmente de "mister", que era ao mesmo tempo um tratamento íntimo e respeitoso. Na minha chegada à Roma, em 80, ele me procurou cerimonioso e perguntou qual o número da camisa que eu queria usar. Respondi com cuidado:
— Se não causar problema, gostaria de jogar com 5.
Foi com esta camisa que participei da campanha exitosa da Roma, sob o comando do sueco Niels Liedholm, que ontem nos deixou, aos 85 anos. Ele foi mais do que um treinador. Foi um amigo sábio, daqueles que nem sempre concordam conosco, mas sempre querem o nosso bem. Quase um pai. Lembro, inclusive, de uma vez que o time do Roma passou três partidas sem ganhar e sem jogar bem, e ele sugeriu discretamente que eu apagasse as luzes mais cedo, pois as pessoas estavam notando que a casa ficava iluminada até de madrugada.
Mas Liedholm era um homem de diálogo. Tive a honra de ser comandado por ele, que aceitava sugestões, e que foi decisivo para minha rápida adaptação
ao futebol italiano. Era também um
excelente contador de histórias. Uma das mais engraçadas foi a da época em que, como jogador do Milan, enfrentou o Real Madrid e foi encarregado de marcar o grande Di Stéfano. Ele sempre contava isso como uma de suas maiores façanhas no futebol. Quando alguém lembrava que o Real Madrid ganhou aquele jogo por 3 a 0, três gols de Di Stéfano, ele rebatia, fingindo seriedade:
— Sim, mas ele não fez mais nada em campo.
Era uma brincadeira. Como jogador, Liedholm foi campeão olímpico e capitão da seleção que perdeu para o Brasil a final da Copa de 1958. Considerado5 o melhor jogador sueco de todos os tempos, fez história no Milan e conquistou quatro títulos italianos. Voltou a ser campeão pelo Milan mais duas vezes, já como técnico. Trabalhou em outros clubes da Itália até chegar na Roma, que treinou de 73 a 77 e de 79 a 84.
Aprendemos muito com Liedholm. Quando ele se despediu em 1985, para cuidar de sua fazenda em Cuccaro, no norte da Itália,
mandei para ele minha camisa, pelo
massagista Victorio Baldorini, com uma dedicatória mais ou menos assim:
— Mister, estou devolvendo a camisa que o senhor me entregou quando cheguei aqui. Não o faço pessoalmente porque sei que iríamos nos emocionar. Gostaria que o senhor a guardasse como lembrança de nossa amizade.
Ele nunca me falou a respeito. Em 1990, durante o Mundial da Itália, encontrei seu filho Carletto. Aproveitei e perguntei-lhe se o pai tinha recebido a camisa. Ele me respondeu:
— Naquela ninguém toca. Ele guarda como uma jóia.
Neste dia de despedida, eu teria apenas uma frase a acrescentar àquela homenagem:
— O futebol aprendeu muito com Niels Liedholm.
Librianos
Liedholm gostava de dizer que os melhores jogadores da história eram do signo de Libra: ele mesmo, Pelé, Maradona e este seu pupilo. Não sou dos mais crentes em astrologia, mas é uma honra
integrar esta turma.
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