| 30/10/2006 10h14min
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciará seu segundo mandato com um conjunto de dados econômicos positivos sem paralelo nas últimas décadas para o início de um governo: crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na casa de 3%, com ligeira tendência de alta; renda dos assalariados com ganhos reais, diante de uma inflação anual em torno de 3% a 4% sem perspectiva de aumentos bruscos; taxa básica de juros no menor nível em décadas; reservas internacionais de US$ 77 bilhões, com uma dívida externa que deixou de ser problema diante de superávits comerciais recordes; dólar estável e risco Brasil no seu menor patamar histórico (pouco acima de 200 pontos base).
São números muito positivos para um mandatário que, um mês antes de vencer sua primeira eleição para presidente, em 2002, viu o risco Brasil bater 2.436 pontos e o dólar chegar a quase R$ 4, diante de muita especulação em torno do que faria o PT no governo, um partido que passara boa parte de sua história defendendo o calote da dívida externa, a revisão das privatizações e outras medidas "à esquerda" que arrepiavam o mercado financeiro, local e internacional.
No primeiro mandato, Lula reverteu as expectativas negativas do mercado, e ganha agora sua segunda eleição para presidente fazendo avanços justamente onde mais se temia retrocesso. E para este segundo "round" promete um viés "desenvolvimentista", com crescimento mais encorpado, menos impostos, mais investimentos, mais empregos e distribuição de renda.
Alcançar o prometido, porém, não será fácil, e as correntes próximas do poder já se dividem sobre os rumos a serem tomados. Petistas ligados ao ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e o grupo do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles (cuja continuidade no cargo ainda não está decidida), defendem a continuidade de uma política mais ortodoxa. Já o coordenador da campanha de Lula, Tarso Genro, chegou a anunciar "o fim da era Palocci", e disse mais: afirmou que terminou a "preocupação neurótica com a inflação".
Parte considerável dos avanços econômicos dos primeiros quatro anos foram obtidos graças a um período sem precedentes de crescimento e calmaria no mercado internacional globalizado, que muitos temem não se repetir por muito tempo. E mais: a taxa básica de juros (Selic), apesar de ter caído consideravelmente, ainda é uma das mais altas do mundo. A taxa real (que é a taxa nominal descontada a inflação projetada) também continua em nível recorde mundial, na casa de 10% desde 1999, mesmo com a significativa melhora nas contas externas.
Mas há coisa pior: a dívida líquida do setor público continua girando em torno de 50% do PIB (R$ 1 trilhão) e a dívida bruta bateu 72,7% do PIB, uma conta pesada de pagar e que compromete o futuro. Para financiá-la, o governo paga juros altos, que a realimentam, e cobra da sociedade (pessoas físicas e empresas) uma carga de impostos de quase 40% do PIB, a maior da história. São verdadeiras bolas de ferro que freiam os investimentos e impedem o crescimento mais intenso da economia.
A taxa de investimentos está na casa de 20% do PIB (já foi de 30%). Na China, chega a 40%. O resultado de tudo isso é que este ano o Brasil deverá crescer 3%, contra 6% da média dos emergentes.
Os principais desafios do segundo mandato de Lula na área econômica, portanto, são: baixar a dívida do setor público e ao mesmo tempo reduzir a carga tributária incidente sobre empresas e pessoas físicas; aprofundar a trajetória de queda das taxas de juros sem que haja pressões inflacionárias; e aumentar a taxa de investimentos no país sem comprometer as contas do governo, de forma a consolidar um crescimento de longo prazo mais robusto e gerar mais emprego e renda.
Guido Mantega (cuja permanência no cargo de ministro da Fazenda no segundo mandato também é uma incógnita), acredita que a ênfase no crescimento econômico, com a queda dos juros básicos, permitirá uma melhora das contas públicas. Ele evita fixar metas de crescimento, mas diz que é possível perseguir um avanço médio do PIB de pelo menos 5% ao ano no segundo mandato. Para isso, afirma, o governo estimulará a queda dos juros e buscará elevar a taxa de investimento para 25% do PIB até 2010, mantendo o superávit primário (diferença entre receitas e despesas, sem contar gastos com juros) em 4,25% do PIB.
Porém, alguns economistas, como Eliana Cardoso, da USP, questionam a tese de que a queda dos juros e o crescimento econômico são a base para resolver a questão da dívida pública. Ela lembra que, de janeiro a setembro deste ano, o setor público brasileiro registrou um déficit nominal (receitas menos despesas, considerando gastos com juros) equivalente a 2,7% do PIB, acima dos 2,38% do mesmo período de 2005 e mais alto do que o déficit nominal apurado em todo o ano de 2004, que ficou em 2,67% do PIB.
Para o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, ex-professor da Cambridge University e hoje no Ibmec, em São Paulo, Lula encontrará dificuldades para equilibrar o Orçamento, controlar o crescimento nos gastos da Previdência e melhorar o crescimento econômico. Segundo ele, no segundo mandato não deverá haver mudanças significativas nas políticas monetária e cambial, e tampouco na estratégia econômica geral do país, mas um déficit fiscal persistente poderá prejudicar sua gestão, forçando o governo a escolher entre duas opções impopulares: manter a carga tributária na máxima ou reduzir os gastos.
O déficit da Previdência é o que mais preocupa economistas como Fabio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele argumenta que a despesa do INSS era de 2,6% do PIB em 1988; chegou a 5% do PIB em 1994, no lançamento do Plano Rea; atingiu 6,5% do PIB em 2002, último ano do governo Fernando Henrique; e atingirá 8% do PIB em 2007.
Na campanha, Lula disse que não há proposta de reforma da Previdência. Mantega argumenta que, com o crescimento mais acelerado, será possível estabilizar, a médio prazo, o valor dos pagamentos previdenciários. No entanto, importantes economistas do próprio governo admitem que alguma mudança de regra deverá ser proposta para baixar o déficit.
Para Giambiagi, passada a eleição, a Reforma da Previdência deveria ser objeto de negociação política e de entendimento entre os pólos que se aglutinam em torno do PT e do PSDB. Segundo ele, os custos de não fazer a reforma são visíveis.
A maioria dos economistas concorda, no entanto, que não deve haver muito espaço para a discussão de reformas como a definição de uma idade mínima para a aposentadoria no setor privado - tidas como importantes para deter a escalada do rombo da Previdência no longo prazo.
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