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 | 07/10/2006 17h57min

Rigotto foi do céu ao inferno em 48 horas em 1º de outubro

Governador do Rio Grande do Sul marchou para a derrota sem perceber

Esta não é uma história de tensas reuniões partidárias madrugada adentro ou de estratégias alteradas às pressas. É a história simples de um homem que marchou para a derrota sem perceber. De um governador que foi dormir convencido de que daria ao acordar um passo importante para se tornar o primeiro ocupante do Palácio Piratini a ser reeleito para um mandato consecutivo, mas que acabou fulminado por um surpreendente fracasso nas urnas.

Esta é a história das últimas horas de Germano Rigotto antes da votação do dia 1º de outubro, que o retirou do segundo turno da disputa pelo Executivo.

Na manhã de sexta-feira, no diretório do PMDB na Avenida Farrapos, em Porto Alegre, dois assessores próximos a Rigotto agiam como se nada de trágico fosse acontecer dali a 48 horas.

A equipe de campanha operava com um cenário único e lógico: o primeiro turno serviria para definir o adversário do governador no segundo.

- Estamos trabalhando por etapas - comentavam os assessores.

Naquela manhã, Rigotto trancafiou-se no comitê da Avenida Brasil, na Capital, para telefonar a parlamentares. Os números do Centro de Pesquisa Correio do Povo (CPCP) inquietaram o governador. A sondagem de intenção de voto o mantinha na liderança, mas detectava o perigo ao confirmar o crescimento de Yeda Crusius (PSDB) nos últimos dias. O governador usava o telefone para pedir a dose final de vigilância a candidatos do PMDB que julgava de confiança, como Osmar Terra, Darcísio Perondi e Eliseu Padilha.

- Não podemos nos desmobilizar - pedia.

Cúpula, partidários e assessores davam de ombros aos sinais de risco iminente. No sábado, no entanto, quando saiu o resultado da pesquisa Ibope, Rigotto deixou pela primeira vez a tranqüilidade de lado. Pressentiu que algo poderia estar sendo gestado silenciosamente. Conversou com assessores próximos sobre os números do instituto. Ele permanecia na ponta, mas intuiu que o empate entre Yeda e Olívio Dutra (PT) indicado pelos números tinha potencial para provocar surpresas.

- Esse empate pode gerar um movimento de voto útil para um dos dois - comentou Rigotto, como se tivesse uma premonição.

Até aquele momento, nada havia abalado a certeza de Rigotto em relação a suas chances eleitorais. A véspera da eleição foi vivida com impaciência. A agenda de sábado do candidato previa caminhadas e carreatas em Porto Alegre, antes da viagem a Caxias do Sul, onde votaria no dia seguinte. Um Rigotto sôfrego percorreu a Avenida Azenha como se fizesse um arrastão, trocando o cumprimento atencioso por saudações genéricas e coletivas.

O comportamento chamou a atenção de algumas pessoas do PMDB porque contrariava a habitual amabilidade que o governador costuma dedicar a quem lhe pede uma foto ou busca um aperto de mão. Tão apressado estava que deixou para trás na caminhada o candidato do partido ao Senado, Pedro Simon, que não gostou da atitude. O candidato à reeleição desvencilhou-se dos últimos compromissos de campanha e tomou um avião bimotor turboélice fretado para Caxias do Sul, em companhia de dois assessores.

Passavam poucos minutos das 19h quando ele iniciou a reclusão no apartamento da Rua Independência, no bairro Exposição, na sua cidade natal. Ele optou por terminar o dia sob o abrigo da família, acompanhado apenas da mulher, Claudia, e dos filhos, Rafael e Roberta. Nenhum político entrou no prédio naquela noite. O governador dormiu cedo. Antes das 6h, porém, já havia luzes acesas no apartamento. Assessores subiram logo depois com pão para o café da manhã familiar.

No domingo, reza e pressão elevada

No domingo, o governador Germano Rigotto (PMDB) saiu de casa animado às 8h35min. Não usava o Omega oficial do governo, mas um talismã: a caminhonete particular preta com que circula desde a campanha de 2002. Passou por um grupo de repórteres e ainda brincou pedindo votos a um deles. Chegou às 8h40min ao Colégio Madre Imilda, no bairro Nossa Senhora de Lourdes, ladeado pela família. Entrou para votar junto com líderes do PMDB caxiense, entre eles o prefeito da cidade, José Ivo Sartori. Saiu pedindo um minuto de privacidade, pois queria rezar para Nossa Senhora de Lourdes na capela em uma grutinha da escola. Deixou o santuário economizando explicações:

- Só pedi proteção.

O mesmo avião fretado o trouxe de volta à Capital para uma maratona de entrevistas, nas quais em nenhum momento diminuiu a convicção de que já estava no segundo turno. O que se permitia de cautela era não comentar quem seria o adversário preferido. Na Serra, antes de embarcar, havia colocado em suspeição pesquisas recentes que indicavam avanço de Yeda.

- Vou falar disso no momento oportuno, mas algumas coisas que aconteceram nas últimas horas não podem acontecer. Pesquisas eleitorais manipuladas, julgadas como verdadeiras, induzindo o voto dos indecisos e mudando votos. Isso não pode - reclamou.

A repentina preocupação com as pesquisas contrariava uma convicção martelada por Rigotto durante toda a campanha.

- Pesquisa não baliza o meu trabalho - costumava dizer Rigotto a assessores que esboçassem desassossego com o ritmo medido pelos institutos de pesquisa.

Era tanta a certeza do segundo turno que a cúpula do PMDB dispensou a realização de consultas esporádicas para acompanhar os fenômenos eleitorais que estavam em curso. Foi uma medida de economia, mas também um gesto de confiança exacerbada. A previsão era utilizar o recurso apenas na fase decisiva.

Às 11h do dia da eleição, Rigotto estava a postos para a primeira entrevista programada do dia, à Rádio Gaúcha. Sabendo que Yeda e sua equipe estavam no prédio da RBS, Rigotto resolveu ficar esperando dentro de uma caminhonete prateada para evitar um encontro. Quando se preparava para descer, o fotógrafo Paulo Dias, que ia na frente, avistou a saída de Yeda e avisou o governador para esperar mais um pouco. Rigotto atendeu. Nas conversas informais com os jornalistas que o acompanhavam - como em uma que teve por volta do meio-dia em uma emissora de rádio -, não escondia a inconformidade com a adversária, por quem nutre mágoa:

- Yeda não pode estar na minha frente.

Rigotto não havia percebido que movimentos silenciosos estavam roendo seus planos eleitorais na base de pequenas traições. A primeira delas atiça boa parte do ressentimento que Rigotto tem pelo PSDB. O partido manteve cargos no governo e ao mesmo desferiu os golpes mais lesivos durante a campanha. Yeda condenou o governo peemedebista do qual participara ao dizer que a crise financeira não havia sido enfrentada, o que exigia "um novo jeito de governar", seu slogan de campanha.

Parlamentares do PP, no lugar de apoiar o candidato do partido, Francisco Turra, se lançaram à campanha de Yeda desde o início como um subproduto do apoio da sigla a Geraldo Alckmin, pretendente do PSDB à Presidência. Pedro Westphalen e Jerônimo Goergen estão entre os candidatos do PP aliados de Yeda. Mesmo dentro do PMDB houve quem emitisse sinais contraditórios ao eleitor. É o caso de Eliseu Padilha (PMDB), eleito deputado federal com campanha pelo número 45 de Alckmin. Não que Padilha tenha trocado Rigotto por Yeda, mas o fato é que sua trupe fazia campanha portando bandeiras tucanas.

Em Rio Grande, a rasteira foi explícita. O prefeito Janir Branco (PMDB) fez campanha aberta para Yeda. A candidata tucana conquistou 43.152 votos na cidade. Rigotto ficou em terceiro, com 24.855, atrás de Olívio. Se tivesse obtido a votação de Yeda na cidade comandada por seu próprio partido, Rigotto teria 18.297 votos a mais, o suficiente para chegar à frente do petista.

Essas explicações começaram a aparecer apenas depois de contabilizados os votos e confirmado o fracasso eleitoral. A não ser pelos comentários sobre as pesquisas, nada no dia da eleição transpirava tensão ou crítica ao comportamento de aliados e adversários. A confiança de Rigotto contaminava quem estava a seu redor e chamava a atenção de quem assistia a suas entrevistas pelo tom de arrogância.

Às 12h30min, o governador-candidato já estava ao lado do vice-prefeito de Porto Alegre, Eliseu Santos (PTB), e da vice na sua chapa, Sônia Santos, em um colégio da zona norte de Porto Alegre onde Eliseu votaria. Topou com um pessoa tirando a pressão e resolveu ver como estava a sua. Levou um susto com o 15 por 10 medido.

- Está alta - disse Rigotto a mulher, franzindo a testa.

- Está alta, tem de pegar leve - concordou Claudia.

Mas o ritmo seguiu intenso. O governador percorreu todas as emissoras de TV de Porto Alegre. Antes de mais uma bateria de perguntas na TVCOM, teve de aguardar em uma sala de espera. Havia um aparelho sintonizado no canal 36 transmitindo a entrevista de Roberto Robaina (P-Sol). Rigotto pediu para aumentar o volume no exato momento em que Robaina dizia:

- Pegue a sua conta de luz e veja o tarifaço do Rigotto.

Constrangido, o governador comentou com o estilo diplomático de sempre, respeitoso com o oponente, um comportamento criticado por integrantes do PMDB que cobravam de Rigotto menos delicadeza e mais firmeza no embate.

- O Robaina não tira essa história da cabeça - justificou aos jornalistas.

Seguiram-se as entrevistas até as 16h, freneticamente. O grupo resolveu almoçar na Churrascaria Barranco. Pediram picanha e costela de porco coberta com queijo. Suplente de Simon no Senado, Elói Guimarães estava na mesa principal e conta que as conversas, até aquele momento em que a sorte de Rigotto já estava selada, eram otimistas, não cogitavam a hecatombe:

- Sentei-me ao lado de Simon. Em nenhum momento passava pela cabeça de alguém que Rigotto não estaria no segundo turno.

Encerrada a votação, às 17h, o grupo levantou-se das cadeiras e deixou para trás a longa mesa disposta na área externa do restaurante. O plano inicial era seguir até o comitê central da Avenida Bahia. Ali, o governador acompanharia a apuração. Foi quando pela primeira vez as coisas saíram do script naquele dia. Claudia fez um pedido que contrariou a programação.

- Vamos para casa - pediu a primeira-dama.

Rigotto atendeu o convite e se deslocou com a mulher para o apartamento do casal na Capital. Havia uma promessa de que às 19h o governador estaria de volta ao comitê, quando comentaria o início da apuração. Ficou só na promessa. A ausência de líderes do PMDB no quartel-general era um presságio de má sorte. Simon era o único que circulava pelo local, mas suas entrevistas ainda tratavam de uma realidade que não se confirmaria.

- A queda do PT (saída de Olívio da disputa) vai tornar o segundo turno bastante diferente para nós - afirmava o senador reeleito, enquanto os primeiros números mostravam Yeda na frente.

Foram seis horas de silêncio entre o refúgio de Rigotto no apartamento, ao lado da mulher, e a entrevista coletiva emocionada em que comentou uma das mais impressionantes derrotas eleitorais do Estado. Eram 22h40min quando o governador ajeitou os microfones e começou a enumerar motivos e explicações, chorando quando lamentou o fato de ter entristecido os militantes.

Eram rostos de perplexidade e consternação. Elói Guimarães estava no grupo que cercava o derrotado, posando ao lado de Rigotto em sinal de solidariedade pela batalha perdida:

- As pessoas se perguntavam: mas o que foi que aconteceu?

Rigotto ainda se pergunta o que foi que aconteceu.

ALEXANDRE ELMI, MOISÉS MENDES E STEFAN LIGOCKI/ZERO HORA

 

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