| 29/07/2006 08h
Sob a luz amarelada a iluminar um pórtico, três cães vira-latas descansam. Sequer acordam quando o carro passa. Ao lado, dois militares libaneses – um deles dormindo estirado sobre um banco de madeira e o outro sentado com os coturnos sobre a mesa – guardam a fronteira entre Síria e Líbano.
São 2h55min da madrugada de sexta-feira (20h55min de quinta-feira em Brasília). Há 20 minutos, Damasco ficou para trás. No carro, estão o motorista libanês Mohammed Nasser, Poul Hansen, chefe dos correspondentes da Danish Broadcasting News em Moscou, e o repórter de Zero Hora. Sonolento, um dos militares aproxima-se do veículo e manda abrir o porta-malas. Procura armas, mas encontra apenas a maleta com a câmera de Poul. Mohammed faz às vezes de guia. Pega os passaportes dos estrangeiros e entra no posto de imigração vazio. Não satisfeito com as fotos nos documentos, o militar quer ver as nossas caras. – Vocês têm os formulários com autorização para jornalistas entrarem no Líbano?Ninguém tinha. E, descobri depois, não havia formulário algum. O soldado só tentava encontrar uma irregularidade que lhe rendesse alguns dólares. Sem sucesso, irrita-se, xinga Mohammed em árabe e, em vez de um mês, concede aos visitantes visto de permanência de no máximo 15 dias no Líbano. O grupo volta ao carro satisfeito. O outro soldado acorda: – Welcome to Lebanon (Bem-vindo ao Líbano) – acena, sorrindo e afastando as moscas a tapas. Os militares não conseguiram arrancar o suborno, mas atrasaram a viagem entre Damasco e Beirute em 45 minutos. Normalmente, este trecho é percorrido em uma hora e meia. Mas a rodovia principal foi bombardeada por Israel nos primeiros dias da ofensiva. Pontes foram destruídas, e crateras de até 10 metros de diâmetro interrompem o tráfego. Nesta madrugada, o exército libanês colocou pneus para obstruir o caminho quilômetros antes dos pontos críticos. Daqui para a frente, será preciso pegar estradas alternativas pelas montanhas, passando pelo perigoso Vale de Bekaa, alvo diário dos ataques dos aviões israelenses. Mohammed aceitou fazer a empreitada por US$ 350 por pessoa. Experiente, ele havia trilhado a rota horas antes. – A noite está tranqüila, sem bombardeios – avisa, como se pudesse prever as intenções dos generais de Israel. Havia 72 horas Beirute não era alvo das bombas. O Vale do Bekaa, porém, expunha as cicatrizes da tarde e da manhã anteriores: a carcaça de um carro incinerado na margem direita da pista que sobe o morro em direção a Zahle. Quinze minutos depois, um caminhão ainda exala um odor de metal queimado. A frente, mais um veículo retorcido. Nada diferencia os carros destruídos do veículo usado pela reportagem para cruzar o vale. Os faróis acesos a iluminar a estrada vazia tornam o nosso também suspeito aos olhos do alto. – Não podemos escutar, mas eles estão lá em cima – diz Mohammed. "Eles" são os aviões israelenses – caças F-16 ou aeronaves não-tripuladas de reconhecimento cujo som pode ser ouvido por quem está no solo. Aparentemente, não há nenhum no céu estrelado desta noite. Mas não há garantia. – Quando querem atacar, eles não fazem barulho. Só fazem quando querem assustar – ensina Mohammed. Poul dorme a viagem toda, como se estivesse entediado com a conversa. Ninguém mais no carro prega o olho até as luzes de Beirute começarem a se misturar com os primeiros raios de sol. Às 5h30min, o grupo inicia a descida do Monte Líbano. Alguns carros começam a aparecer na estrada, no sentido contrário. Beirute ainda dorme. Na orla do Mediterrâneo não há veículos. Apenas um grupo de refugiados faz fila próximo ao porto, de onde estão saindo navios canadenses com destino ao Chipre. Levam mochilas e travesseiros nas mãos. No calçadão à beira-mar, idosos lembram que até na guerra a rotina pouco muda: exercitam-se e alongam-se no calçadão. Beirute acorda para o 17º dia de conflito. RODRIGO LOPES/ZERO HORA
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