| 14/07/2006 12h41min
Os três dias consecutivos de ataques promovidos pelo crime organizado em São Paulo trouxeram à tona mais uma vez o assunto da segurança na ordem do dia. Em entrevista ao clicRBS, Sonali Zluhan, juíza de Direito da 3ª Vara Criminal e Vara de Execuções Criminais – Comarca de Caxias do Sul, disse hoje que o sistema carcerário está fora de controle.
– Nós, juízes das execuções criminais temos um conselho aqui no Estado. Este conselho se reúne uma vez por mês, para discutir as questões carcerárias. Em realidade, não encontramos soluções. Há desinteresse total por parte do Estado para tentar amenizar o sistema carcerário – relatou a magistrada.
De acordo com Sonali Zluhan, o descaso é tanto da União quanto dos Estados.
– Sim, tanto que o que se percebe é a total decadência do sistema. Não se pode pensar em ressocialização nos presídios. Somente há a contenção por um período de tempo. Após o indivíduo volta para a sociedade, para o mesmo meio ambiente em que vivia, no entanto já bastante escolado – afirmou.
Sobre a possibilidade de o problema que atinge São Paulo se repetir nas cidades gaúchas, a juíza foi cautelosa. Segundo ela, não se pode afirmar que não vá ocorrer este tipo de situação no Rio Grande do Sul. No entanto, Sonali Zluhan destacou que o Estado não tem facções tão ativas como em São Paulo.
Mas acrescentou que a explosão demográfica dentro dos presídios está se alastrando em todos os locais:
– No Rio Grande do Sul temos vários presídios em péssimas situações: o Central em Porto Alegre, o de Caxias do Sul, o de Santa Maria, o de Passo Fundo, de Pelotas.
A entrevista online com a juíza Sonali Zluhan foi realizada pela jornalista Maíra Kiefer, do clicRBS, e monitorada por Samantha Bonnel.
Veja a íntegra:
Pergunta – A situação no Estado de São Paulo está fora de
controle?
Sonali Zluhan – Entendo que a situação chegou a um limite extremo, em
que algumas medidas devem ser tomadas. Não sei se é possível afirmar que esteja fora de controle, no entanto o sistema carcerário há muito tempo está fora de controle.
Pergunta – Existe possibilidade de o Rio Grande do Sul vir a ser palco de ações como as de São Paulo?
Sonali Zluhan – Não se pode afirmar que não vá ocorrer este tipo de situação no Rio Grande do Sul, porém não temos facções tão ativas como no Estado de São Paulo.
Pergunta – No sistema prisional gaúcho, não existem organizações criminosas do porte do PCC. Pode-se dizer que há nas prisões do Estado um ambiental favorável para o fortalecimento desse tipo de grupo?
Sonali Zluhan – Nos presídios gaúchos ainda não existem organizações assim como o PCC, no entanto já existe outro tipo de organizações que estão se proliferando.
Pergunta – Como atuam esses grupos nas penitenciárias
gaúchas? São mais de um?
Sonali Zluhan – Sim, são mais de um e
eles têm o controle nas prisões. Ocorre que dentro dos presídios existem leis próprias, que os apenados respeitam e também os seus familiares.
Pergunta – Dentre as prisões gaúchas, quais podem ser apontadas como barris de pólvora?
Sonali Zluhan – A explosão demográfica dentro dos presídios está se alastrando em todos os locais. No Rio Grande do Sul temos vários presídios em péssimas situações: o Central em Porto Alegre, o de Caxias do Sul, o de Santa Maria, o de Passo Fundo, de Pelotas.
Pergunta – Quais serão as medidas mais urgentes em São Paulo?
Sonali Zluhan – No entanto é possível afirmar que se deve pensar em medidas mais amplas, de abrangência social que não se restrinja ao controle prisional.
Pergunta de Internauta – Dentro destas medidas, podemos prever a intervenção federal?
Sonali Zluhan – O Estado de São Paulo tem autonomia
em alguns aspectos, um deles é certamente a questão da segurança pública. Até agora não
querem intervenção federal.
Pergunta – O programa Tolerância Zero adotado nos Estados Unidos seria uma solução para o problema brasileiro?
Sonali Zluhan – O programa de tolerância zero, desde o meu ponto de vista não funcionaria no Brasil, porque temos outro tipo de visão. Para funcionar é necessário moralizar a polícia, melhorar salários, evitar corrupção.
Pergunta – Questões políticas estão impedindo uma ação mais enérgica no Estado de São Paulo? Como você avalia a recusa do governo de São Paulo em aceitar a presença da Força Nacional de Segurança no Estado?
Sonali Zluhan – Tenho sérias dúvidas se a intervenção federal seria capaz de amenizar o problema. O que se percebe em São Paulo é uma crescente violência em represália a aparatos sociais que estão absolutamente invisíveis para uma parcela da população.
Pergunta de Internauta: Mas uma intervenção
federal não ajudaria a conter a onda de violência?
Sonali Zluhan –
Conter a onda de violência por um tempo, talvez..., mas e após?
Pergunta de Internauta – O domínio dos grandes traficantes junto aos complexos prisionais em São Paulo é notório e público. O governo de São Paulo não tem estrutura para reverter essa situação. Seria o caso de uma Intervenção Federal no Estado?? O que a senhora daria como resposta se fosse consultada para resolver esse problema atual?
Pergunta – O Estado de São Paulo foi um dos que mais investiu em segurança nos últimos anos. No entanto, as ações não foram suficientes. Qual é a falha mais evidente no controle da violência?
Sonali Zluhan – Bem, tenho convicção de que a violência somente pode ser combatida com inclusão social. O que se vê atualmente em São Paulo é uma disputa de poder entre dois estados, sendo que um deles é paralelo.
Pergunta – A solução de problemas sociais exige mais tempo. Que medidas
urgentes poderiam ser adotadas para resolver esse tipo de situação?
Sonali Zluhan – Bem, se o que se quer é uma solução imediata, não vejo como. A negociação com este "poder paralelo" é uma medida que já foi tomada anteriormente e resultou, por algum tempo, na contenção de violência.
Pergunta – Uma legislação mais rigorosa pode ser apontada como uma alternativa?
Pergunta de Internauta – O sistema prisional está inchado. Uma legislação penal mais branda para crimes não muito graves poderia ajudar a amenizar o problema?
Sonali Zluhan – Legislação rigorosa já foi medida tomada anteriormente com a promulgação de leis como a dos crimes hediondos. Somente serviu para inchar o sistema prisional e aperfeiçoar o crime. Os delitos mais leves não podem ser tratados da mesma maneira que os graves, que realmente merecem penas graves e encarceramento.
Pergunta – Qual pode ser o papel do Judiciário na busca por uma solução para o problema da segurança?
Sonali Zluhan – O Judiciário tem-se mantido atuante. No
entanto, não é possível solucionar o problema somente através deste poder, pois trabalhamos na ponta do sistema. Quando todos os limites falharam, o judiciário entra para deter o indivíduo.
Pergunta de Internauta – Pena de morte não seria uma solução???
Sonali Zluhan – Pena de morte absolutamente não contém a violência. Nos estados unidos, por exemplo, está prevista a pena de morte.
Pergunta de Internauta – Na sua opinião qual a solução, a curto prazo, para uma população carcerária que está cada vez aumentando mais?
Sonali Zluhan – Nós, juízes das execuções criminais temos um conselho aqui no Estado. Este conselho se reúne uma vez por mês, para discutir as questões carcerárias. Em realidade, não encontramos soluções. Há desinteresse total por parte do estado para tentar amenizar o sistema carcerário.
Pergunta – A transferência de presos para
penitenciárias federais de outros Estados resolveria o problema?
Sonali Zluhan
– A transferência de presos para o sistema federal é quase impossível, pois a resolução que permite esta transferência é extremamente rígida e exclui várias possibilidades.
Pergunta – O desinteresse é generalizado, tanto do Estado quanto da União?
Sonali Zluhan – Sim, tanto que o que se percebe é a total decadência do sistema. Não se pode pensar em ressocialização nos presídios. Somente há a contenção por um período de tempo. Após o indivíduo volta para a sociedade, para o mesmo meio ambiente em que vivia, no entanto já bastante escolado. Se pensarmos que no presídio, um condenado primário convive com outros presos que possuem vários antecedentes, já se pode afirmar que ele aprende o que tal vez não aprendesse na rua.
Pergunta – Quais são as medidas que devem ser tomadas para coibir a ação dos criminosos atrás das grades? Até agora, não se solucionou a questão dos celulares...É um jogo de
empurra-empurra?
Sonali Zluhan – Como disse acima,
não há interesse em solucionar. O sistema faliu. Não se pode pensar que o Estado não tenha dinheiro para investir em sistemas de segurança mais inovadores. Como tiveram então dinheiro para o plebiscito do desarmamento?
Pergunta – Não há como isolar os principais líderes do crime organizado mesmo sem a transferência desses detentos?
Sonali Zluhan – Não há como isolar os líderes sem transferência. E a transferência significa, muitas vezes, exportação do delito para locais pacatos. Já ocorreu no rio grande do sul, a transferência de presos perigosos para cidades menores, onde o crime terminou por se instalar em larga escala.
Pergunta – A corrupção dentro do sistema carcerário pode ser apontada como um dos principais problemas de segurança?
Sonali Zluhan – A corrupção no sistema carcerário existe e é muito séria. e ela existe por vários fatores. Dentro dos presídios falta tudo, desde material
higiênico, até remédios, atendimentos.
Pergunta – A elevação dos salários dos agentes penitenciários reduziria esse problema?
Sonali Zluhan – Certamente. Os agentes penitenciários recebem salários insignificantes e trabalham em um ambiente totalmente insalubre e inseguro, tendo muitas vezes que dobrar suas horas de trabalho para ter uma vida mais digna.
Pergunta – O sistema faliu por falta de interesse político na busca por alternativas para amenizar os problemas?
Sonali Zluhan – Certamente. Quem está preso? Alguma destas pessoas que estão presas tem significado para a sociedade ou são excluídos? Por que as grandes máfias que vazam os cofres públicos não são presas?
Pergunta – Nenhuma atitude tomada de maio a julho foi suficiente para coibir as ações do PCC. Quais são as medidas mais urgentes a serem tomadas daqui para frente? Investir no serviço de inteligência?
Sonali Zluhan – Não tenho a solução para o
problema, mas o tipo de retaliação que vêm ocorrendo, de ambos os
lados, certamente não está ajudando. A contenção da violência não tem soluções imediatas, sempre precisam ser de longo prazo. O Estado deve ser mais atuante em todas as áreas.
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