| 17/05/2006 15h52min
A reforma agrária proposta na Bolívia pelo governo do presidente Evo Morales para eliminar latifúndios improdutivos e dar milhões de hectares a comunidades indígenas recebeu hoje uma avalanche de críticas, e também uma grande quantidade de aplausos.
O plano foi apresentado nesta terça na cidade de Cochabamba, no centro do país, como um conjunto de medidas urgentes que serão debatidas com os produtores rurais a partir da próxima quarta, mas que podem ser aprofundadas durante a próxima Assembléia Constituinte.
O programa prevê a distribuição imediata de uma extensão entre 2 milhões e 4,5 milhões de hectares de terras de propriedade do Estado somente a comunidades indígenas e sindicatos de trabalhadores rurais, e a desapropriação dos latifúndios improdutivos existentes principalmente no leste do país.
As críticas surgiram entre as autoridades regionais e os empresários dessa região, a mais próspera da Bolívia, embora também tenham sido apresentadas pelos dirigentes indígenas aimaras situados mais à esquerda de Morales, que não querem um acordo com os proprietários.
O governador do departamento oriental de Santa Cruz, Ruben Costas, reivindicou hoje suas atribuições em algumas políticas sobre a terra, em resistência à intenção governamental de centralizar outra vez as decisões sobre o tema. Costas acrescentou que só podem ser distribuídas aos camponeses terras estatais e não particulares, e que, no caso de Santa Cruz, estas devem beneficiar os habitantes dessa região.
Seu homólogo do departamento amazônico de Beni, Ernesto Suárez, expressou sua preocupação diante da possibilidade de invasões de propriedades, e alertou sobre a existência de "incerteza e perturbações nos setores sociais e produtivos".
Por sua vez, as entidades patronais agropecuárias do leste do país atribuíram a proposta a uma manobra política diante da Assembléia Constituinte de agosto, embora tenha destacado sua disposição de dialogar do Governo.
– Não queremos pensar que há um show para a mídia, político, em tudo isso. Somos um setor que se ocupa da produção, da sustentabilidade. Estamos preocupados, porque ontem (terça-feira) vimos que se questionou o setor de soja – estabelecido em Santa Cruz, disse, por sua vez, o presidente da Associação de Nacional de Produtores de Oleaginosas, Carlos Rojas.
Sobre esse cultivo, o vice-presidente da Bolívia, Alvaro García Linera, sustentou que apesar de ser um dos que mais exporta, gerando receitas milionárias, os camponeses que trabalham nele vivem na pobreza.
Para o vice-presidente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Mauricio Roca, é significativo que o governo tenha optado por modificar sua política de terras, mas criticou também as supostas intenções políticas da medida. Os produtores questionaram, além disso, a ênfase posta pelo governo na distribuição das terras, principalmente do leste boliviano, em lugar de promover o desenvolvimento das terras altas, situadas na região andina.
No outro extremo, o líder indígena aimara Felipe Quispe, ex-dirigente camponês, criticou a postura do governo de "fazer outra lei de mãos atadas aos fazendeiros", embora tenha ressaltado a intenção de Morales de beneficiar os indígenas.
O analista Miguel Urioste, da Fundación Tierra, um centro especializado na questão agrária, qualificou o plano de um "salto qualitativo para aprofundar a distribuição das terras no país", e para pôr um fim ao "latifúndio disfarçado". Segundo o analista, a reforma agrária feita no país em 1953 pelo presidente Víctor Paz Estenssoro produziu uma distribuição desigual porque cerca de 40 mil empresas possuem 36 milhões de hectares e 500 mil camponeses contam com apenas 12 milhões de hectares.
Além disso, disse que a maioria das terras concedidas na ocasião aos trabalhadores rurais, situadas nos planaltos do norte do país, não é apta à produção.
Por outro lado, indicou a existência, no leste, de "não mais que cem famílias" muito influentes que possuem cerca de 100 mil hectares, das quais apenas 5 mil hectares estão em produção.
Segundo o superintendente Florestal, José Martínez, não deveria haver problemas de terra na Bolívia, uma vez que o país tem 1,1 milhão de quilômetros quadrados para uma população de nove milhões de habitantes, a metade dos quais vive em apenas quatro cidades.
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