| 26/04/2006 07h20min
Apenas duas pessoas morreram na hora exata da explosão. Nos dias seguintes, 31 trabalhadores das equipes de emergência perderam a vida. O legado mortal daquela madrugada de 26 de abril de 1986 só poderia ser dimensionado com o tempo – números oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) falam em 9 mil. Duas décadas depois, Chernobyl continua a fazer vítimas, e o número de mortos é ainda motivo de discórdia entre as Nações Unidas, organizações não-governamentais e governos.
A ONG Greenpeace contesta os dados da ONU e aponta que o número de vítimas poderá ser de 100 mil nos próximos anos. Apenas na Ucrânia, entidades de pesquisa estimam que os mortos ultrapassarão a marca dos 30 mil.
Pior do que as cifras é a realidade. Vinte anos depois da explosão, muitos agricultores da zona rural da Ucrânia continuam morando nas áreas infectadas pela radiação. Pior: muitos sequer foram examinados por médicos. E como eles vivem? Para se alimentar, cultivam verduras e criam animais, como qualquer agricultor, só que, no caso deles, os alimentos são veneno – como os elementos radioativos se espalharam pelo ar e também se depositaram no solo, este tipo de alimentação contribui para o aumento das doses de radiação.
– De qualquer maneira, a morte vai chegar um dia – afirma a camponesa Maria Chetchenko, 65 anos, uma das 350 pessoas que vivem em uma área proibida próxima à usina.
O conformismo é uma das marcas da população afetada pela tragédia. Segundo um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a quebra de círculos sociais, a iminência de doenças e o abandono de suas casas criam entre a população sentimentos de depressão, ansiedade e também sintomas físicos inexplicáveis.
Os efeitos psicológicos são também bastante parecidos entre aqueles que passaram pela experiência de Chernobyl e os sobreviventes de ataques atômicos (como os de Hiroshima e Nagasaki). Classificados globalmente como "vítimas de Chernobyl", muitos se consideram inválidos.
– Eles não se vêem como sobreviventes, mas sim como pessoas fracas que não têm nenhum controle sobre seu futuro – conclui o relatório da agência da ONU.
A tragédia aconteceu durante um teste rotineiro, por volta da 1h46min. O teste duraria 20 segundos. Sete segundos depois de concluído, houve a explosão. Até o terceiro dia depois do vazamento, a antiga União Soviética não divulgou ao mundo nenhuma informação sobre o acidente. Em vez de buscar ajuda internacional, os soviéticos criaram um plano de emergência que não incluía esclarecimentos às possíveis vítimas. Foi então que a Suécia, atenta aos níveis de radiação, deu um alerta global sobre um acidente nuclear "em algum lugar da União Soviética".
Cerca de 600 mil "liquidators" – grupo de policiais, bombeiros, funcionários da usina e outros profissionais que trabalharam no plano soviético de emergência - foram expostos a altas doses de radiação. Assim como milhares de pessoas que viviam próximas ao local da tragédia, esses voluntários sofreram graves conseqüências, desenvolvendo câncer, problemas circulatórios e catarata. Cerca de 350 mil pessoas que moravam nas imediações da usina deixaram suas casas, contribuindo assim para a formação de cidades fantasmas.
Os níveis de radiação impedem que os habitantes de Chernobyl voltem a suas casas. Cientistas estimam que uma limpeza da área levaria pelo menos um século. Mas a natureza está demonstrando que desafia qualquer obstáculo para continuar sobrevivendo. Na Zona de Exclusão estabelecida em um raio de 30 quilômetros da usina nuclear, a natureza reconquista o lugar abandonado pelos homens. Os bosques voltam a florescer, árvores inteiras invadem casas e animais voltam a habitar a região contaminada. Mas trata-se de uma natureza deformada, condenada tanto quanto os herdeiros de Chernobyl.
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