| 15/04/2006 15h51min
Às vésperas de decidir seu futuro – nesta semana, o conselho de administração da companhia analisará proposta de compra de US$ 400 milhões, da ex-subsidiária VarigLog, o que pode garantir sobrevida à empresa –, a aérea se vê refém da cultura administrativa que resultou numa dívida de R$ 8,4 bilhões. A estrutura de comando anacrônica e o quadro funcional exagerado mataram lentamente uma das maiores marcas que o país já construiu.
Especialista no assunto e proprietário do site sobre aviação www.jetsite.com.br, Gianfranco Beting observa que o comando da empresa, atrelado desde 1945 ao colégio deliberante da Fundação Ruben Berta, transformou cada área da companhia em feudos, que não se falavam:
– A fundação fragmentou as linhas de comando dentro da empresa. O setor financeiro não dava justificativa para a área de operações, que não sabia nada do marketing, que não se dava com a área de vendas, etc. Para comprar uma caneta ou uma turbina, por exemplo, era
necessário o aval de muitas
pessoas.
Mas não só a hierarquia foi prejudicada. Nos corredores da Varig, as histórias de desperdício não são segredo, ainda que não tenham resultado em punições. Pelo menos um presidente é acusado de ter pago a festa de casamento de sua filha no Copacabana Palace, no Rio, com dinheiro da companhia.
Auditorias nas empresas do grupo Varig entre 2003 e 2004 teriam apontado, que a partir dos anos 90, a má gestão resultou em prejuízos injustificáveis para o conglomerado. Uma das perdas, de R$ 160 milhões, envolveu contratos irregulares de cinco controladas: VarigLog, Varig Travel, Varig Agropecuária, Rotatur e Tropical Hotéis. Em outro caso, um sistema de informática custou à VarigLog R$ 14 milhões e teve o uso abandonado, pois não servia.
Consultores consideram exagerados os benefícios dos funcionários. De 1990 a 1995, um período de crise na aviação, a Fundação Ruben Berta investiu US$ 23 milhões em lazer, atendimento social, saúde e auxílios aos
trabalhadores.
O sistema de
distribuição de passagens a colaboradores também reflete a política do esbanjamento. Hoje, o mecanismo de descontos funciona de forma mais restrita, semelhante ao utilizado em outras companhias. Contudo, o funcionário que tinha pelo menos um ano de empresa até julho 1999 - e os mais antigos - dispõe desse sistema e do anterior, que é progressivo, por tempo de serviço. Quanto mais velho, maior o benefício e a possibilidade de distribuir passagens com desconto a parentes e amigos. Com mais de 25 anos de casa, o funcionário pode até conseguir viajar gratuitamente, pagando só taxas de embarque, mas é preciso lugar vago no vôo.
Um recorte dos desmandos administrativos da Varig foi analisado pelo professor Antonio Henriques de Araújo Junior, do Departamento de Engenharia de Produção, da Unesp, que estudou a produtividade de aéreas brasileiras em tese de doutorado. No final de 2003, a Varig tinha 201 funcionários por avião, mais do que o dobro da TAM, com 88, e da Gol, com 85. Na época,
enquanto a TAM e a
extinta Vasp transportavam, respectivamente, 1607 e 859 passageiros por funcionário/ano, a Varig não ia além de 638 passageiros. É apenas parte da história, mas que resume como um grupo do porte da Varig chegou à beira da insolvência.
– Talvez o que torna tão difícil mudar atitudes por parte de gestores e funcionários da Varig seja o fato de não ter tido um único dono ou acionista majoritário - pondera.
O que analistas e funcionários da companhia aérea são unânimes em afirmar é que o império Varig, tal qual foi concebido, não mais voltará a existir. Nesta semana, a empresa partirá para um novo vôo, diferente de tudo que viveu em sua história, ou definitivamente se recolherá aos hangares, viajando apenas na memória dos passageiros.
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