| 23/01/2006 22h15min
Sob críticas de que produziu números "distorcidos e inflados", o governo federal anunciou, hoje, o assentamento de 127.506 famílias de agricultores sem terra no país, durante 2005. O ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), gaúcho Miguel Rossetto, ressaltou o que entende ser o "maior desempenho da história", com a superação em 10,9% da meta prevista para o ano passado. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) contestou a matemática governamental.
Na guerra pelos números, Rossetto destacou que em três anos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contabiliza 245.061 famílias beneficiadas com um lote de terra. O ministro acredita que será possível cumprir o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fechar 400 mil assentamentos até o final deste ano.
A distribuição das famílias indica que o Pará foi o maior contemplado, com 41 mil assentamentos. O Rio Grande do Sul ficou no antepenúltimo lugar, com apenas 648 operações. Rossetto justificou que as regiões Sul e Sudeste estão com as estruturas fundiárias consolidadas, com poucas terras disponíveis.
Para o MST, o governo inflou os números ao contar assentamentos em lotes abandonados e em antigos projetos de reforma agrária. Na entrevista coletiva, Rossetto não divulgou quando foram criados os assentamentos que receberam famílias em 2005, se pertencem à gestão Lula ou ao governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O ministro também não informou quantas famílias foram colocadas em lotes de desistentes.
As divergências foram reforçadas no Rio Grande do Sul, onde o frei e deputado estadual Sérgio Görgen (PT) garantiu que os assentamentos não devem chegar à metade do anunciado.
A coordenação nacional do MST rebateu os números governamentais em nota. Assegurou que, das 127,5 mil famílias tidas como assentadas, apenas 45,7% o foram em áreas de reforma agrária. As outras, segundo a entidade, são de assentamentos antigos ou em terras públicas.
• A nota do MST
Diante dos números oficiais divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário nesta segunda-feira (23), o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra vem esclarecer:
1. Hoje existem mais de 140 mil famílias acampadas em beiras de estradas e em latifúndios no Brasil. Segundo o governo, somente em 2005, 127,5 mil delas foram assentadas. De acordo com os compromissos firmados entre os movimentos sociais do campo e o governo federal por meio do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) em dezembro de 2003 e na ocasião da Marcha Nacional de maio de 2005, as famílias acampadas seriam prioridade de política de reforma agrária adotada pelo governo. Constatamos que as beiras de estradas continuam ocupadas por estas famílias e latifúndios sem serem desapropriados.
2. A prática de assentar famílias nas regiões do norte do país, onde há maior concentração de áreas públicas, não contribui para a desconcentração de terra no país. Para o governo, nos parece que assentar famílias é simplesmente doar terra. Seja lá onde e como for. Reforma agrária é desconcentrar a propriedade da terra e resolver os problemas dos pobres do campo. Hoje, aproximadamente 56% das terras agricultáveis estão nas mãos de 1% dos proprietários. São mais de 133 milhões de hectares concentrados. Somos o segundo país do mundo em concentração de terra, só perdemos para o Paraguai.
3. Seguindo a lógica de mercado e o medo de enfrentar o grande latifúndio e seus aliados, o agronegócio e o capital financeiro, foram os grandes beneficiados em 2005. Altas taxas de juros somados ao rolamento das exorbitantes dívidas dos latifundiários indicam a opção do governo pela continuidade de uma política econômica neoliberal, que afeta os camponeses.
4. Os índices de produtividade - utilizados pelo Incra para determinar se uma área é improdutiva - são da década de 70. Este também foi um compromisso do governo Lula com os movimentos sociais do campo também na Marcha Nacional. Porém a portaria está parada na mesa do presidente há quase seis meses, sem qualquer previsão de ser implementada. Basta a sua assinatura para permitir que milhões de hectares improdutivos sejam destinados à reforma agrária.
5. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre janeiro e agosto de 2005, foram assassinadas 28 pessoas. Podemos dizer que a tensão no campo se agrava cada vez mais, considerando a ausência de uma política agrária que transforme a estrutura fundiária no país. E as vítimas são trabalhadores rurais e não funcionários de fazenda e muito menos os latifundiários.
6. A análise dos dados disponíveis confirma o questionamento, das 127,5 mil famílias consideradas assentadas em 2005, apenas 45,7% o foram em áreas de reforma agrária. O restante (54,3%) refere-se a assentamentos antigos ou reordenação de assentamentos em terras públicas. Os dados também mostram que grande parte dos assentamentos ocorreu em áreas de fronteira agrícola.
7. "A reforma agrária no governo Lula não tem capacidade de alterar a estrutura fundiária", segundo opinião do professor e especialista, José Juliano da USP. Os únicos resultados positivos se referem ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que é pouco para sustentar a afirmativa de que reforma agrária de qualidade está a ser efetivada. Sua política é inócua ao latifúndio. Não atinge o monopólio da terra.
8. A questão é discutir a natureza da reforma agrária, o formato e aonde foram assentados. A reforma agrária anunciada de fato desconcentra terra e tem distribuído renda e riqueza as mais de 4,8 milhões de famílias sem-terra espalhadas pelo país?. Bem como saber se a anunciada reforma agrária tem interferido na estrutura fundiária da terra.
9. O Senhor Presidente da Republica, se comprometeu com o MST, na chegada da marcha Nacional em um documento assinado pelo governo dia 18 de maio, em que se
comprometia:
a) publicar a portaria de novos índices
produtividade;
b) priorizar o assentamento das famílias acampadas;
c) a preparar um novo credito especial para os assentados, já que o PRONAF não
é adequado a realidade dos Sem Terra. Prova agora veio com os dados do Banco do
Brasil, referentes ao Pronaf A, acessado pelos assentados. Nessa safra, acessaram apenas 19 mil famílias
d) garantir uma nova linha de agroindústria para as famílias assentadas.
Nada disso foi cumprido até agora.
10. Perguntamos ao governo, que assentamento modelo, o governo Lula poderia inaugurar nesses três anos? Como se pode considerar reforma agrária o assentamento de 31.373 famílias que apenas entraram em lotes vagos de assentamentos antigos. É como considerar empregos novos, apenas a reposição de vagas de desempregados. Como se pode considerar assentamento as 18 mil famílias, da região de Santarém - PA, número estranhamento redondo, que foi apenas o levantamento dos posseiros que estavam na região?
Afinal, enganar a quem com esses números distorcidos e inflados?
Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
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