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Itapema FM  | 20/07/2015 07h01min

Catarinense Godofredo de Oliveira Neto lança livro baseado em Machado de Assis

"Ilusão e Mentira - As Histórias de Adamastor e Lalinha" traz como temas centrais o amor e a liberdade

Priscila Andreza  |  priscila.andreza@an.com.br

Ilusão e Mentira – As Histórias de Adamastor e Lalinha (Editora Batel, 100 páginas, R$ 38), novo livro de Godofredo de Oliveira Neto, é composto por dois contos inspirados em obras de Machado de Assis. A estrutura dos textos não foge do estilo machadiano, com capítulos curtos, diálogos e muita ironia. O autor, porém, acrescenta uma inovação: a narrativa faz com que o leitor questione-se a respeito de suas escolhas, vida e realidade.

O primeiro conto, O Galo Adamastor, fala de liberdade e discute o significado dessa palavra em contexto individual e coletivo. Já o segundo, Val e Lalinha, dialoga com as diferentes formas de amar, como o amor possessivo e por interesse na contemporaneidade. A adaptação é ainda, segundo o escritor, uma forma de incentivar a leitura dos livros clássicos.

Godofredo de Oliveira Neto, que se mudou para o Rio de Janeiro em 1968, nasceu em Blumenau, cidade em que viveu até os 17 anos e onde escreveu os primeiros contos e poemas. Entre os principais livros do romancista estão O Bruxo do Contestado, Amores Exilados e A Ficcionista. Ele foi segundo lugar no Prêmio Jabuti 2005, com Menino Oculto, e finalista dos prêmios Portugal Telecom e Zaffari Bourbon, com Marcelino. Atualmente leciona na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em entrevista ao Anexo, escritor fala sobre amor e liberdade, os temas centrais de  Ilusão e Mentira:

Como surgiu a ideia de escrever Ilusão e Mentira?
Foi uma tentativa de contribuir com a arte brasileira. A Lalinha (personagem principal do segundo conto) estudou em uma escola chamada José de Alencar. Esse nome é para lembrar a época do romantismo. Ela quer descobrir o anjo que estava dentro dela, como no livro Lucíola. O realismo de Machado já traz os interesses, a gente ama por interesse, infelizmente o amor não é puro. Lalinha ama por interesse, é como se ela fosse a versão feminina de Bento, de Dom Casmurro.

Por que decidiu basear o livro em Machado de Assis?
É necessário haver uma atualização do passado, é fundamental entendermos que a literatura é um contínuo. Machado de Assis é maravilhoso e é preciso trazer isso para os jovens, estabelecer um diálogo entre a literatura machadiana e a contemporânea.

No conto Ideias de Canário, de Machado de Assis, o canário diz: "(...) o mundo é o nosso canto e o resto é tudo ilusão e mentira". O senhor concorda com essa afirmação?
O mundo real é uma grande ficção. Temos vários exemplos da vida que parecem incongruentes e ilógicos, e a ficção – que é para ser outro mundo – eu diria que é o mundo mais real.

Como foi construir o personagem principal Miguel Santos do primeiro conto, O Galo Adamastor?
Miguel Santos é do circo e sabe fazer mágicas. A maioria do conto se passa em Florianópolis, na praia Santo Antônio, um dos meus lugares preferidos de passar as férias.

Por que o galo do conto se chama Adamastor?
Porque é um nome mitológico que aparece no livro Os Lusíadas, de Camões. Quis este nome para dar uma pitada mitológica, essa reciclagem da mitologia grego-latina.

No conto, quando o galo define liberdade, ele termina assim: "(...) o resto é retórica de intelectuais metidos a sabichões". Qual é a sua crítica aos intelectuais?
Os intelectuais constroem um mundo, eles querem dar uma lógica à ilogicidade. Porque tem haver com a condição humana: a cada maneira de ser corresponde um dizer. Ou seja, uma pessoa tem um jeito, uma história de vida e um pensamento, e a colega de mesa tem outra história – o que ela vai dizer vai sair de outra maneira. Os discursos serão sempre diferentes, porque a estrutura psicológica é diferente.

O que é liberdade?
O mundo atualmente é muito conservador e fundamentalista, quase um retrocesso. Para haver liberdade tem de existir um denominador comum para todos, como os direitos visuais, a privacidade, a tolerância de gênero e religiosa. Para não haver intolerância é preciso existir uma noção da liberdade coletiva e não somente da de cada um.

Por que escolheu uma personagem principal feminina para o conto Val e Lalinha?
A sensibilidade feminina faz falta nos relacionamentos do Brasil. Eu tenho notado que as mulheres têm uma delicadeza maior, isso é quase um clichê, mas humaniza um pouco o país. Mesmo que a Lalinha seja violenta, no fundo ela clama por um relacionamento. Ela está no meio do tiroteio, se pudesse, gostaria de viver em um mundo em que o amor prevalecesse.

O que é amor?
O amor deveria ser algo que os manuais não têm: a razão da condição humana trabalhando esse sentimento com harmonia e paz e não a sensação de posse e competição que leva à violência. Foi uma tentativa, né? Não quer dizer que a gente consiga. Também estamos nesse tiroteio.

O que quis dizer com tiroteio?
A gente está no tempo do empreendedorismo, dos aplausos para o vitorioso e está preparado para ignorar o derrotado. A pessoa fica frustrada achando que não é boa, que está atrás dos outros. Ela não é pior, mas acha que a culpa é dela por não ser tão inteligente quanto a outra. Na verdade, todos somos iguais, temos os mesmos direitos de sermos felizes.

As redes sociais afloraram a competitividade?
Sem dúvida, afloraram a individualização, o sujeito se tornou mais poderoso, a sensação de estar incólume. A pessoa fica frustrada de ver a felicidade nas redes quando está triste, isso cria uma realidade falsa. A rede social é um suporte tecnológico para ajudar, mas tem de se tornar uma área de reflexão, um amadurecimento cognitivo.

Em outro momento do conto, Lalinha diz: "O melhor mesmo é viver na dúvida do que ouvir um não". Será que ela era violenta por não ter a certeza do amor de Jonas?
A Lalinha ama o Jonas, porque ele está se tornando o chefe do tráfico de drogas da comunidade. Há um interesse ali, é o elemento do realismo. Segundo Schopenhauer, por exemplo, mesmo que encontrasse um gênio para perguntar se você é a pessoa escolhida pelo seu parceiro, o único jeito de saber isso seria depois que ele experimentasse todas as mulheres do mundo. Aí você diz que prefere não saber. O amor ocorre nos encontros casuais, há sempre essa dúvida. Claro que trabalhei com o amor realista, o que vive na incerteza. O outro jeito é o amor romântico, mas não é esse o caso.

Há uma passagem em que Lalinha não comete crimes enquanto está escrevendo no diário. O que o senhor quis dizer com isso?
A arte como um instrumento para harmonizar o mundo, ou seja, quando está escrevendo no diário, ela deixa de cometer os crimes. Eu quis abordar a necessidade da arte na condição humana, a necessidade de um mundo com mais arte em todos os aspectos.

Qual a sua opinião sobre o futuro do livro impresso?
Todo mundo ficou com medo disso, mas vi uma pesquisa sobre a juventude americana, que acaba usando o iPad como um instrumento para jogar e se comunicar e não para ler livros. No Brasil, parece que são só 3% de vendas em livros digitais.

Como é o seu processo de escrita?
Eu prefiro escrever tudo e depois faço os ajustes.

O ato de escrita é doloroso ou prazeroso?
Infelizmente, é doloroso. Porque é difícil escolher as palavras, muitas vezes dá vontade de chorar, mexe muito com o emocional.

Qual é a sua rotina de escrita?
Escrevo todos os dias, mas em horas diferentes. Escrevo bastante a mão em um caderno e também em folhas avulsas e só depois passo para o computador.

O que é inspiração para o senhor?
É uma mistura de paixão e técnica, o domínio da técnica. A literatura tem uma especificidade estética que a arte tem, não é só contar o assunto é como esse assunto é contado.

Quais são os contemporâneos que gosta de ler e tem como referência?
A lista é extensa, mas dois que me veem na mente são Rubens Figueiredo e Conceição Evaristo.

Qual dos seus livros é o seu preferido?
O livro Marcelino. A história se passa em uma praia, o personagem é filho de mãe índia e pai preto e eles vivem em uma ilha em harmonia com a natureza. Eu considero Marcelino, um herói dos mares no estilo Cruz e Sousa, porque ele é pescador e cafuzo, e a história se passa em 1942, no pós-guerra.

Quais são as dicas que o senhor dá para os jovens que querem ser escritores?
Primeiro, é necessário encontrar uma voz interior, é uma concentração muito grande de incorporar o personagem que se está escrevendo. Depois tem de ter bastante leitura, tanto dos clássicos quanto dos contemporãneos. Lendo os outros você vai incorporando estratégias discursivas, vocábulos, enriquecendo o texto. Pensar que a gente é só mais um. O restante é prática, é sentar e escrever.

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