Gal Costa começou a pensar no 36º disco sem nenhuma ideia pré-concebida. Sua única certeza era de que queria um repertório inédito, de gente jovem ou de nomes que estão por aí há alguns anos, de preferência que ela nunca tivesse gravado. O produtor Marcus Preto foi à caça pedindo músicas a compositores que conhecia. Das cerca de 150 canções recebidas, 14 (15, no formato digital) entraram em Estratosférica, que vem sendo elogiado como um sinal de que a cantora, prestes a comemorar o 70º aniversário, continua capaz de dialogar com seu tempo.

— Acho muito importante e interessante devolver, retribuir a essa nova geração. Eles bebem na minha fonte, assim como eu me influenciei por outros artistas — explica a artista por e-mail (ou melhor, dita para uma assessora digitar).

"Eles" são Céu, Pupilo (da Nação Zumbi), Thalma de Freitas, Junio Barreto, Criolo, Marcelo Camelo ou Mallu Magalhães — da qual Gal escolheu Quando Você Olha para Ela como primeiro single porque "tem um clima Jorge Ben Jor, meio lúdica", além de combinar com o seu timbre e jeito de cantar. A lista de contribuições traz ainda João Donato, Tom Zé, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Caetano Veloso.

A disparidade de idade e estilos dessa turma toda reunida veio bem a calhar com a proposta do disco. Ousar não é exatamente novidade para Gal, com todos os perigos que a opção representa. Seu álbum anterior, Recanto (2011), já havia chamado a atenção pelas texturas eletrônicas. A diferença é que em Estratosférica essa intenção se traduz de uma maneira mais natural, orgânica.

— Sou uma artista que não tem medo de buscar outras linguagens, de se jogar em um trabalho que pode ou não dar certo. Você nunca sabe como as pessoas vão reagir se não transgredir. Para mim, mudar é algo normal.

Ela reforça que gosta de criar caminhos, dar saltos, promover rupturas para não se repetir. Mesmo com lugar reservado no panteão das cantoras brasileiras, insinua que não vai se acomodar tão cedo. "Nada que fiz, por mais feliz, está à altura do que há por fazer", reflete nos versos escritos por Antonio Cícero. Mas será que resta alguma coisa a ser explorada depois de tantos anos de carreira?
— Sempre há. Viver é bom! — acredita.

Licença para voar

Dá um certo temor quando uma cantora com a estrada de Gal Costa lança disco em que aparece renovada. Logo vem à cabeça algo forçado, no qual fica evidente o desconforto da artista em um mundo diferente do que habita. Embora abra com o rock meio caricato de Sem Medo Nem Esperança, Estratosférica consegue passar longe desse mal.

Por mais vaga que seja, a palavra que melhor resume o álbum é "atual". Não somente devido ao time de compositores — a maioria com idade para chamá-la de vó ou tia —, como também pelas sonoridade. Jabitacá, a faixa-título e Ecstasy, por exemplo, poderiam figurar no repertório de qualquer talento promissor da MPB contemporânea, mas mostram-se muito à vontade na interpretação de Gal. Garantida no terreno em que trafega com familiaridade e desenvoltura, ela se permite alguns experimentos, como nas sintéticas Casca e Por Baixo.

Ao final, a sensação é de que a baiana apostou em roupagens mais modernas sem abandonar o figurino musical acumulado em 50 anos de carreira. Se a juventude vai comprar seu discurso, é outra conversa. Os velhos fãs, pelo menos, vão conhecer um trabalho com cara de 2015, oferecido por uma senhora que não quer parecer o que não é. Talvez isso que signifique rejuvenescer o público.

Ouça o disco Estratosférica