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Itapema FM  | 18/06/2015 14h22min

Carta em que Mário de Andrade comenta sua "tão falada" homossexualidade é divulgada

O documento, datado de 7 de abril de 1928, permaneceu por 20 anos em sigilo na Casa de Rui Barbosa

Depois de ter sido mantida em sigilo por 20 anos pela Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), uma carta em que Mário de Andrade comenta sua "tão falada (pelos outros) homossexualidade" foi finalmente divulgada. O documento do ícone do modernismo fazia parte de uma série de 15 correspondências trocadas com o poeta Manuel Bandeira, doadas pela família deste à fundação – este era o único item da coleção não disponível para consulta.

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A carta foi separada das outras em 1995, quando o acervo relativo a Mário de Andrade foi divulgado, e só veio a público nesta quinta-feira, devido a um pedido pela lei de acesso à informação feito pelo jornalista Marcelo Bortoloti, da revista Época. Como a Casa de Rui Barbosa mantinha o documento em segredo, o pedido chegou à Controladoria Geral da União (CGU), órgão que determinou sua divulgação, em 28 de maio. A FCRB tentou recorrer, mas a CGU reiterou a decisão em 9 de junho.

Datada de 7 de abril de 1928, a carta até agora secreta era motivo de rumores entre pesquisadores e imprensa, mas nunca ficou claro o motivo pelo qual ela não fora aberta ao público.

Parte do texto já havia sido publicado por Bandeira em 1958, com parágrafos omitidos e um "X" substituindo um nome próprio. O nome omitido era de Oswald de Andrade – a ruptura da amizade dos dois é um episódio conhecido do modernismo.

Leia trechos da carta:

"Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria para nós ambos, para você, ou para mim, comentarmos e eu elucidar você sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade. Em nada. Valia de alguma coisa eu mostrar um muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais.

Pra você me defender dos outros, não adiantava nada pra mim, porque em toda a vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só me interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão absolutamente desprezível de uma verdade inicial.

Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo para a minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu, ha-de estar bem inteirado do assunto, ha-de tê-lo bem catalogado e especificado. Ha-de ter tudo normalisado em si, si é que posso me servir de 'normalisar' neste caso. Tanto mais Manu, que o ridículo dos socializadores da minha vida particular é enorme. Note as incongruências e contradições em que caem: o caso de 'Maria' não é típico. Me dão todos os vícios que por ignorância ou interesse de intriga são por eles considerados ridículos e no entanto assim que fiz de uma realidade penosa a 'Maria', não teve nenhum que caçoasse falando que aquilo era idealização para desencaminhar os que me acreditam nem sei o quê, mas todos falaram que era fulana de tal. Mas si agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua (veja como tenho minha vida mais regulada que máquina de precisão) e se saio com alguém é porque esse alguém me convida. Si toco no assunto, é porque se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas.

Ah, Manu, disso só eu mesmo posso falar. E me deixe que ao menos para você, com quem apesar das delicadezas da nossa amizade, sou de uma sinceridade absoluta, me deixe afirmar que não tenho nenhum sequestro não. Os sequestros num caso como este, onde o físico que é burro e nunca se esconde entra em linha de conta como argumento decisivo, os sequestros são impossíveis.

Eis aí os pensamentos jogados no papel sem conclusão nem consequência. faça deles o que quiser."

"E o mais bonito, Manu, é que o Oswald não é meu amigo, fique sabendo. Eu é que sou amigo dele. Não venha me falar tudo o que você já me tem falado sobre ele. Já sei de tudo e aceito muito. Porém, conhecendo cotidianamente o Oswald, posso muito, mas muito particularmente afirmar pra você que ele não tem nobreza moral. E o que é mais triste é que ele mesmo já põe reparo nisso e está se utilizando disso pra viver. Me desculpe falar estas coisas pra você e creio que você me conhece de suficiente amizade pra saber que eu era incapaz de estar criando uma intriga ou apenas uma prevenção de você contra ele."

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