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Itapema FM  | 12/05/2015 07h01min

Madeleine Peyroux em Floripa: confira entrevista com a cantora que se apresenta sábado, no Jurerê Jazz Festival

Uma das grandes sensações do jazz contemporâneo, norte-americana traz ao Teatro do CIC show intimista com voz, baixo e guitarrista

Layse Ventura  |  anexo@diario.com.br

A cantora e compositora Madeleine Peyroux – considerada por muitos a sucessora de Billie Holiday, em função da bela voz e das intepretações ao mesmo tempo charmosas e melancólicas – apresentará no Jurerê Jazz Festival, neste sábado, em Florianópolis, um show com formação em trio trazendo Barak Mori no baixo acústico e vocal e o guitarrista Jon Herington que, assim como ela, toca vários instrumentos e também canta. 

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– Amo a ideia de um trio com três vozes. Existe uma simetria incrível que vem disso e cada um de nós é muito versátil. Então, exploramos diferentes sons e ideias. Estou muito interessada na quietude de um trio, porque isso permite silêncio entre as notas, acrescenta espaço e podemos ser barulhentos, porque temos lugar para isso se precisarmos, já que somos apenas três. Espero que os brasileiros curtam, porque acho que vai ser muito divertido – afirma.

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Descoberta em um clube de Nova York, Madeleine saiu do anonimato com o álbum Dreamland (1996). Após o sucesso avassalador, a cantora – então com 22 anos – retirou-se e só voltou ao estúdio e aos holofotes em 2004, com Careless Love, disco que a fez figurar no topo das paradas de jazz, em comerciais e em trilhas sonoras de filmes.

Em entrevista por telefone, a norte-americana de 41 anos falou sobre sua relação com a música brasileira, explicou seu processo de composição e de envolvimento emocional no momento da interpretação e deu detalhes sobre o novo disco. Madeleine contou ainda que está escrevendo uma autobiografia na qual resgata a fase da vida em que, a partir dos 15 anos, passou a tocar nas ruas de Paris.

Você escreveu Instead no Rio de Janeiro, gravou Madeleine, I Love You com Martinho da Vila e participou do programa Desafinado, do Canal Brasil. A pergunta que fica disso tudo é: quando você vai gravar uma música brasileira e qual você escolheria?
(Dá uma boa risada) Eu tenho de admitir que sou uma grande fã de Jobim e, claro, da poesia e da letra de Garota de Ipanema. É tão difícil dizer que vou cantar uma música, porque não conheço muito, mas tenho escutado. Nossa, vários nomes estão passando pela minha cabeça agora. Tentei nos EUA algumas vezes cantar músicas do Jobim. (Cantarola "água de bebeeeer", com o sotaque carregado no erre)

Mas você sabe que ele tem algumas letras em inglês? Dindi, na minha opinião, é uma das melhores. Já ouviu essa?
Sim, definitivamente, sim! É uma canção antiga, da década de 60, né? Escutei, mas não me lembro de ter sido em inglês. Um amigo que mora em Nova York me contou que ele escreveu várias músicas em inglês quando morou na Inglaterra – nunca lançou ou ninguém nunca soube delas. (risos) Estou confundindo Jobim com Caetano Veloso! (gargalhadas altas) Caetano Veloso escreveu várias músicas em inglês quando estava na Inglaterra, isso que eu estava tentando dizer. Confundi tudo! Eu me lembro de Dindi dos álbuns de bossa nova. Sabe, tenho tanta coisa para pensar, mas acho que você está certa: deveria ter uma música para cantar aí. 

Acho que é uma ótima ideia.
Bem, foi sua. Realmente é uma boa ideia e vou ter de pensar sobre isso. Estou descobrindo a música e a história brasileiras, e como elas se relacionam, em vez de conhecer a música popular que veio para os Estados Unidos na década de 60. Como viajo para o Brasil a trabalho, descobri todas as músicas das décadas de 60 e 70, Caetano Veloso, aquele movimento popular...

Tropicália?
Sim, era essa a palavra que eu estava procurando. Penso se as pessoas achariam estranho uma americana cantar algo desse estilo.

Acho que seria uma honra.
A tropicália é fascinante

Você tem escutado algum artista brasileiro?
Recentemente, não. Estou tentando escrever muito agora. Alguém me pediu para escrever algumas histórias e parei de ouvir música por um tempo.

Que tipo de história?
Autobiográfica, sobre a época que toquei nas ruas. Estou começando o processo de escrever uma espécie de livro, como uma autobiografia. Vou demorar pelo menos um ano para chegar ao primeiro rascunho.

Um tempo misterioso da sua vida sobre o qual todo mundo é curioso.
(Risos) Bem, você sabe, estou tentando me lembrar. (gargalhadas)

Qual foi o legado que ficou desse período em você que tinha apenas 15 anos e estava tocando nas ruas de Paris?
Vou ser sincera, acho que as pessoas querem que eu diga que foi difícil, que paguei minhas dívidas e agora é tudo mais fácil. Mas a verdade é que amei! Fui sortuda, lógico, porque ninguém me machucou ou me atacou naquele tempo, mais tarde sim. (risos) Algumas vezes não foi divertido, estava sem casa, sem dinheiro, com medo. Conheci os músicos antes de sair de casa, encontrava com eles, escutava-os tocando, passava o chapéu para eles. Queria aprender a tocar e encontrei pessoas dessa comunidade. Não há nada melhor na vida do que estar rodeada de pessoas amigáveis e animadas, tocando música. Estava aprendendo algo novo o tempo todo. Acima de tudo, gostava de cantar e não sabia tocar violão de forma que pudesse acompanhar todas as músicas que quisesse. Então comecei a aprender e estava muito feliz com isso. Mas não foi fácil o tempo inteiro. Algumas vezes tive problemas com álcool e tive de ir para um hospital psiquiátrico por uns três meses. Nunca falei muito sobre isso, mas agora que estou escrevendo um livro, estou pensando o que é importante contar para as pessoas e o que não é.

Ao longo dos anos você assumiu sua veia compositora, e o público recebeu muito bem. Você está compondo para lançar um novo álbum?
Amo escrever. Estou escrevendo, mas não me lembro de as músicas serem muito bem-recebidas. Estamos conversando sobre gravar em New Orleans neste verão e explorar o blues, mas fazendo isso com novas músicas. Estou animada! É o que realmente gosto de fazer, mesmo que acredite que muitas pessoas prefiram que eu cante músicas antigas.

Vou ter de discordar. Aqui no Brasil, Bare Bones foi muito bem-recebido, e você se tornou meio que um símbolo de que o jazz não estava morto e de que as mulheres podiam cantar novas músicas do gênero e serem reconhecidas por isso.
Uau! Essa seria a maior conquista da minha vida, porque realmente acredito que isso é enorme. Ficaria tão orgulhosa se isso pudesse ser verdade em outros lugares, porque é difícil convencer as pessoas de que o jazz não está morto e de que as mulheres têm algo a dizer, em vez de serem apenas um rostinho bonito, especialmente nesse gênero. As mulheres não têm sido respeitadas como artistas, mas como performers, isso é, de boa aparência e que soam bem, em vez de terem pensamentos interessantes. 

Mas você acha que não vem mudando ao longo dos anos?
Acredito que esteja, porque mais e mais mulheres estão ganhando atenção como artistas solos. Quando estava crescendo na década de 80, existiam apenas duas ou três mulheres no pop muito famosas, mas agora existem muito mais. Acredito que o jazz, por ser mais velho, esteja mais atrás, talvez porque as pessoas pensem que ele está morto. Mas jazz é uma parte importante da história e da cultura americana, não em um contexto histórico, mas em um sentido de "agora". Como ele nasceu na América, nós deveríamos estar orgulhosos, mas a gente ainda lida com racismo neste país e penso que é por isso que não somos capazes de reconhecer e encorajar o desenvolvimento artístico sem colocar numa caixa e dizer: "Ah, isso é dos últimos cem anos, nós não olhamos para trás, olhamos para frente". O que aconteceu nos últimos cem ou 200 anos continua acontecendo hoje, de diversas maneiras. Essa revelação surgiu para mim aprendendo sobre história e cultura, o suficiente para reconhecer e apreciar o que está acontecendo artisticamente. Elas não se separam uma da outra.

E você tem uma voz importante, considerando que existem tantos preconceitos difíceis de serem superados.
Sim. Superar parte de uma cultura social significa que todas as pessoas daquela cultura têm de se envolver, ser abertas ao lidar com isso, e reconhecer que o preconceito está lá o tempo todo. Tem de envolver as crianças, os adultos e os velhos de todas as áreas, porque aí não será mais um segredo. Se você falar sobre isso, novas ideias e soluções criativas podem surgir. Essa é a questão para todas as coisas horríveis que estão acontecendo na Europa e no Oriente Médio. A maioria das pessoas sente que não está conectada com grupos extremistas e, no entanto, está. Eles vivem em todos os países europeus. E o principal não é pensar que o governo ou forças de segurança tem de resolver isso, mas pensar que temos de resolver isso – cada um de nós deve se envolver de alguma maneira e dizer alguma coisa, alcançar as pessoas da sua comunidade, que você conheça ou não, mas que morem perto de você. Você me entende? Espero que não esteja falando blá blá blá.

Entendo. Mas o que você faz ou poderia fazer para exercer essa diferença?
Para mim é ser parte da comunidade. Por exemplo, em Nova York, sempre que posso, me envolvo com caridade local, de maneira pequena ou grande. Posso dar dinheiro para as pessoas que estão nas ruas ou apenas conversar com elas. Quando viajo, tento conversar com quem conheço, perguntar de onde é e suas vivências, o que pensa do mundo. Não é que você vai convencer ao argumentar com alguém, mas acho que ao conversar você descobre que ele é e abre uma porta para o diálogo. Para mim, dialogar e tratar as pessoas com respeito é o primeiro passo para a felicidade. Eu acredito no processo de fazer a diferença diariamente. E para o processo ser claro deve estar ligado com ser comunitário, não em coisas simbólicas.  

Sinto que algumas das músicas que você canta demandam muito artisticamente, como Between the Bars ou Keep me in Your Heart, por exemplo. Você dá um toque de dor a elas. Como funciona isso para você?
É uma ótima pergunta. Posso dizer primeiro que estou grata por você ter feito essa pergunta. Você falou sobre uma parte importante do meu trabalho de cantora, que é ter uma experiência emocional – e acho que é a mais difícil, porque carrega muito peso. Minha abordagem é sempre escutar. Ser um ouvinte dá a você um sentido de meditação. Você pode ouvir o coro ou os músicos enquanto toca a música. Quanto mais ouve, menos barulho você tem na cabeça. Com isso você consegue estar realmente focado na história. E é difícil, porque quando a música termina você está exausta. Você fica cansada, mas ao mesmo tempo é recompensador, porque é real. Você sente, vive isso e sobrevive. E esse é um sentimento lindo.

E é incrível, porque algumas vezes ouço você cantando e choro, mas não é um choro triste, é de estar totalmente tocada pelo que você está cantando.
Own... Eu acho que é para isso que a música serve. É um presente para mim. A pessoa que escreveu a música também está tentando ser universal, tentando compartilhar o coração humano. Nós todos estamos compartilhando isso: a plateia, os músicos. E não acho que ninguém é dono da história, ela pertence a todos. Um pouco de cada vez, mas acho que é por isso mesmo que é tão bom, não é verdade?

Agende-se
O quê: show de Madeleine Peyroux
Quando: sábado, às 21h
Onde: Teatro Ademir Rosa – CIC (Avenida Governador Irineu Bornhausen, 5.600, Agronômica, Florianópolis)
Quanto: a partir de R$ 180 e R$ 144 (Clube do Assinante – titular e acompanhante)
Informações: www.jurerejazz.com.br

Sintonize a Itapema em Florianópolis 98.7, em Joinville, sintonize 95.3

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