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Itapema FM  | 14/03/2015 04h02min

"Não existe polêmica sobre a morte de Elis", diz biógrafo

Julio Maria pesquisou durante quatro anos para escrever o livro "Elis Regina – Nada Será Como Antes"

Fábio Prikladnicki  |  fabio.pri@zerohora.com.br

Depois de quatro anos de pesquisa e cerca de 130 entrevistas, o jornalista Julio Maria lançou a biografia Elis Regina – Nada Será como Antes (Master Books). Nesta entrevista, ele revela o que descobriu a respeito da vida e da obra da Pimentinha

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Que aspectos diferenciam sua biografia da que já havia sido feita por Regina Echeverria (Furacão Elis)?
O que separa uma biografia da outra são os 33 anos de morte da Elis. Acredito que, lá atrás (em 1985), isso pode ter sido uma barreira para Regina em relação a alguns temas. O tema das drogas foi um tabu que aquela geração viveu. Virou um trauma porque as pessoas tinham culpa – quem consumiu com a Elis, por exemplo. Perguntava-se quem levou drogas para a Elis, uma pergunta boba que inclusive não tem resposta. Esse tempo que me foi favorecido ajuda a sentar com cada um e ter uma conversa franca, porque a pessoa não se sente mais acuada pelo clima que se instaurou naquele momento. São duas biografias bem diferentes. Cito Furacão Elis como uma das fontes. Foi o primeiro perfil importante que se fez dela. As biografias se completam.

Para os fãs, é difícil separar vida e obra da Elis. Você confirmou essa relação entre esses dois aspectos no seu trabalho?
Completamente. A Elis quebra a divisão entre interpretação e vida. Ela levava ao palco o que tinha vivido, costumava fazer essa mistura. Há gravações em que a Elis sorri ou chora na música. Ela via em cada canção um pedaço de sua vida. Não cantava algo em que não acreditasse.

Como ela selecionava os compositores que iria gravar?
Alguns foram favoritos durante a carreira inteira, outros por algumas temporadas e alguns foram afastados por algum tempo. Milton Nascimento ela gravou desde sempre. Dizia que era o grande compositor, para ela. Pelas composições do (Gilberto) Gil, tinha uma paixão também. Tom Jobim foi um manancial de canções, talvez o compositor mais gravado por ela. E a dupla João Bosco e Aldir Blanc ela apadrinhou em muitos discos. Milton não aparece no (disco) Falso Brilhante, onde era para ele estar. Elis ligou pedindo música, mas uma voz respondeu: “Não vou mais compor para você. Não quero que me ligue mais”. Depois, no camarim do show, Milton foi cobrar de Elis por que ela não o tinha gravado. Ela disse: “Você está maluco. Liguei para você para pedir música”. E o Milton descobriu que um amigo havia atendido o telefone, bêbado, e fez aquela palhaçada. Ele não perdoou o cara jamais.

Parece que Elis paira sobre os movimentos musicais no Brasil, não se filiando a nenhum, o que talvez ajude a explicar a atualidade do trabalho dela.
Ela não entrava em turma. Desde que saiu do Rio Grande do Sul, foi cobrada pelos gaúchos que achavam que Elis seria representante deles. Mas imediatamente ela mudou o sotaque. Voltou aí (a Porto Alegre) no final da carreira e ainda respondeu a uma pergunta sobre isso no Jornal do Almoço. Ela dizia: “Não saí do Rio Grande do Sul para ficar cantando Prenda Minha. Sou uma cantora do Brasil”. Quando chega a bossa nova, ela vai quebrando todo o conceito da bossa, cantando para fora. Tiravam sarro dela, dizendo: “Essa mulher é velha, fora do tempo, olha o jeito que ela se veste”. Aí vem a tropicália, à qual ela não adere e combate. Queria apontar para que rumo tem que ir, queria estar na frente.

Em meio à polêmica envolvendo o grupo Procure Saber, que congregou artistas em defesa da necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias, você teve dificuldade com algumas fontes?
Não. Impressionantemente. E (a apuração) foi durante a polêmica do Procure Saber. A família da Elis teve uma postura sensacional. Submeti a leitura do livro à família, pois já era uma pré-condição da editora (Master Books, da apresentadora Eliana, ex-mulher de João Marcello Bôscoli, filho de Elis). Eu queria apenas ter a garantia de não publicar o livro caso não gostasse de algum pedido que se fizesse. João leu, demorou e me ligou. Ele disse: “Desculpa demorar para ler. Eu parava em algumas partes que eram muito fortes e me pegava não gostando da minha mãe em alguns momentos”. Mas não pediu alteração. O Pedro (Camargo Mariano) também demorou. Ele disse: “Quero te agradecer porque finalmente conheci a mãe que tive”. Quando ela morreu, Pedro tinha quatro anos. E, finalmente, veio a Maria Rita, que demorou mais até. Consegui ir a um show dela. No camarim, ela disse: “Não vou ler. Você tem que ter liberdade para escrever, confio no seu trabalho”. Praticamente ganhei carta branca.

O que você constatou sobre os anos de formação de Elis em Porto Alegre?
Eu me surpreendi com a rapidez com que ela foi sequestrada na sua infância e como isto gerou consequências na personalidade da Elis, na sua autodefesa, na sua insegurança e na agressividade também. Ela começa com 15 anos. A vida se transforma no momento em que ganha o concurso de Ary Rego na Rádio Farroupilha e passa a cantar frequentemente a convite dele. Aí vai Maurício Sobrinho e dá um salário para a Elis. Ela começa a ter assédio de gravadoras. Lança quatro discos ainda morando no Rio Grande do Sul. Não gosta de nenhum. Não era nada do que ela queria. Queriam fazer dela uma nova Celly Campello. Elis era uma criança. Tem uma passagem do livro em que ela desabafa com Milton, dizendo como estava cansada de ser uma peça nas mãos dos homens: compositores, diretores de gravadoras, empresários, donos de rádio. Isso começa a acontecer muito cedo na vida dela, em Porto Alegre. Ali você começa a perceber que a Elis jamais seria a mesma.

Você também constatou alguns fatos desabonadores.
Como reflexo dessa insegurança e da necessidade de se defender desses tubarões que aparecem logo, Elis sobe a guarda e se recusa a ter o palco compartilhado com grandes cantoras da época. Nana Caymmi vem para São Paulo para O Fino da Bossa, é colocada em um hotel, mas não canta. Esse comportamento se repete com Alaíde Costa, Claudia, Maricene Costa, Claudette Soares. Se fosse cantora e cantasse bem, teria um certo problema para aparecer.

O que há de mito e verdade sobre a morte de Elis?
Mitos são as versões de que ela teria sido assassinada ou de que teria cometido suicídio. O fato foi que ela consumiu uma quantidade de cocaína com Cinzano. A bebida potencializou o efeito da droga, ela teve uma parada cardíaca e morreu. Não existe polêmica sobre a morte dela.

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