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Itapema FM  | 18/02/2015 17h23min

Precisamos conversar sobre o racismo no Oscar

Não há negros indicados nas categorias de atuação e direção, algo que não se via desde 2011. Especialistas atribuem exclusão a valores culturais americanos e hegemonia branca entre votantes da Academia

Atualizada às 17h29min Gustavo Foster  |  gustavo.foster@zerohora.com.br

Algo chamou a atenção entre os indicados ao Oscar neste ano: entre as cinco principais categorias individuais, não há negros. Diretores, atores, atrizes, atores coadjuvantes e atrizes coadjuvantes nomeados pela Academia têm, todos eles (são 25 indicados no total), pele branca ou parda. Isso não acontecia desde 2011 — antes disso, só 2001 havia visto uma cerimônia com tão poucos negros.

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No Twitter, fãs de cinema criaram as hashtags #OscarsSoWhite (Oscar tão branco) e #WhiteOscars (Oscar branco) como crítica às indicações. Mas do que germina tal controvérsia? Para especialistas, a ausência de protagonistas de pele preta na cerimônia é mais culpa da Academia do que de Hollywood.

Hegemonia branca no poder do voto

Dos mais de 5,7 mil votantes que decidem os indicados ao Oscar, 94% são brancos. Não à toa, mais de 300 atores e atrizes brancos já venceram nas categorias principais de atuação — negros, foram 15. Ainda que os papeis estereotipados comecem a ser deixados para trás — há negros vivendo heróis, presidentes e protagonistas, não só subalternos e coadjuvantes —, a pesquisadora Rosane Borges, especialista em relações raciais e mídia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), considera um passo ainda largo demais para os engessados ideais norte-americanos entregar troféus e reconhecer alguém de pele preta como o melhor entre todos em sua cultura de estrelas:

— Premiar alguém como o melhor ator ou a melhor atriz representa aquilo de mais emblemático no cinema americano. Existe uma simbologia por trás, de o ator representar durante todo aquele ano um ideal cultural. Quando a Lupita Nyong’o venceu no ano passado, ela, não por coincidência, também foi escolhida a mulher mais bonita pela revista People. A premiação renova ideais culturais, processos de identificação. E o racismo impede, de certa forma, que uma estética não muito palatável, não muito costumeira, entre nesse processo.

Mais visibilidade, mais cidadania

A opinião é parecida com a de Muniz Sodré, jornalista, sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, a simbologia de premiar um negro tem a ver com dar visibilidade:

— Hoje, o valor ético do sujeito é dado por visibilidade. Isso é mais simbólico do que econômico. Você é tanto mais cidadão quanto mais visível você é. E aí tem uma barreira. Celebrar o negro é mais difícil, porque o Oscar multiplica a visibilidade. É como numa redação de jornal: eu já trabalhei em uma e vi muito negro, mas sempre em uma posição de cozinha, não de visibilidade. Há espaços em que se celebra o negro? Claro, mas quando chega no Oscar, isso pega.

Colunista de mídia do New York Times, o jornalista David Carr escreveu um texto intitulado Por que a ausência de Selma importa, em que defende que o fato de o filme sobre as lutas de Martin Luther King não ter sido lembrado pela Academia em uma categoria que não a de melhor filme tem a ver com a vitória de 12 Anos de Escravidão no ano passado: “Ainda que 12 Anos tenha vencido melhor filme, o seu diretor, Steve McQueen, não recebeu tanta consagração, porque aquela vitória já havia dado conta da ‘coisa com os negros’. (...)Talvez por isso Selma tenha recebido tão pouca atenção por parte dos associados de Hollywood”, diz ele.

Rosane concorda. E complementa:

— É um procedimento muito comum, nas indústria cinematográfica e de entretenimento, o de visibilidade e de invisibilidade. Essa escassez, principalmente nos Estados Unidos, chama muita atenção, porque a presença do negro na indústria cinematográfica é mais evidente do que na nossa. Há uma desproporção entre papéis e diretores negros com o reconhecimento do Oscar. Esse descompasso revela ainda um racismo estrutural.

Em sua coluna, Carr entrevistou Cherly Boone Isaacs, presidente da Academia. Além de mulher, ela é negra. Segundo ela, o avanço na inclusão de minorias na premiação acontece, mas ainda a passos lentos: “Nós estamos engajados em fazer nossa parte para assegurar diversidade na indústria. Estamos fazendo grandes avanços, e eu pessoalmente gostaria que isso estivesse andando mais rapidamente, mas eu acho que o engajamento está lá e nós vamos continuar progredindo”.

Leia as críticas dos principais indicados ao Oscar:
Selma
A Teoria de Tudo
O Jogo da Imitação
Birdman
Boyhood
O Grande Hotel Budapeste
Foxcatcher
Whiplash

ZERO HORA
Disney / Divulgação

Cena de "Selma", filme sobre as Marchas de Selma a Montgomery, entrou apenas como azarão entre os indicados a melhor filme, mas foi ignorado nas demais categorias de importância
Foto:  Disney  /  Divulgação


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