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Itapema FM  | 22/01/2015 10h01min

Thiago Momm comenta o fluxo de consciência na literatura

Escritores como o italiano Giuseppe Berto e o austríaco Thomas Bernhard ajudaram a aprimorar a técnica nos anos 60

Atualizada em 29/01/2015 às 10h06min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Fluxos

Os leitores que apreciam o fluxo de consciência explorado a fundo na literatura não podem deixar de ler dois europeus vanguardistas no quesito: o italiano Giuseppe Berto (1914-1978) e o austríaco Thomas Bernhard (1931-1989). Não é que eles tenham inventado a técnica, mas a aprimoraram significativamente nos anos 60.

O fluxo de consciência como reprodução de parte dos nossos monólogos interiores, de uma autoconsciência mais minuciosa, já era praticado no final do século 19. O francês Édouard Dujardin, com o romance Le Lauriers Sont Coupés (1888), foi um dos pioneiros. Nas décadas seguintes, Henry James se tornou a principal referência. Pelos Olhos de Maisie (1897), republicado há poucos anos no Brasil pela Penguin-Companhia, é um exemplo que merece de sobra a leitura. A história da menina que vê os pais se divorciarem e ganha novos padrastos é toda filtrada pelos pensamentos da própria Maisie. A estratégia é perfeita para escarnecer da desorientação dos relacionamentos adultos. Não vi a adaptação de 2012 do livro para o cinema, mas se a exploração do ponto de vista foi mantida, o filme deve valer a pena.

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O que Giuseppe Berto e Thomas Bernhard fizeram foi apelar um tanto mais para os "níveis pré-discurso da consciência", ou seja, um fluxo de consciência mais espontâneo, mais fidedigno à desordem com que fluem muitas das nossas ideias. Berto se inspirou na virtuosa fusão de psicoanálise e literatura do seu conterrâneo Italo Svevo em A Consciência de Zeno (1923). Mais do que isso, aproveitou uma década de terapia que vinha fazendo para se livrar de neuroses. Disso resultou o agudo e sarcástico O Mal Obscuro (1964), escrito como finalização do tratamento.

O livro começa com uma força singular: 303 palavras e apenas 21 vírgulas até o primeiro ponto final. As frases seguem sempre assim, extensas, e poucos parágrafos são quebrados. Dessa forma submergimos melhor na mente de um neurótico e em suas associações: "(...) dificuldades que tinham sua provável raiz no pequeno episódio do óleo de ricino, assim como minha declarada antipatia pelos radicais e os sonhos que com tanta insistência eu vinha tendo sobre discursos cada vez mais aplaudidos diante de assembleias sempre mais vastas de escritores de sucesso tinha origem sobretudo no sentimento de inferioridade adquirido durante a primeira infância (...)"..

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Um ano antes, em 1963, Thomas Bernhard começara a publicar romances. O ponto alto dele, repetido em muitos dos seus livros, é como consegue transmitir o rancor dos seus protagonistas misantropos. Em Holzfällen (ainda não traduzido no Brasil, mas já em espanhol, como Tala), o protagonista sentado em uma poltrona no canto de uma festa, mentalmente ridicularizando a sociedade vienense, não se levanta para interagir com os convidados antes da página cem. A maneira como alguém rumina seus rancores dificilmente pode ganhar uma expressão melhor. Mas esse é um mérito e também um demérito, porque ler os pensamentos obsessivos dos personagens de Bernhard é também cansar do ódio simplificado das suas críticas.

ANEXO
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Em 1963, Thomas Bernhard começou a publicar romances que tinham como ponto alto transmitir o rancor dos seus protagonistas misantropos
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