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Itapema FM  | 22/01/2015 07h21min

Historiador João Klug fala sobre sua pesquisa para livro de Chico Buarque

Para pesquisador, livro 'O Irmão Alemão' pode virar filme em breve

Layse Ventura  |  layse.ventura@diario.com.br

A história do irmão perdido de Chico Buarque é tão fantástica que mais parece o roteiro de um filme. E é isso que ela deve virar em seguida, de acordo com João Klug – historiador e professor da UFSC responsável por concretizar a pesquisa para O Irmão Alemão (Companhia das Letras), publicado no fim do ano passado –, a exemplo do que ocorreu com outro livro do autor, Budapeste, em 2009.

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Segundo o pesquisador, existem ao menos três evidências que sustentam a suposição. A primeira é de que a obra explorou pouco a história de Sergio Günther, o irmão alemão que o escritor desconhecia ter. Depois há todo o registro imagético dos programas televisivos que Günther apresentou no período da Alemanha Oriental. Além disso, a pesquisa continua sem responder a uma pergunta: por que a mãe do garoto, Anne Ernst, entregou o filho para adoção?

Interessante é saber que o próprio livro poderia ter tomado um rumo diferente caso Klug não tivesse aceitado participar do projeto – o que era praticamente certo. O catarinense estava em Berlim em 2013 para fazer sua pesquisa de pós- doutorado, quando surgiu um pedido diferente e instigante: o amigo e também historiador Sidney Chalhoub, professor da Unicamp que publica livros pela Companhia das Letras, perguntou se ele estaria interessado em fazer uma pesquisa para a nova obra de Chico Buarque.

Atração irresistível

A verdade é que a falta de tempo e o contraste entre as pesquisas acadêmica e a que desenvolveria caso aceitasse o convite seriam motivos suficientes para negar a proposta. Mas, ao contrário do que dizia a razão, o pesquisador decidiu fazer uma primeira tentativa com os documentos que tinha, basicamente uma troca de correspondências entre o governo alemão e o historiador Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico.

Essa primeira busca acabou virando o que a lâmpada é para as mariposas: uma atração irresistível. A partir de apenas uma tentativa, totalmente bem-sucedida, ele conseguiu encontrar o que seria o fio da meada de sua busca. Diante da descoberta, não teve como negar o convite e saciar a curiosidade de conhecer mais profundamente como foram os dois anos – 1928 e 1929 – que Sérgio passou em Berlim.

Durante um mês, entre abril e maio de 2013, Klug percorreu lugares em Berlim e em Potsdam, onde ficam os arquivos da antiga televisão estatal alemã oriental, para coletar dados sobre Sergio Günther. Com a ajuda do museólogo Dieter Lange e de dois jornalistas, Werner Reinhardt e Manfred Schmitz, conseguiu informações valiosas.

O trabalho, que acabou sendo remunerado pela editora, ainda não terminou. Em março, ele deve voltar à capital alemã para continuar a pesquisar sobre a mãe do meio-irmão de Chico Buarque.

Confira a entrevista com o pesquisador:

Foto: Diorgenes Pandini / Agência RBS
Historiador João Klug fala sobre sua pesquisa para o livro 'O Irmão Alemão', de Chico Buarque

O que o fez mudar de ideia e aceitar o convite para participar da pesquisa para o livro?
Foi a primeira tentativa bem-sucedida de perceber que estava na trilha certa. Aí a adrenalina contribuiu, e eu me empolguei com a ideia. E também por aquilo que significa na História a figura do pai do Chico Buarque, uma espécie de papa da historiografia brasileira e um dos grandes intérpretes do Brasil. Eu tinha interesse em conhecer um pouco mais a trajetória do Sérgio Buarque nesses dois anos em Berlim. Então, fui atrás dos lugares que ele frequentava e das pessoas com as quais se reunia. No primeiro momento, eu não tinha interesse, porque a questão de genealogia não me atrai muito, mas o fato de o Sérgio ter tido um filho em Berlim me empolgou. Ao contrário do que foi publicado, não fui contratado, o trabalho foi uma coisa informal.

Como foi o processo?
A pesquisa teve dois momentos. Um que eu diria convencional do historiador, que é partir de alguma fonte mínima. Mas o que mais rendeu foi o inusitado da história, que é você chegar num bar numa periferia da cidade e perguntar se alguém já tinha ouvido falar de fulano de tal, e uma pessoa responder: "Claro". Essa feliz coincidência foi fundamental para a pesquisa ter o êxito que teve.

O que mais o empolgou?
Ter a certeza de que de fato o Chico Buarque teve um irmão que viveu em Berlim, que deixou familiares e que ele teria pos- sibilidade de trabalhar em cima de algo bem concreto. Não mais ficção, mas uma coisa real.

Qual o momento mais difícil?
Foi e continua sendo a questão que permanece em aberto: o que houve com a mãe biológica dessa criança? Se efetivamente sucumbiu durante a guerra ou se houve outro problema que a teria feito entregar a criança para adoção. Uma advogada em Berlim está trabalhando para tentar localizar alguma informação sobre o processo. Essa é a lacuna que gostaria de ter preenchida.

Chico Buarque chegou a comentar o que essa descoberta significou para ele?
Calou fundo. O Chico é uma pessoa finíssima e humilde. Foi muito bom trabalhar com ele. Depois, de volta ao Brasil, quase toda semana ele me ligava perguntando: "Posso afirmar isso?". Ele é alguém que foge dos holofotes, mas percebi nitidamente o quanto isso foi uma angústia durante anos e agora, de repente, está sanado.

Como Sergio Günther era?
Muito parecido com o Chico. Você olha de perfil, e a semelhança é muito grande. Um vozeirão, uma impostação de voz. Como entrevistador, ele fazia programas apresentando diferentes facetas da cidade. O irmão do Chico morreu em 1981, de câncer no pulmão. Os últimos programas já são em cores e dá para perceber pela fisionomia um abatimento.

Quem era a mãe de Sergio?
A pesquisa aponta que era alguém que trabalhou num cabaré – que nos anos 20 em Berlim não tinha nem de longe o significado que tem hoje, associado a prostíbulo. Ela trabalhava como atriz ou dançarina em um desses locais frequentados por Sérgio Buarque. E aí se estabeleceu um namoro. Em 1930, quando ele já estava no Brasil, nasceu a criança. Ele não era casado ainda. O que fica claro é que não é que ele teve essa criança e depois não quis nem saber. Ao contrário, o esforço foi muito grande no sentido de trazê-la para o Brasil.

Por que essa moça entregou o filho para adoção?
Ela pode ter morrido durante a guerra. Em função dos bombardeios, milhares de crianças foram evacuadas para o interior do país e isso salvou a vida de milhares delas. Provavelmente foi o caso de Sergio. Na volta, não tenho como afirmar, mas acho que a mãe não existia mais. Outra probabilidade é de que ela o entregou mesmo para adoção.

Vocês estão atrás disso para uma continuidade do livro?
Pelo que ouvi do Chico, isso vai depender muito da Companhia das Letras. Imagino que essa questão brevemente vai ser tema de filme. E aí tem outro dado interessante. Passei horas no arquivo da DRA, a TV estatal da Alemanha Oriental, e encontrei gravações de programas apresentados pelo irmão do Chico e dele como cantor. Só em cima disso teria material para fazer muitas coisas.

O que você achou do livro?
É um romance, então, claro que Chico faz uso de recursos literários. No entanto, é extremamente fiel à trajetória da história. Ele usa nomes diferentes, mas consigo ver a veracidade. O irmão entra em cena no último capítulo. O livro todo é em busca dessa ideia de um irmão que ele tinha na Alemanha. Por isso, acho que vem mais coisa por aí.

Sobre o livro

A obra de Chico Buarque é inspirada numa obsessão que o acompanhava há quase 50 anos: a história do meio-irmão que nunca conheceu e soube existir na segunda metade dos anos 60. Sergio Georg Ernst - filho do pai do artista, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, com Anne Ernst, namorada dele quando viveu em Berlim - nasceu por volta de 1930, seis anos antes de o patriarca se casar, já no Brasil, com Maria Amélia Alvim, mãe de Chico e de outros seis filhos. Quem revelou o fato foi o poeta Manuel Bandeira, amigo da família, durante visita de Chico, Tom Jobim e Vinicius de Moraes a sua casa. A única vez que Sérgio teve notícias do filho foi na Segunda Guerra: Anne escreveu pedindo documentos que provassem que o menino não tinha ascendência judaica. Chico e os irmãos sempre tentaram encontrar a história, sem sucesso.

DIÁRIO CATARINENSE
Diorgenes Pandini / Agencia RBS

Historiador João Klug deve voltar a Berlim e continuar pesquisa sobre irmão de Chico Burque
Foto:  Diorgenes Pandini  /  Agencia RBS


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