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Itapema FM  | 15/01/2015 10h04min

Thiago Momm comenta a obra da escritora norte-americana Paula Fox

Escritora de 91 anos ganhou o maior prêmio mundial de literatura infantil em 1978 e teve a obra adulta exaltada apenas na década de 90

Atualizada em 29/01/2015 às 10h08min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Golpes de pincel

Minha impressão mais persistente ao ler Paula Fox é que ela descreve brisas enquanto a maioria dos outros autores descreve vendavais.

Fox é uma norte-americana de 91 anos que em 1978 ganhou o maior prêmio mundial para escritores de literatura infantil, o Hans Christian Andersen, e tem seis romances para adultos, quatro traduzidos: Pobre George (Record), Desesperados, A Costa Oeste e Os Filhos da Viúva (Companhia das Letras). Sua obra adulta foi exaltada apenas na década de 90 nos Estados Unidos e só agora no Brasil – nossas traduções são de anos recentes.

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Com brisas não quero dizer que Paula Fox goste de amenidades ou eufemismos. O que acontece é que suas tragédias ganham uma interpretação mais sutil. "Sei que o vento que entortou a flor / Passou também por nosso lar / E foi você quem desviou / Com golpes de pincel", cantavam os Los Hermanos em Além do que se Vê. É isso. Paula Fox nuança o desnorteamento da forasteira em Hollywood (A Costa Oeste) ou a angústia do casal próspero (Desesperados) com golpes de pincel.

Vale ler Fox sem pressa, com a predisposição de reler frases, sobretudo no caso de Desesperados, sua obra-prima, um napalm de 192 páginas de significados concentrados. A introdução de Jonathan Franzen, que leu o romance muitas vezes, explora bem esse ponto. Com suas releituras, diz, "o livro ficou ainda mais misterioso - passou a ser menos uma lição e mais uma experiência. Densidades temáticas e metafóricas começaram a vir à tona". Seu olho captou uma frase antes ignorada. Na sala de estar em que amanhece, "objetos, seus contornos começando a endurecer na luz crescente, continham uma sombria e totêmica ameaça". "Totêmica" aqui é um daqueles adjetivos tão inspirados que chega a causar estranheza. É perfeito para a personagem que vive aflições crescentes e se sente julgada até mesmo pelos objetos.

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As verbalizações e associações um tanto excêntricas de Fox lembram muito William Faulkner e superam a de autores mais consagrados do que ela. Na Hollywood dos anos 40 de A Costa Oeste, os motoristas passavam zunindo com seus pequenos conversíveis, morrendo em acidentes, "esborrachando-se para toda a eternidade com a mesma insistência burra com que pediam seus doces enjoativos" no drive-in em que Annie, a protagonista, era garçonete. Que maneira melhor de descrever o automatismo de certo tipo de vida?

Esse tipo de percepção é intercalado com bastante texto descritivo e acessível, nesse aspecto distante de Faulkner. Mas o pincel psicológico logo volta. Annie desconfia que sempre acaba aceitando transar com facilidade para ganhar "a sua liberdade até o próximo homem". Então lemos: "Ela descobriu, ou melhor, finalmente reconheceu, que os homens queriam fazer com ela o que queriam fazer com qualquer outra. O corpo dela, o objeto, não tinha valor para ela. No entanto, em algum lugar da sua consciência, como uma depravação secreta, ela sentia amor por ele, sentira pena dele como sentia pena dos animais sem dono que, tarde, da noite, ela às vezes via se esgueirando, sorrateiros, para as soleiras das portas fechadas".

ANEXO
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