Caro leitor, a carta ao lado tinha caráter particular entre mim e João Ubaldo Ribeiro, mas o computador não reconhece o endereço atual do destinatário, apenas o antigo, registrando ainda um endereço anterior, em Itaparica (BA). Por isso não posso enviá-la para uma nuvem, como ele sugere, sem identificação precisa.

Outra pessoa que entenderia o desabafo é meu amigo e colega Ferreira Gullar, mas não o irei incomodar, pois deve estar preocupado frente à perspectiva de ter de reescrever o Poema Sujo tornando-o em poema imundo.

Tudo resulta da perspectiva de uma revisão para o pior do chamado Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, do qual Portugal (com muita sabedoria) não foi signatário em 1990 e nos foi empurrado goela abaixo em 2008.

Está agora para análise, por uma Comissão de Educação do Senado, a proposta do professor Ernani Pimentel para abolir uma série de letras em todas as palavras que não correspondam aos sons falados, “facilitando” a escrita aos menos letrados. Se aprovada entraria em vigor em 2016. Pelo sim e pelo não, redigi então esta carta na novíssima forma da novilíngua portuguesa (ou deveria dizer brasileira?) como carta aberta. Ressoam como dobre de finados, ou quiçá presságios, os versos iniciais de Olavo Bilac: “Última flor do Lácio, inculta e bela, és a um tempo, esplendor e sepultura”.

Misiva a qem interesar posa

Nos tempos da novilíngua temos de nos acalmar, tomar um xá para não ficar na fosa, a correção ortográfica no computador se nega a adotar a simplificação ortográfica, mais um entulho “democrático” proposto para acabar com o coitadismo dos desfavoresidos, afinal não se trata de escrever como se fala, nem de insentivar a preguiça e a iginorância, qerem fasilitar trocando decorar as regras gramaticais para aprender... Dizem.

Ese é o motivo desa misiva, minha jente, como analfabeto internético (perdoem o neologismo – consulte o Google – mas uso aqi um estrangeirismo, não conheço eqivalente para web, por iso a palavra internet!) tento acompanhar as modernas tradisões, creser sempre e respeitar a liberdade de espresão preservando noso idioma, o de Camões (perdão, não sei se é K-mões, era um português antigo que fasia versos). Lonje de mim sensurar esa modernidade, para iso eziste a Academia e aplicativo para tudo, tolero até abreviar, esse tal de SMS está aí para iso. Dizem qe a língua é um órgão vivo, por iso não tem qe ter duas, uma só dá conta, não tem qe creser demais, por iso qerem acabar com as regras já qe os omens modernos tem orror a esesos, como esa tal de concordância, presisamos acabar com esa mania de regras para tudo, qem dá as regras é o uzo popular, esa proposta é para simplificar tudo, acabar com a descriminação, ese é oje o futuro das escolas. Todo mundo escreve asim, norma culta é um nixo autoritário, o qe importa é o raciosínio lógico, a fundamentasão matemática. Para qe serve saber escrever como no pasado, ler o qe é antigo? As pesoas deixam de lado tudo iso, então vão perguntar para qe serve aprender? O mundo é generalista (consulte o Google) se você é espesífico já é engesado, tudo bem, tem outro lado, você é um analfabeto conseitual (consulte o Google), foi programado para não ler. Ler cansa, e pensar, me desculpe, pensar dói!

Ler para qe? A progresão continuada eziste para iso, no ezame do ENEM é fásil pasar, os livros já estão rezumidos e fasilitados, apontar o ero não presiza, é, pus apontar por qe está na moda, podia pensar num sinônimo para esa palavra, mas sinônimo é outra coisa qe tem de acabar, basta uma palavra para tudo, esa riqeza de linguagem é coisa de opresão, para escrever basta escrever uma só, e ajuntar: apontar mais, apontar muito, apontar menos, do jeito qe você fala: ela é bonita, é pouco bonita, é mais bonita, é muito bonita, e chega de tantas palavras.

Fico por aqi junto ao leitor (junto a, também está na moda, viu!) tocando minha gitarra!