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Itapema FM  | 04/12/2014 10h01min

Thiago Momm comenta o livro "As Fantasias Eletivas", do autor catarinense Carlos Henrique Schroeder

Trama conta a história de Renê, que trabalha na recepção de um hotel em Balneário Camboriú e vive sob o peso da rotina banal, da proibição de falar com o filho e de uma frustrada tentativa de suicídio

Atualizada às 10h01min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Acertos e trivialidades

Saiu recentemente As Fantasias Eletivas, primeiro livro que a Record publica do catarinense Carlos Henrique Schroeder. Vale comemorar, porque não é todo dia que a obra de um escritor daqui sai por uma grande editora nacional.

Lendo o romance, porém, fiquei desconfiado de que Schroeder entrou no catálogo da Record por representar uma fraqueza idealizada da literatura contemporânea. Estou falando de histórias metaficcionais cujo virtuosismo joga uma cortina de fumaça sobre a limitação de conteúdo.

A trama. Renê, que trabalha na recepção de um hotel em Balneário Camboriú, vive sob o peso da rotina banal, da proibição de falar com o filho e de uma frustrada tentativa de suicídio. Ele se torna amigo de Copi, escritora, fotógrafa e travesti argentina que extrai percepções sutis do seu deslocamento social. As fotos feitas por ela aparecem literalmente impressas no livro, assim como seus poemas e pensatas. Schroeder manipula essa estratégia com habilidade. Sua filiação ao culto metaficcional já era evidente nos contos de As Certezas e as Palavras, vencedor do prêmio Clarice Lispector em 2010.

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Muitos leitores especializados se impressionam bastante com esse tipo de malabarismo literário e com escritores protagonistas de um modo geral. São duas pragas estranhamente sobrevaloradas. Prefiro coá-las e avaliar principalmente ideias e domínio de linguagem.

Schroeder tem uma boa voz narrativa. Na tentativa de suicídio de Renê "nem as ondas o quiseram", no que ele foi "cuspido pelo mar e pela morte". Há outros tantos exemplos do gênero, e de modo geral o livro desenvolve bem o tema da solidão, especialmente nos devaneios de Copi a partir das suas próprias fotos.

Bem menos positivos são, entre Renê e Copi, os diálogos moralistas artificiais, ao modo de fábulas, para transmitir ao leitor conclusões previsíveis sobre literatura, fotografia e comportamentos atuais. Sobram lugares-comuns e autocondescendência. Diz o narrador: "Sim, Balneário Camboriú era uma cidade para pessoas de médio a alto poder aquisitivo, mas quem disse que essas pessoas têm bom gosto?". Diz Copi: "Mãe, sou escritora; sinto muito. Uma vadia que já nasceu melancólica (...)"; "Não devemos mais olhar para os pássaros, para as árvores, para as pessoas, mas sim para as telas. É uma troca, do virtual pelo real". Ela também faz protestos non sense como o de que "gente de cabelo espetado que nunca ouviu falar de Goethe" toma cerveja alemã.

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Etc. Todo o roteiro de personalidades sensíveis vitimadas por tempos bárbaros está sumariado nas breves 111 páginas. Como se a literatura não pudesse senão insistir nessa conclusão. Contra ela, note-se como o americano Jonathan Franzen constrói personagens idealistas e mundanos com a mesma impiedade.

O viés introspectivo de Schroeder dá alguns ótimos frutos, mas seu uso trivial da arte como tema e sua simplificada leitura social comprometem o todo. As Fantasias Eletivas não é uma grande decepção, mas é uma lembrança incômoda de por que não estamos indo mais além.

ANEXO
Divulgação / Divulgação

Natural de Trombudo Central, no Vale do Itajaí, Carlos Henrique Schroeder estreou na literatura em 1998 com a novela "O publicitário do diabo" e de lá para cá lançou quase uma dezena de livros
Foto:  Divulgação  /  Divulgação


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