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Itapema FM  | 02/12/2014 07h01min

Mulheres enfrentam o preconceito e fortalecem o movimento clown feminino

Até os anos 1990, a palhaçaria era atividade exclusivamente masculina

Rafaela Mazzaro  |  rafaela.mazzaro@an.com.br

Palhaços vestidos de mulheres ou mulheres imitando homens palhaços? A dúvida passava pela cabeça do público sempre que uma mulher com um nariz vermelho se “atrevia” no palco. O preconceito ou estranhamento pelo ingresso feminino em um campo tradicionalmente masculino – no circo, sempre coube a elas o papel das belas assistentes – parecem fazer parte do passado, mas ainda atingem atrizes brasileiras que entram para a palhaçaria, mesmo após anos de luta por reconhecimento de profissionais como Karla Concá, do Rio de Janeiro.

 

A atriz faz parte do movimento desde os anos 1990 e é uma das pioneiras entre as centenas de brasileiras que se identificaram com o clown. Na busca para assumir a palhaça Indiana da Silva, teve a sorte de encontrar outras como ela no começo do percurso.

Juntamente com Vera Lucia Ribeiro, Geni Viegas e Samantha Anciães, formou o coletivo As Marias da Graça, referência nacional e idealizador do Festival Internacional de Comicidade Feminina, na Capital carioca, primeiro evento do gênero no Brasil e que caminha para a sexta edição bienal.

Pelo menos outros três festivais, em Recife, Brasília e São Paulo, surgiram posteriormente com o mesmo propósito. Em SC, as palhaças têm espaço no Ri Catarina – Festival Internacional de Palhaços, que neste ano ocorreu na primeira semana de novembro, em Florianópolis.

– Foi a forma que nosso coletivo encontrou para fortalecer a cena clown entre as mulheres. Com o evento, foi possível fazer um mapeamento das palhaças e até criou-
se uma revista (a Palhaçaria Feminina, que está na segunda edição) – explica Karla.

Para as mulheres, o processo de fazer nascer uma palhaça vai além de assumir uma personagem ou criá-la, está ligada ao autoconhecimento, descoberta que beira a terapia. Segundo Karla, a escolha pelo gênero parte da vontade de rir de si mesma, de mostrar o quanto se é ridícula e se aceitar dessa forma, mas também de colocar os temas e anseios femininos sob essa ótica:

– Não dizemos que é uma personagem. A palhaça é você ampliada, mexe com as suas coisas mais profundas. Sempre digo: ache onde está a sua desgraça, que lá estará a sua graça.

Nasce uma palhaça

O uniforme de policial civil parece não combinar com a liberdade que salta aos olhos de Bia Alvarez. No entanto, era essa a profissão que a atriz de Joinville exerceu durante 10 anos, até que a palhaça Everline Flore exigisse sua atenção. Foi o chamado para a arte – aquela voz que só o atingido escuta – que a salvou de um conflito existencial e a fez desistir da carreira pública.

Bia já conhecia a palhaçaria feminina há cinco anos e, em 2012, iniciou contato com o grupo As Marias da Graça, no Rio de Janeiro. Aos poucos, sentiu vontade de assumir e melhor construir a própria palhaça e, para isso, tomou uma decisão radical no início deste ano.

– Larguei o trabalho e fui para o Rio passar 30 dias em uma mergulho na minha história de vida – conta.

:: Assista ao vídeo sobre a transformação de Bia Alvarez ::



Na viagem, Bia buscava a ajuda e direção de Karla Concá para realizar um trabalho até então inédito em Joinville. Nascia assim Everline Flore e, junto com ela, o monólogo Só uma Palhaça Só, que estreou em abril.

Everline é Bia ampliada. A palhaça não só a ajuda no início de uma carreira exclusivamente artística, como fez com que olhasse para a própria trajetória e até mudasse alguns hábitos – entre eles, a relação de dependência com o cigarro. Apesar de no espetáculo Everline estar sempre na ânsia de fumar, para Bia o vício que durou 22 anos já faz parte do passado.

– O palhaço realmente a vira do avesso – reflete a atriz.

Protagonismo catarinense

O mapeamento nacional das mulheres que atuam no clown é liderado por Michelle Silveira da Silva, de Chapecó. A criadora da palhaça Barrica recebe os cadastros e os acrescenta ao levantamento, que atualmente aponta a existência de 18 palhaças em atividade em SC, num total de 130 artistas. O número, segundo ela, se aproxima do dado real, mas não pode ser considerado exato, já que o desejo de integrar a lista deve partir das próprias atrizes.

Michelle também criou um blog, o Mulheres Palhaças, no qual, além de reunir nome, foto e contato das palhaças do Brasil, apresenta um registro dos eventos direcionados à área e divulga a revista anual Palhaçaria Feminina, criada pelo coletivo As Marias da Graça, do Rio de Janeiro. Tanto o blog quanto a publicação tornaram-se referências nacionais na área.

– Descobrir, conhecer, reunir, cadastrar, divulgar a existência e o trabalho não bastava. Era preciso algo que fosse além. Esse além poderia ser simplesmente a alegria e o encantamento de se ver numa publicação, poder mostrá-la com orgulho, ver as palhaças reunidas e se sentir parte do todo – explica a catarinense.

"Os Encontros nos Fortalecem"

Michelle Silveira da Silva foi a única artista de SC selecionada para a edição deste ano do Aldeia Palco Giratório, projeto nacional do Sesc. Durante quase dois meses sua palhaça Barrica viajou pelo país contando sobre a vontade de ir à praia, enredo do espetáculo Poráguabaixo. Para a atriz, são esses espaços em festivais e mostras que dão força ao grupo de mulheres que busca reconhecimento.
 
A partir da sua experiência de 13 anos com a palhaçaria feminina, como você vê o cenário atual dessa arte em SC?

Eu não via a diferença entre palhaçaria feminina e masculina. Em 2009 entrei mais em contato e comecei a observar a atuação das mulheres. Não só em SC, mas no país e no mundo, há um crescimento de espaços para atuarmos como palhaças: festivais com recorte de gênero, encontros, blogs e publicações. Eles são criados para que elas possam se profissionalizar, criar referências e produzir conhecimento a partir das suas experiências. Dessa forma, cada vez mais mulheres se arriscam e encaram essa arte tão nobre.
 
Quando você iniciou com a Barrica havia poucas mulheres atuando na área? Como seu trabalho foi recebido?

Já havia mulheres atuando, mas não era muito do meu conhecimento. Sabia da relevância de Gardi Hutter, uma palhaça suíça que se tornou um grande ícone de palhaçaria feminina para mim. Mas muitas das minhas referências ainda são de homens. Quando vim morar em Chapecó, há sete anos, fui muito bem-recebida. Não havia pessoas que trabalhassem com a linguagem do palhaço em geral, então o meu trabalho e, posteriormente, o dos meus alunos, sempre teve grande aceitação e reconhecimento. Porém sei de histórias de palhaças que sofreram muito preconceito por serem mulheres.
 
Percebemos que há uma união entre as palhaças, quase como um movimento. A revista é uma prova disso. Isso fortalece vocês em que sentido?
Sim, há sim um movimento mundial de mulheres. No Brasil, no Rio de Janeiro, um grupo chamado As Marias da Graça organizou um encontro chamado Esse Monte de Mulher Palhaça. A partir desse evento, que reúne todos os anos palhaças do país e do mundo, muitas outras iniciativas se seguiram. Esses encontros nos fortalecem muito porque temos a oportunidade de nos apresentar, realizar oficinas, assistir a espetáculos, criar referências, conhecer pessoas, artistas e trocar ideias. Além de tudo isso, nos fortalecem muito como profissionais e seres humanos, entendemos que fazemos parte de um grupo. É sempre importante lembrar que nosso objetivo não é afrontar os homens, mas fortalecer o trabalho das mulheres.

Movimento consolidado, cenário promissor

Carol Macário
caroline.macario@diario.com.br

Em Florianópolis há um movimento consolidado de mulheres na palhaçaria. O cenário na Ilha é promissor, com número crescente de representantes e, o mais interessante, que atuam com diferentes linguagens, desde a circense até a das ruas. As palhaças da Traço Cia de Teatro, por exemplo, foram de certa forma pioneiras. Além do trabalho junto ao grupo fundado em 2001, elas agregam outros palhaços masculinos e femininos no projeto (A)gentes do Riso, que leva essa arte para o ambiente hospitalar.

— A Dona Bilica também não deixa de ser uma palhaça, só que sem nariz — diz Gabriela Leite, atriz da AtrapaTrupe de Teatro que dá vida à palhaça Flor.

A personagem foi criada pela atriz Vanderléia Will em 1991 e hoje o espaço cultural criado com o seu nome há um ano, o Circo da Dona Bilica, no Sul da Ilha, é um dos principais palcos para espetáculos de palhaçaria de Florianópolis.

Outras palhaças também abriram caminho, como a Lily, da Cia Seres de Luz, para a variedade de companhias com mulheres que trabalham com pesquisa em palhaçaria, tanto de teatro, como a tradicional de circo e ainda a de rua. DaleCirco, AtrapaTrupe, Circus Fever são algumas delas.

— A energia e a comicidade de palhaços é a mesma. O homem tende a ser mais escatológico, trazendo ainda os tapas, as brigas. As mulheres abordam assuntos mais políticos, têm mais profundidade, tratam de certos tabus — analisa Lidiane Cunha, atriz que interpreta a palhaça Xicoza.

A NOTÍCIA
Diorgenes Pandini / Agencia RBS

Lidiane Cunha e Gabriela Leite são atrizes catarinenses trabalham com palhaçaria
Foto:  Diorgenes Pandini  /  Agencia RBS


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