Itapema FM | 20/11/2014 10h02min
Jardim secreto
Na semana passada, a queda do Muro de Berlim completou 25 anos. O cerco de 155 quilômetros e 302 torres da parte ocidental da cidade, erguido em 1961, tentava estancar uma fuga que desde o final da Segunda Guerra já somava 15% da população da Alemanha Oriental, um total de 2,5 milhões de pessoas.
Três bons livros de publicação original e tradução recentes tratam do tema. Berlim: 1961 esmiúça o contexto político da Guerra Fria aplicado à capital onde tanques russos e norte-americanos ficaram a poucos metros de distância. Muro de Berlim - um mundo dividido 1961-1989 também enfoca Berlim politicamente, mas estende a análise a todo o tempo que durou o muro.
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A terceira dica tem uma proposta diferente. Em Stasilândia, a australiana Anna Funder, que viveu na Alemanha Oriental na década de 1990, faz menos análise histórica que jornalismo literário. Seu ponto de partida foi a vontade de conhecer memórias individuais dos habitantes de um país "que deu errado", que ela encontrou, anos após a queda do muro, ainda parecendo "um jardim secreto e emparedado, um lugar perdido no tempo". Sua premissa é muito boa porque poucas histórias foram devidamente contadas na época em que ocorreram, e na Alemanha unificada muitos preferem não pensar nesse passado.
O título do livro faz referência à Stasi, a polícia secreta do lado oriental que em 40 anos de existência "gerou o equivalente à totalidade de registros relativos à história alemã desde a Idade Média" e chegou a ter um funcionário ou informante para apenas cada 63 habitantes. Funder humaniza seu livro dando voz a alemães comuns que tiveram a vida transfigurada pelas paranoias da Stasi. Também escuta os próprios funcionários da corporação, um ótimo registro de individualidades soterradas em burocracia e discursos delirantes.
Por "paranoias da Stasi" entenda-se uma polícia secreta que fabricava cada vez mais inimigos para se justificar; que devassava vidas privadas (ver o filme A Vida dos Outros), destruía relacionamentos, torturava; colecionava cheiros de suspeitos e ocultava câmeras em regadores, bombas de gasolina ou portas de carro. O objetivo era detectar os cidadãos RDA-negativos (ou seja, descrentes no socialismo da República Democrática Alemã) e impedir sua fuga do país.
A sensibilidade de Funder potencializa o conteúdo, tornando quase incomodamente agradável a leitura dos dolorosos casos relatados. O único pecadilho são algumas digressões pessoais. No jornalismo literário, é comum evidenciar o processo de apuração, mas a autora carrega um pouco nisso.
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As antigas sedes da Stasi hoje são museus. Valem a visita, apesar da falta de informações em inglês (pelo menos até 2009, quando conheci os de Berlim e Leipzig). Claro que um microfone acoplado a um tronco de árvore dispensa legenda, mas em outros casos é preciso saber decifrar textos em alemão.
Também ali estão os arquivos de quilômetros de documentos onde os cidadãos da ex-RDA hoje leem, como diz Funder, "suas biografias não-autorizadas", biografias que o seu livro enaltece tão bem..
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