Notícias

Itapema FM  | 06/11/2014 10h01min

Galera, o assombroso

Colunista Thiago Momm comenta a repercussão do livro Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera

Atualizada às 10h01min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, não foi mal: prêmio São Paulo de Literatura 2013; finalista do Jabuti e do Portugal Telecom; mais de 10 mil cópias vendidas nos primeiros meses; amplas discussões em sites como o Skoob e o Goodreads; venda dos direitos para o cinema e para editoras estrangeiras.

O romance, em todo caso, também ganhou leituras impacientes. Uma delas foi a de um resenhista que disse, na Folha de S.Paulo, que Galera "sucumbe à caricatura do romance de fôlego". O texto fala em "talento narrativo", "autoridade na linguagem" e "cosmovisão", avaliando que "Galera sempre escreveu muito bem", mas isso como assopro para as mordidas que seguem.

Dizer que Galera escreve "muito bem" é má vontade. Ele é um dos melhores romancistas brasileiros atuais. Suas descrições superam as de muitos escritores mundialmente consagrados. Sua vivissecção de minutos é assombrosa, uma hiperpercepção de cenários, vozes, gestos, detalhes: dunas lisas estiletadas por pranchas de sandboard; morros que "se deixam entrever em contornos fantasmais"; pés mergulhados "na água salobra e morna escondida sob a grama pontiaguda"; um pitbull com "a bocarra aberta num sorriso de crocodilo"; o corpo que ao mergulhar "se anula no próprio reflexo".

Leia também:
Projetos ajudam escritores catarinenses a publicar o primeiro livro
Curta a página do caderno Anexo no Facebook

Também a sutileza psicológica: "(...) surge uma sensação muito forte de que a relação íntima que estava nascendo entre eles começou a terminar nesse instante. Preferia estar errado. E ao mesmo tempo há uma coerência interna reconfortante na maneira como um já afetou a vida do outro de maneira irreversível, algo de bom que já se instalou e está protegido (...)".

Em contraste com Daniel Galera, é como se a escolha de palavras da maioria dos escritores estivesse sempre um pouco fora de foco ou precipitada.

O resenhista da Folha tem pelo menos uma acusação pertinente, a de que o romance tem muitas minúcias inúteis. É difícil não sentir o mesmo em alguns momentos, não se inquietar com excessos. O que eu discordo é que isso comprometa o alcance impressionante do livro. As descrições, ainda que eventualmente se arrastem, condizem com a personalidade circunspecta do protagonista; com sua sensibilidade desenvolvida para compensar uma rara síndrome de esquecer rostos; e com um contexto inclinado à contemplação (Garopaba na baixa temporada). Ainda mais importante, mesmo as descrições de cenário são o conteúdo, porque o poder evocativo de Galera nos faz rever e reavaliar o mundo, questionando o descuido com que costumamos viver.

>> Leia outras colunas de Thiago Momm

Sobre a trama, que por ser bastante explorada na maioria das resenhas me permiti não abordar aqui, recomendo um texto da revista Piauí disponível online, A Hora e a Vez do Homem sem Nome. Me limito a dizer que me apeteceria ver o talento de Galera lidando com o epicentro do furacão (com a Florianópolis ou a Balneário Camboriú recentes, por exemplo), mas isso é de cada autor. Como o próprio Galera disse para a Piauí, "se a complexidade nacional aparece ou aparecer nos meus livros, melhor, mas não é esse o objetivo".

ANEXO
Sintonize a Itapema em Florianópolis 98.7, em Joinville, sintonize 95.3

Grupo RBS Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2009
clicRBS.com.br • Todos os direitos reservados.