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Itapema FM  | 16/10/2014 10h01min

Ovídio, um fanfarrão

Colunista Thiago Momm comenta a obra "A Arte de Amar", do poeta romano Ovídio

Atualizada às 10h01min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Tão sério é o pessoal da literatura que, na introdução de A Arte de Amar, da editora L&PM, o poeta romano Ovídio (43 a.C.-17/18 d.C.) é chamado de um "homem raro", "espécie de utopista feliz", "homem de sentimento". Não se diz, em nenhum momento, que Ovídio foi também o precursor da micareta e dos manuais de canalhice modernos.

"Mesmo que ela não devolva [seus beijos], tome-os sem que ela os dê. No começo, talvez ela resista e o chame de 'insolente'; sempre resistindo, ela deverá ser vencida", aconselha o protomicareteiro, em seguida sugerindo "cuidado para que ela não possa se queixar de sua rudeza".

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Eis Ovídio, um fanfarrão. "A noite dissimula as manchas e é indulgente com todas as imperfeições; nestas horas qualquer mulher parece bela. Tenha o dia como conselheiro para julgar as pedras preciosas", diz, pioneiro de um gracejo canalha hoje globalizado. E que tal essa antecipação da psicologia motivacional? "Antes de tudo, que o seu espírito esteja persuadido de que todas as mulheres podem ser presas: você as prenderá; estenda apenas as suas redes", ele escreve, garantindo que, em mil, "apenas uma resistirá".

Ovídio também antecipou o "negar até o final", valor supremo da cafajestagem. "Se seus atos, ainda que bem dissimulados, vierem a ser descobertos, mesmo assim, negue-os até o fim. Não seja nem submisso nem mais carinhoso que de costume; estes são os maiores sinais de um coração culpado".

Outros conselhos machistas: "Sobretudo não vá criticar numa mulher seus defeitos", "não pergunte sua idade", "prometa, prometa; isto não custa nada; em promessas todo mundo pode ser rico" e "se sua amiga o contradisse, ceda; é cedendo que você sairá vencedor".

Na página 67, um conselho atualmente repetido, com palavras mais churrasqueiras, entre amigos: "Divirtam-se, mas sejam prudentes; que sua falta [traição] seja dissimulada e furtiva (...) não tenha horário fixo para a sua infidelidade, e (...) não combine nunca encontros no mesmo lugar".

Apesar do estilo elevado da escrita, Ovídio escancara mais do que qualquer um hoje: "Deseje agradar igualmente ao amante de sua bela; ele lhe será mais útil tornando-se seu amigo. (...) Diga: 'Saúde àquela que eu amo; saúde àquele que partilha seu leito', mas interiormente deseje: morte a seu amante".

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A terceira parte de A Arte de Amar é dirigida às mulheres. Sim, há conselhos grosseiros sobre posições sexuais, roupas e beleza ("mesmo feia, você parecerá bela aos olhos turvos pelo vinho"), mas Ovídio também reserva surpresas, como a aceitação da traição feminina. "(...) já que vocês querem enganar seus maridos (...), quando escreverem a um amante, tenham sempre a aparência de dirigir-se a uma mulher; em seus bilhetes, digam 'ela' onde deveria ser 'ele'".

O tom passa de relutante a incentivador. Traídas, as mulheres também devem trair. "O que você perde?", pergunta às suas leitoras, e ele mesmo responde: "A água que você usa para se lavar".

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