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Itapema FM  | 09/10/2014 11h01min

Thiago Momm comenta sobre o pessimismo na literatura

Para o colunista, muitos autores hoje são pessimistas mais como garantia de respeito crítico do que como reflexão independente

Atualizada às 11h01min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Toddynho e pessimismo

Por que grande parte da melhor literatura é pessimista?

Para muitos leitores especializados, o pessimismo é quase um certificado de qualidade. Como diz o homem para o namorado da filha no vídeo Quem Manda, do Porta dos Fundos, "a vida não é a p* do teu Toddynho gelado não, moleque". Literariamente falando, romances otimistas seriam Toddynhos, e romances pessimistas, ficção para adultos de verdade.

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A boa literatura realmente tem muito mais vocação para o conflito do que para um achocolatado açucarado. Leiam isto: "Sou livre. Sim, sou livre. E a águia tem razão, sou as montanhas e os lagos. Não tenho passado, presente nem futuro. Estou conhecendo o que as pessoas chamam de 'eternidade'. (...) Estou flutuando na eternidade". Agora isto: "E por que estais convencidos tão firme e solenemente de que é vantajoso para o homem apenas o que é normal e positivo, numa palavra, unicamente a prosperidade? (...) O homem, às vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato".

As primeiras aspas são de Paulo Coelho em Adultério (2014), as seguintes de Dostoiévski em Memórias do Subsolo (1864). No primeiro caso, a protagonista está se realizando ao saltar de parapente; no segundo, o protagonista está escancarando uma série de pensamentos sombrios raramente descritos com tanta profundidade até então. Por que um leitor especializado prefere Dostoiévski? Porque é mais singular, abismal e digno da complexidade da nossa consciência. Porque a vida não é um Toddynho gelado.

Apesar disso, o pessimismo se tornou um problema da literatura. É que muitos escritores hoje são pessimistas mais por convenção do que por convicção, mais como garantia de respeito crítico do que como reflexão independente. A literatura moderna, notou o escritor alemão Dietrich Schwanitz, tem medo de parecer corrompida ou kitsch, então investe no grotesco, no deformado, no excesso, no choque, na desintegração, no feio. Kafka se tornou um padroeiro, e mesmo quem escreve a partir de um contexto melhor quer soar lúgubre como ele.

Para muitos autores, a literatura não tem outra função senão "denunciar" o que seria um sem-fim de farsas sociais. Para eles, uma visão penetrante só pode significar pessimismo, e um autor sério otimista seria uma contradição: note-se, por exemplo, o quanto a ótima filosofia literária de Alain de Botton apanha em resenhas só porque ele tenta extrair algo salutar daqui ou dali.

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No fim não é covardia intelectual? Não é mais fácil ser rancoroso ou apocalíptico do que cismar com uma equalização mais complexa? Os escritores mais relevantes precisam levar em conta uma ambiguidade: o isolamento e esforço de anos que os tornam mais profundos também deformam suas perspectivas, aumentam a projeção do seu pessimismo pessoal na vida coletiva.

O pessimismo, claro, não é só dos autores, mas também dos críticos. Para muitos deles, a obra de Fitzgerald é sobre como o melhor da vida é sublime, mas evanescente. Não está errado, mas é também o contrário: evanescente, mas sublime. Fitzgerald funde otimismo e pessimismo como poucos conseguem. É, justamente por isso, um grande escritor.

ANEXO
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