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Itapema FM  | 02/10/2014 10h02min

Thiago Momm comenta o livro "Foi Apenas um Sonho", de Richard Yates

Protagonizam a obra os personagens Frank e April Wheeler, moradores do subúrbio de Nova York que se julgam impermeáveis à mediocridade dos vizinhos

Atualizada às 11h04min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Coelhos e críticos

Na semana passada falei de um "novo animal literário", as séries de TV americanas inspiradas por literatura de qualidade. Dei como maior exemplo Mad Men, que parte principalmente de John Cheever. Uma ótima introdução para o escritor é 28 Contos de John Cheever, que saiu pela Companhia das Letras em 2010. Em inglês, a Library of America editou todos os contos de Cheever e os seus cinco romances em apenas dois livros de cerca de R$ 40 cada.

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Quando aborda o tema dos subúrbios americanos em meados do século 20, Mad Men também tem ecos de Richard Yates, autor de um livraço que prometi comentar hoje, Revolutionary Road, publicado em 1961 e traduzido no Brasil em 2013 com o título vergonha-alheia Foi Apenas um Sonho.

Protagonizam o livro Frank e April Wheeler, moradores dos subúrbios de Nova York que se julgam impermeáveis à mediocridade dos vizinhos. A contragosto, Frank mantém um emprego burocrático na mesma empresa em que trabalhava o seu pai. As duas gravidezes de April o teriam impedido de seguir as inclinações intelectuais que revelou na faculdade. A vida então se tornou "uma sucessão de coisas que ele não queria realmente fazer", e a sua maneira de suportá-las é ver a si mesmo como uma exceção de lucidez no conforto infantilizado nos subúrbios. "Vamos ter uma série de ruas sinuosas bonitinhas e casas pequenas bonitinhas pintadas de branco, rosa e azul bebê; vamos todos ser bons consumidores e ter muita intimidade e educar nossas crianças em um banho de sentimentalismo", ironiza. Ele imagina os Donaldsons, uma família vizinha, "confortáveis como coelhos nos seus pijamas" tostando marshmallows.

Até aí, mais ou menos banal, mas Yeats questiona também o próprio Frank. April propõe a mudança da família para Paris, onde eles viveriam com economias e com um trabalho dela como secretária, dando a Frank tempo para ler, caminhar, pensar e, como tanto queria, "se encontrar". Ele, porém, se assusta. Frank talvez não tenha méritos além dos seus protestos.

Como escreveu um crítico da New Yorker, o livro é "agilmente prismático", ou seja, refrata nossa interpretação para várias direções e logo para outras. Se os Donaldsons são coelhos de pijamas, os Wheelers e a única família próxima que toleram, os Campbells, são seguros demais dos próprios discursos. Ao criticar a sociedade americana, eles concordam em tudo, "e a feliz implicação é que eles sozinhos, os quatro, estavam dolorosamente vivos em uma cultura estragada e moribunda". Enquanto isso, na vida além da opinião, Frank faz 30 anos e os outros passam a olhar para ele "com o olhar que as pessoas reservam para homens jovens honestos, obedientes, pouco aventureiros".

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Sobram ambiguidades também nas brigas entre April e Frank. Ela é mais sensata e indiferente; ele, mais envolvido e estúpido. Yeats colheu o material para isso em casa e tem uma mordacidade difícil de igualar.

Revolutionary Road virou filme em 2008. Ainda não vi, mas espero que seja adulto como o romance. Partiu da versão brasileira do longa, em todo caso, o título infame que a nossa tradução do livro decidiu manter.

ANEXO
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Imagem do filme Foi Apenas um Sonho, adaptação para o cinema do livro homônimo de Richard Yates
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