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Itapema FM  | 03/09/2014 18h07min

Sérgio Capparelli retoma o romance para adultos em "Viagem à Calábria"

Autor usa elementos autobiográficos na história de uma viagem à Itália cheia de reminiscências do passado em Minas Gerais

Carlos André Moreira  |  carlos.moreira@zerohora.com.br

Uma viagem na idade madura se assemelha a um regresso à infância. Ao menos da forma como essa jornada é narrada em Viagem à Calábria, novo romance de Sérgio Capparelli. O livro marca o retorno do escritor à prosa para adultos 20 anos após Gaspar e a Linha Dnieperpetrovski. Nessas duas décadas, o autor se concentrou na literatura para jovens, da qual é um dos principais nomes do Brasil, e à poesia. Além do romance, ele ainda tem outros dois livros a caminho – O Rapaz do Metrô: Poemas para Jovens em 8 Chacinas ou Capítulos (Record) e a coletânea de poesias Os Cavalos de Einstein (L&PM).

Viagem à Calábria acompanha as andanças pela região italiana de um personagem que empresta de Capparelli alguns elementos autobiográficos: a idade, o fato de ter passado a infância em Minas Gerais e mesmo o sobrenome italiano – que tem origem em albaneses que migraram para a Calábria. No livro, ele viaja em busca de seu irmão, radicado no país, para retomar um contato interrompido meio século antes e tirar a limpo uma dúvida que corrói o personagem: teria o irmão traído o pai – um ex-seminarista sonhador perseguido pela ditadura militar?

O livro se estrutura como em um jogo de espelhos, no qual o número dois assume fundamental importância na composição especular do romance. O protagonista viaja na companhia do irmão não apenas pela Itália, mas pela memória de sua vida no Brasil. Sob vários pretextos, logo o seu pensamento se desgarra em direção à infância em Uberlândia, no fim dos anos 1950, na qual a dualidade está sempre presente: o bairro em que o menino vive é separado por um córrego de uma aldeia de caboclos que vivem nas ruínas de uma igreja; o garoto divide seu afeto entre a mãe, uma mulher frustrada pelo temperamento pouco prático e sonhador do marido, e Dona Sílvia, uma vizinha aparentemente abandonada pelo marido desaparecido – na verdade, um perseguido político fugindo do truculento delegado local.

Quando o golpe militar se instaura, a duplicidade engolfa também o pai do protagonista, que precisa ele próprio se esconder, caçado pelo delegado local. É o desfecho dramático dessa caçada que coloca no personagem principal a dúvida a ser solucionada meio século depois, na viagem com o irmão. Outra jornada especular, dado que, quanto mais ambos avançam pela Itália, mais vigorosamente a narrativa se concentra na infância de tons fellinianos e agridoces vivida no Brasil.

Confira entrevista com o autor:

O senhor passou as últimas duas décadas dedicado à literatura para jovens e crianças e à organização de antologias. O que o levou a voltar ao romance para o público adulto?

Acredito que o sucesso de meu primeiro livro, Os Meninos da Rua da Praia (que vendeu cerca de 600 mil exemplares), me aprisionou na literatura infantil por muito tempo. Aprisionado é um modo de dizer, já que me sentia confortável com os novos títulos que publicava. Tentei uma ou duas vezes narrativas mais longas, mas acho que não estava suficientemente maduro. Com o tempo, temi que a literatura infantil se tornasse para mim mais fórmula do que forma. Parei um pouco. Decidi rever minha trajetória, a partir da vivência acumulada e de um novo olhar sobre o mundo. Essa decisão foi facilitada por um período difícil vivido por mim há cerca de 10 anos. A gente se dá conta do tempo breve que se vive sobre a terra. E, aposentado, é possível retornar à vida ativa. Terminei de escrever Viagem à Calábria em 2009, tendo-o publicado só agora.

Na primeira cena do livro, o protagonista fala que está realizando em parte a viagem para ver o que o pai não pôde ver _ uma jornada visual que é pontuada em grande medida pela memória, já que a trama se passa tanto na Calábria quanto na Uberlândia em que ele cresceu. A viagem à Calábria é também uma "viagem a Uberlândia"?

O livro narra dois momentos da vida de um personagem, a uma distância de meio século. Distância aplica-se normalmente ao espaço, mas, no caso de Viagem à Calábria, também ao tempo. Por outro lado, o leitor poderá se perguntar se Uberlândia e Calábria não são um único lugar: a infância. Nesse sentido, o protagonista usa o GPS da infância para avançar na Calábria do presente. É bom lembrar que ele avança por uma estrada de duas mãos, o que obriga o carro a percorrer as duas direções ao mesmo tempo. Só assim, na geometria não euclidiana dos sentimentos, ele se reencontra, já que o espaço é curvo.

Na narrativa, o senhor usa elementos de sua própria biografia, como a infância vivida em Minas Gerais e o seu próprio sobrenome italiano, que é o mesmo do protagonista. Escrever Viagem à Calábria foi parte de um processo de busca da própria identidade?

O romance tem a ver com uma busca de identidade, não apenas a identidade de quem escreve, mas também a do tempo em que o narrador vive. Como diz Bachelard, o escritor, para contar uma história, usa sua experiência e sua imaginação. O protagonista do livro vive, então, a experiência de dois mundos. Ou melhor, quatro mundos, pois existem duas Itálias, a de agora e a imaginada pela criança, e também dois Brasis, aquele de transição, entre o antigo e o moderno, pouco antes da construção de Brasília, e o de 50 anos depois.

Viagem à Calábria
De Sérgio Capparelli
Romance, editora Record, 288 páginas,
R$ 40 (em média)
Cotação: 3 de 5 estrelas

Maria Alice Pimenta / Divulgação

Sérgio Capparelli, autor de "Viagem à Calábria"
Foto:  Maria Alice Pimenta  /  Divulgação


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