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Itapema FM  | 26/08/2014 07h01min

Livro conta como Hollywood cinema negociou com os nazistas em meio à perseguição de Hitler aos judeus

Historiador e pesquisador de Harvard, o escritor Ben Urwand garimpou documentos que revelam como os grandes estúdios submeteram-se à censura prévia para não prejudicar negócios com a Alemanha

Marcelo Perrone  |  marcelo.perrone@zerohora.com

"O que está acontecendo hoje na Alemanha pode acontecer amanhã em qualquer outro país da Terra a não ser que seja desafiado e repreendido", alertou o rabino Stephen S. Wise em 27 de março de 1933, no Congresso Judaico Americano realizado em Nova York. Adolf Hitler tinha assumido em janeiro daquele ano o governo da Alemanha, atribuindo-se poderes ditatoriais e era de pleno conhecimento, desde muito tempo antes, as diretrizes antissemitas do partido Nacional Socialista. 

Hollywood vivia sua era de ouro e tinha na Alemanha um importante mercado. Os chefões dos grandes estúdios não queriam “questões políticas” interferindo no lucrativo negócio. Tanto que fizeram vista grossa diante das atrocidades contra os judeus, que de moralmente inaceitável se tornou inviável em razão da entrada dos Estados Unidos na II Guerra.

Em outubro de 2013, o historiador e pesquisador da Universidade de Harvard Ben Urwand reacendeu uma delicada polêmica nos EUA ao lançar o livro A Colaboração — O Pacto entre Hollywood e o Nazismo, que agora chega ao Brasil (Editora Leya, 368 páginas, R$ 54, em média). Outro livro sobre o tema chegou à livrarias americanas no ano passado, Hollywood and Hitler: 1933 — 1939,de Thomas Doherty, ainda inédito no Brasil.

Urwand exibe como trunfos uma documentação inédita, garimpada em arquivos dos EUA e da Alemanha, com a qual detalha a metodologia e o jogo de interesses que fez Hollywood submeter o controle sua produção ao controle dos nazistas, dando a eles poder para censurar e vetar produções consideradas inconvenientes. O processo envolvia do cônsul alemão em Los Angeles, Georg Gyssling, a quem era submetido o aval tanto a projetos quanto a produções já finalizadas, ao comitê de Berlim especialmente criado para lidar com o cinema.

Esse controle decorria do fato de Hitler considerar os filmes os mais efetivos instrumentos de manipulação das emoções humanas.Ter controle sobre eles — em todas as cadeias de produção — era fundamental para a eficácia da máquina de propaganda nazista. Assim, convocou a cineasta Leni Riefenstahl para ser a responsável pela estética e dramaticidade da exaltação audiovisual ao III Reich e à figura histriônica de seu líder.

Urwand lembra que a desde antes a ascensão de Hitler ao poder Hollywood trabalhava para não desagradar o governo alemão. Logo após a I Guerra Mundial, autoridades alemãs criaram mecanismos para evitar que chegassem ao circuito filmes considerados ofensivos ao país ou que atentassem à moral e aos bons costumes. Em 1930, o libelo pacifista Sem Novidades no Front teve sessões interrompidas em Berlim em razão de manifestações dos nazistas em frente aos cinemas.

A notar um aspecto paradoxal dessa parceria entre Hollywood e os nazistas: os diretores dos principais estúdios de cinema dos EUA nos anos 1930 eram judeus: Louis B. Meyer (MGM), Adolph Zukor (Paramount), Harry Cohn (Columbia), Carl Laemmle (Universal), Jack e Harry Warner (Warner) e William Fox (Fox) —  a Fox originou a 20th Century Fox em 1935, chefiada por Darryl F. Zanuck, único não judeu do grupo.

 A Colaboração destaca que houve quem tentasse denunciar em Hollywood a perseguição aos judeus. O roteirista Herman J. Mankiewicz, por exemplo, fez o roteiro de The Mad Dog of Europe (O Cachorro Louco da Europa), filme nunca realizado em razão do lobby dos nazistas e dos empresários que não queriam prejudicar as boas relações com o Führer.

Um caso curioso foi A Casa de Rothschild (1934), longa-metragem sobre a origem da célebre e poderosa família de banqueiros judeus. O filme abordava o antissemitismo como uma chaga histórica, mas mostrava perseguições aos judeus em tempos passados. E a narrativa do filme era tão ambígua na representação dos Rothschild que os próprios nazistas usaram o filme para reforçar o estereótipo do judeu como figura gananciosa e traiçoeira responsável pelo sistema financeiro mundial que explorava os trabalhadores.

A progressiva tensão na Europa foi acendendo e luz vermelha em Hollywood. Em 1936, apenas MGM, Paramount e Fox, mantinham escritórios em Berlim. O despertar foi tão tardio que O Grande Ditador (1940), a obra-prima de Charles Chaplin que ridiculariza Hitler, só saiu do papel depois enfrentar muita pressão.

Em setembro de 1941, o senado americano decidiu investigar a postura submissa dos estúdios americanos diante dos nazistas. Não deu em nada. Logo tudo desapareceu sob a fumaça do ataque japonês a Pearl Harbor que colocou os EUA na II Guerra. E Hollywood embarcou sem constrangimento no providencial fervor patriótico que elegeu Hitler como o vilão a ser combatido.

A performance do tirano

— Adolf Hitler promovia sessões diárias de filmes no Reichstag, que começavam por volta das 21h e varavam a madrugada.

— O Führer tinha gosto eclético: desenhos do Mickey, comédias do Gordo e o Magro e aventuras como King Kong e Lanceiros da Índia estavam entre seus favoritos.

— O filmes ganhavam de Hitler uma avaliação peculiar: bom; bonito e emocionante; ruim; muito ruim; especialmente ruim; extraordinariamente ruim; repulsivo; a mais poderosa das porcarias. Quando o programa se tornava insuportável ao tirano, o filme ganhava o carimbo “desligado por ordem do Führer”.

— Hitler admirava astros de Hollywood como  Gary Cooper, Clark Gable e Claudette Colbert. Dizia que os atores alemães eram ruins por terem origem no teatro e não saberem falar e se expressar diante da câmera.

— O ditador moldou seus histriônicos discursos como performances cinematográficas: começava em um tom calmo, criava pausas dramáticas para criar suspense e encerrava de forma exaltadamente épica.

— Curiosamente, filmes produzidos em Hollywood sobre o contexto da Grande Depressão eram apreciados pelos nazistas e usados como instrumentos de elevação do espírito nacional. Clássicos como O Despertar de uma Nação (1933),O Pão Nosso (1934), O Galante Mr. Deeds (1936) e A Mulher Faz o Homem (1939), segundo Hitler, destacavam a insurgência do homem comum e trabalhador contra os poderes (político e financeiros) corrompidos que lhe exploravam.

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