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Itapema FM  | 21/07/2014 15h52min

Artigo: Onde dançam os corpos negros

No Carnaval, eles conquistaram espaço, mas sua inclusão na paisagem da dança brasileira ainda não é definitiva e a escola de samba tampouco é seu único lugar

FÁTIMA COSTA DE LIMA*

Preparando-me para uma conferência no 8º Seminário de Dança de Joinville, cujo tema é Deixa a rua me levar!, me deparei com um texto de Charô Nunes. Ela é uma das Blogueiras Negras, e faz a seguinte pergunta: onde estão as bailarinas negras? E discorre sobre sua (pouca) inserção no mercado de trabalho, visibilidade midiática e papel social. Charô conclui que estes dançam apenas uma vez por ano. Onde? No Carnaval.

Múltiplo e diverso em gestualidades e partituras, o corpo que dança nas escolas de samba escapa de definições e enquadramentos. Informado e formado na transmissão cultural de origem africana, a dança dos sambódromos vai do samba baiano-carioca ao balé europeu. Quem samba muito e quem não sabe sambar se encontra todo ano na maior festa popular brasileira para revelar toda contemporaneidade da colorida e fragmentada dança carnavalesca.

Entre amadores que se esforçam muito para sambar nas alas e a especificidade da difícil partitura coreográfica dos casais de porta-bandeira e mestre-sala, é nas escolas de samba que as danças afrobrasileiras encontram maior espaço e visibilidade. Com função social garantida no continente de origem, os corpos que dançam são agentes centrais na transmissão de tradição na África. Vindos para o “Novo Mundo” no processo da escravidão, eles utilizaram a arte dançarina para construir uma nova cultura: num cenário de verdadeiro terror, utilizaram seus corpos dançantes como meio e memória de uma história rica e saudável que (quase) teve fim nos navios negreiros.

No Brasil, os então considerados “corpos sem alma” traduziram seu passado em dança. A lista das modalidades é grande: catumbi, carimbó, coco, frevo, maracatu, congada, samba, e por aí vai. Passados quatrocentos anos, na terceira década do século 20 alguns ex-escravizados libertos das correntes, mas não da última posição na pirâmide social, inventaram um local de liberdade. Um local transitório e temporário, mas que desde então se renova anualmente feito promessa que insiste em se fazer lembrar de vez em quando para, quem sabe um dia, acontecer de vez.

No espaço mínimo reservado aos corpos negros pela fantasia embranquecedora e injusta, cariocas e baianos inventaram a pista de desfile que, imediatamente e até os dias de hoje, se tornou um lugar de sucesso de público e mídia. No Carnaval, os corpos negros conquistaram um único espaço-tempo, mesmo sendo maioria da população. Contudo, se sua inclusão na paisagem da dança brasileira ainda não é, nem de longe, uma conquista definitiva, a escola de samba tampouco é seu único lugar.

De origem bem mais recente (no Brasil, nos anos 1990), as danças negras avançaram sobre os redutos públicos. A invenção da cultura hip-hop mostra corpos jovens autodidatas (já que pouco detém da apreciação oficial e institucional) que trazem em si valores de patrimônio e de transmissão culturais. Cheia de estilos, a lista das variantes dessa dança urbana é grande: looking, popping, up rocking, boogaloo, flex, freestyle, e por aí vai. Porém, a street dance ensejou algo mais.

Neste exato momento, alguns B-boys e B-girls (e outros nomes correlatos nas modalidades irmãs do B-boying e do B-Girling) estão reunidos nas ruas para exibir sua experiência e maestria de grandes bailarinos. Desse modo, constroem uma dança de resistência e orgulho, uma dança social que adentra também as escolas, as academias e os espaços televisivos para, paradoxalmente, (re)conquistar sua própria cultura e sociedade. Seus corpos nos convidam a dançar, como a nos dizer: “vem prá rua, vem!”
Vamos?

* Fátima é atriz, cenógrafa, figurinista e diretora teatral. É professora do PPGT e do Departamento de Artes Cênicas do Ceart-Udesc.

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