Itapema FM | 15/07/2014 09h22min
Menino num corpo que já viveu 81 primaveras, Tércio da Gama nunca sonhou em preto e branco, ele garante. No seu céu o sol é bem amarelo e o resto é colorido, como suas obras. Dentro da casa amarela e portão laranja (não poderia ser outra cor, nem branco, nem bege, tão chatas), na sala, perto da porta da varanda está o cavalete com uma de suas telas prestes a ser finalizada para a exposição Tércio, o Coração no Olho, que abre amanhã no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc).
Até há banquetas — uma delas será pintada e sorteada entre os visitantes do Masc —, mas ele não as usa para sentar. Pinta em pé. Tanta energia e inquietude estabelecem seu modus operandi como artista: fidelidade total à pintura e um eterno processo de pesquisa e aprendizado.
— Tércio é um dos poucos remanescentes do Gapf (Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis criado nos anos 1950 por ele mesmo e artistas como Hassis e Meyer Filho). Antes desse grupo, o modernismo catarinense dependia de Martinho de Haro — diz o artista Fernando Lindote, curador da mostra.
Por outro lado, apesar de ser da geração modernista de Santa Catarina, Tércio continua produzindo e pesquisando, tanto que as mais de 100 obras que ocuparão praticamente todas as salas do museu foram produzidas na última década. Ele é contemporâneo, ainda que mantenha certas características, mas sua arte não parou no tempo. Não ficou engessada.
— É que artista não tem idade, sabe? — esclarece o próprio.
No caso dele, o tempo não limita criações e nem impõe aquele ar de rabugice no que concerne a mostrar aos outros sua pintura, sem vaidade e também sem modéstia.
— Artista em geral, na medida que amadurece, tem menos vontade de mostrar. Mas o Tércio é como um artista jovem — observa Lindote.
Olho no Coração
A curadoria de Tércio, o Coração no Olho levou em consideração dois aspectos: o fato dele ser um artista histórico e também contemporâneo. Está dividida em três núcleos: No Olho do Outro, com obras escolhidas por Fernando Lindote; No Olho de Tércio, uma seleção de trabalhos feita pelo artista; e Um Olho no Acervo, Outro no Tércio, que também representa a leitura do curador, mas com o diálogo entre as obras do artista, seus colegas de geração e de outros expoentes contemporâneos, todos incluídos no acervo do Masc.
— Valorizo a fidelidade dele aos procedimentos da pintura. Ele pode começar com um tema que é até regionalista, mas vai para outro lugar, porque o que o move é a pintura — analisa o curador.
Além da exposição, serão realizados na quinta-feira um encontro com o artista e oficina sobre o repertório e procedimentos dele. A última exposição de Tércio no Masc ocorreu em 2006.
"Eu não sou abstrato"
Embora seja conhecido pelo regionalismo, Tércio da Gama tem uma potência que vai além (Lindote, o curador, acha injusto colocá-lo sempre como "artista das coisas da Ilha") disso.
Um dos quadros na parede de sua sala, por exemplo, é uma releitura geométrica e colorida de uma feirinha da Festa do Divino Espírito Santo. O próprio Tércio chama atenção para o estilo e para o fato de sempre buscar novas possibilidades, ainda que para o mesmo tema.
— No começo eu era muito regionalista. Bo de mamão, ninguém pintou mais do que eu. Mas nunca fui Naif, sempre procurei pesquisar cor e estilos.
Ele continua:
— Eu não sou abstrato, sabe? Parece. Mas se olhar mesmo, vai ver que é figurativo. Um real de onde brota novas possibilidades, indo até o limite da pintura.
Em seguida conta que o ato de criar vem de uma compulsão. Começa uma tela sem saber o que vai fazer e, na metade, é que se apaixona pelo tema. De uns 10 anos para cá desprendeu-se do desenho e dos riscos.
— Fui vendo que é muito melhor ir dentro dela (a pintura) e não deixá-la subordinada ao desenho. O desenho está presente por causa da pintura.
O início do Gapf
Tércio da Gama lembra de ter começado a pintar nos anos 1950. Fazia retratos e tinha facilidade para desenhar. Nessa década juntou-se a outros artistas e amigos (Hiedy de Assis Corrêa, o Hassis, Meyer Filho, Pedro Paulo Vecchietti, Hugo Mund Júnior, Aldo Nunes, Thales Brognoli, Dimas Rosa e Rodrigo de Haro) para formar o Grupo de Artistas de Florianópolis (Gapf).
— Não tínhamos um guru ou uma tese. Nos unimos pela arte moderna, cada um a sua maneira, porque aqui só tinha o Martinho de Haro. Nosso grupo foi uma consequência do Grupo Sul. Na época nos chamaram de anarquistas, comunistas, nos ridicularizavam — lembra.
Em sua casa ele guarda com carinho obras dos amigos de outrora, um acervo de valor artístico inestimável para a arte catarinense. Mas como continua jovem, apesar das oito décadas, não se apega ao passado, celebra a contemporaneidade e é crítico com quem parou no tempo.
— Não sou vanguardista. Me aproveitei de todo o moderno, tive oportunidade de visitar grandes museus. Eu sorvi e captei o que quis, provei o caminho que eles (os grandes pintores que admira, Van Gogh, Picasso, Degas e tantos outros) poderiam ter continuado.
::: Agende-se
O quê: abertura da exposição Tércio, o Coração no Olho e lançamento do catálogo
Quando: amanhã, 19h30min. Exposição aberta até 17 de agosto, de terça a sábado, das 10h às 20h30min. Domingos e feriados, das 10h às 19h30min
Onde: Museu de Artes de Santa Catarina (Masc), no Centro Integrado de Cultura (CIC), Avenida Irineu Bornhausen, 5.600, Agronômica, Florianópolis
Quanto: gratuito
O quê: oficina Repertório e Procedimentos na pintura de Tércio da Gama, com Fernando Lindote
Quando: quinta-feira, 13h30min às 17h30min
Onde: Masc
Quanto: gratuito
Informações e inscrições: (48) 3664-2630 / 3664-2631
O quê: encontro com Tércio da Gama
Quando: quinta-feira, 17h30min
Onde: Masc
Quanto: Gratuito
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