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Itapema FM  | 09/07/2014 06h02min

"Os Rebeldes" trata do elo entre religiosidade e criação literária beat

Além do lançamento de Claudio Willer, a geração beat segue inspirando novos títulos nas livrarias e nos cinemas

Alexandre Lucchese  |  alexandre.lucchese@zerohora.com.br

Mesmo septuagenária, a geração beat segue com a chama rebelde acesa. O fenômeno literário que extrapolou as estantes, inspirando filmes como se viu há pouco nos cinemas em Versos de um Crime (2013), segue firme nas livrarias com a chegada de novos títulos sobre os escritores e poetas americanos que abordavam na literatura seus modos de vida nada convencionais. É o caso de Os Rebeldes, do paulista Claudio Willer, recém-lançado pela L&PM.

– Os beats representam o sentimento de rebeldia. São títulos que vendem sempre e cada vez mais – conta Ivan Pinheiro Machado, da L&PM Editores.

Foi ao longo de 1944 que Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Lucien Carr, William Burroughs e outros amigos formaram o núcleo inicial da geração beat, em Nova York. O grupo buscava uma proclamada "nova visão" – ampliação de consciência baseada em radições místicas e na poesia de autores como William Blake e Arthur Rimbaud. Além de ritos e leituras, longas viagens e uso de drogas também estavam no pacote.

O lançamento disseca a relação entre criação literária e busca espiritual dos escritores que se encontraram em Nova York e de outros que se somaram ao grupo. Autor de Geração Beat (2009), Willer tem longa trajetória de pesquisa sobre o tema _ Os Rebeldes é resultado de seu pós-doutorado em Letras pela USP.

– Algo ainda pouco discutido é a ideia de rebelião religiosa, a religiosidade contra as instituições. Para os beats, a religião não é alheamento da política, ao contrário, os termos das esferas leiga e religiosa interagem e se enriquecem – explica o autor.

No livro, Willer analisa diversas obras sob esse escopo, principalmente de Jack Keroauc, autor de On the Road (1957), título que virou filme em 2012. São discussões densas, mas acessíveis aos pouco familiarizados com os beats – trechos discutidos são citados na íntegra, e o texto de Willer é de uma clareza exemplar. Trata-se de um ótimo ponto de partida para leituras – e releituras.

Leia entrevista com Claudio Willer:

No livro, o senhor descreve Kerouac como o avatar da geração beat. Por quê?

A criação do termo geração beat foi uma ideia genial. Ele sabia que tinha de caracterizar de alguma forma aquela grupo do qual fazia parte. Acertou em cheio, justamente por conta da ambivalência de sentido do termo, algo que ele sempre ressaltou. Queria dizer "batido", "beatitude" e também a batida de jazz. Avatar é a manifestação. Cristo, por exemplo, foi o avatar de Deus, como Krishna é a manifestação de Vishnu. Kerouac foi porta-voz, encarnou a geração beat... Ele tinha essa relação curiosa com a criação literária: para escrever, ele precisava ser, encarnar o que iria escrever. Então ele foi ser geração beat. Vendo os diários dele, quando resolveu viajar para escrever On The Road, um dos títulos possíveis do livro era The Beat Generation. Ele completou o livro em 1951, mas já estava anotando antes, já falava em geração beat. Dizia que Neal Cassady é o verdadeiro beat...

Mesmo assim, o senhor considera Kerouac mais expressivo sobre a geração beat que o próprio Neal Cassady?

Claro. Quem fez uma obra colossal foi Jack kerouac. É evidente que há outros grandes escritores ligados à geração beat, é uma soma de talentos, de vários autores diferentes entre si, não é uma escola literária. Mas o conjunto da obra de Kerouac é colossal.

O senhor tem acompanhado os filmes mais recentes baseados na obra e na vida dos beats?

Sim. Achei Versos de um Crime dramalhão. Distorceram demais, há imprecisões factuais e a caracterização do Kerouac está muito ruim. Agora, o filme do Walter Salles (On the Road) é um bom filme, bonito. Ele ter feito com US$ 25 milhões é uma façanha, a reconstituição de época... Fata alguma coisa, mais muito do essencial está no filme, como a relação com literatura.

Há cada vez mais leitores de autores beats, o senhor crê que o aspecto religioso, trabalhado em Os Rebeldes, é percebido por esses leitores?

É engraçado que, nos anos 1980, quando foram editados muitos livros beats no Brasil, dizia-se que era uma moda, algo que iria passar. Voltou. E voltou com mais força. É claro que aí também há um trabalho editorial, a atuação da L&PM foi decisiva ao editar essa obras em livros de bolso e lançar novos títulos, mas atualmente um movimento beat se constituiu. Percebo pelos meus leitores, pelas redes sociais, recebo muito retorno. É uma garotada, predominantemente um pessoal jovem, e interessadíssimo. Agora, vejo que a questão da religiosidade ainda surpreende alguns leitores, mas já está sendo percebida. Algo que não está no repertório é a ideia de rebelião religiosa, a religiosidade contra as instituições. Para os beats, a religião em momento algum é alheamento da política, ao contrário, os termos das esferas leiga e religiosas interagem e se enriquecem.

Uma parte da esquerda tende a observar a religiosidade como uma questão menos importante, até mesmo alienante. A leitura da geração beat pode ajudar a encontrar um modo de melhor se organizar em sociedade sem deixar de lado questões espirituais?

Não só isso. Allen Ginsberg foi muito incisivo no fato de que a geração beat contribuiu no sentido de valorizar a tolerância, a diversidade, o multiculturalismo. São contribuições políticas importantes em si. A atitude beat do Ginsberg corrige sectarismos. É uma rebelião e uma crítica extrapartidária que, na verdade, originou movimentos políticos, está na origem das grandes rebeliões juvenis da década de 1960. A impressão que tenho é que estamos caminhando para isso novamente.

OS REBELDES
De Claudio Willer
Ensaio, L&PM Editores, 200 páginas, R$ 34,90
Cotação: 3 de 5 estrelas

O que vem por aí – outros lançamentos beat previstos:

O Mar É Meu Irmão – Escrito em 1942, é considerado o primeiro romance de Jack Kerouac e trata de sua experiência como marinheiro. O autor morreu em 1969, mas o livro só foi editado em 2011. Será lançado no Brasil pela L&PM em agosto.

Pic – Outro romance póstumo de Kerouac. Trata de um garoto que, depois da morte do avô com quem mora, vai viver com seu irmão. A L&PM lançará Pic provavelmente em 2015.

Big Sur – Adaptação para os cinemas do romance homônimo de Kerouac pelo diretor Michael Polish (Amor em Dobro). Estreou em novembro nos EUA. Ainda sem previsão para o Brasil.

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Jack Kerouac, considerado o grande porta-voz da geração beat
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