O nome do AC/DC tem a ver com satanismo? Keith Richards submeteu-se mesmo a uma transfusão de sangue completa para se livrar das drogas? E, afinal de contas, Ozzy Osbourne comeu ou não um morcego? Essas e outras lendas do mundo da música estão cada vez mais presentes com o crescimento do mercado das biografias de artistas – um filão tão grande que já obriga editoras a buscarem de novos lançamentos a livros de quase uma década.

Uma passada rápida por qualquer livraria é esclarecedora: nas vitrines e mostruários, best-sellers de autoajuda e romances juvenis sobrenaturais cedem cada vez mais espaço a livros que narram a vida e a obra de Mick Jagger, Michael Jackson e até dos guris do One Direction. Para as editoras, vale tudo: de correr para traduzir e lançar neste ano uma biografia do Black Sabbath publicada no Exterior em 2013, até recorrer a livros sobre Bruce Dickinson, do Iron Maiden, e Syd Barrett, do Pink Floyd, ambas de 2007.

– Se existe uma carência de material de um determinado grupo e o livro é bem escrito, não vejo problemas – explica Raïssa Castro, editora-executiva da BestSeller, que acaba de publicar a biografia do ABBA, lançada originalmente em 2008. – Ainda mais se a banda continua famosa, como é o caso do ABBA.

Além de gigantes como a BestSeller (braço do Grupo Record) e da Globo Livros, que somente este ano já lançou obras sobre Pete Townshend, Black Sabbath e AC/DC e planeja para o final do ano a autobiografia de Morrissey, o nicho também atrai novatas, como a Edições Ideal – que recém entrou no ramo e se especializou no segmento musical.

– Os números afirmam que são um filão, sim. Porém, penso que um bom livro torna-se um filão quando carrega outros do mesmo tema, como o 50 Tons de Cinza e Crepúsculo. Acredito que as biografias do Tim Maia, Ozzy Osbourne e Keith Richards foram os best-sellers que colaboraram com as demais ultimamente – pontua Felipe Gasnier, sócio-proprietário da Ideal. – As grandes editoras apostam no que o vizinho apostou, como no caso de livros de vampiros e lobisomens.

Diferentemente de obras escritas por gente desconhecida – e que, portanto, precisam de uma boa estratégia de marketing para se pagar e talvez lucrar –, as biografias de músicos já entram com vantagem. Em alguns casos, conta Raïssa, a própria comunidade de fãs se mobiliza:

– Já tivemos livros de artistas que nos foram apresentados pelos fãs antes mesmo de tomarmos conhecimento deles. Por isso, estamos sempre de olho nessas bases de seguidores, especialmente nas rede sociais, sondando o que eles acham. Depois, quando o livro é lançado, é por ali também que ele acaba sendo divulgado espontaneamente.

No Brasil, a produção de biografias é mais complicada – situação que se reflete nas vitrines, onde os títulos internacionais visivelmente suplantam os nacionais.

– Acho que temos ótimos biógrafos, e a tendência é aumentar o número de bons títulos – afirma Marcos Strecker, diretor editorial da Globo Livros, responsável por livros sobre Cazuza, Maysa e Wilson Simonal. – Mas as restrições da nossa legislação impõem a necessidade de acordo com o biografado, o que limita a produção e inibe a criatividade dos escritores.

O QUE VEM POR AÍ

Dead Kennedys
De autoria de Alex Ogg, Fresh Fruit for Rotting Vegetables – Os Primeiros Anos conta os passos iniciais da banda e a produção do seu primeiro disco. O lançamento no Brasil será neste mês pela Edições Ideal.

Lou Reed
Cercada de segredos e ainda em fase de produção, a biografia do músico morto em 2013 já foi comprada pela editora BestSeller – que pretende lançá-la no país ainda neste ano.

Rex Brown
O baixista do Pantera lançou sua autobiografia – cheia das mais loucas histórias – em março deste ano. No Brasil, a previsão é para agosto pela Edições Ideal.

Morrissey
Um dos grandes nomes da música pop mundial, o eterno vocalista dos Smiths lançou sua autobiografia no final do ano passado – e bateu recordes de venda no Reino Unido, com 35 mil cópias comercializadas em uma semana. A Globo Livros esperar repetir os bons números com a versão nacional, prevista para o segundo semestre.

Beatles
A BestSeller planeja publicar, ainda neste ano, um livro que cobre somente a trajetória musical do quarteto de Liverpool, restrita aos anos 1960.

HISTÓRIAS, LIVROS E ROCK’N’ROLL

Dentro do gigantesco filão de biografias musicais, quem parece ter se dado melhor são os fãs de rock. Nos últimos anos, livros contando histórias de bandas e personagens relacionados à música pesada dominaram as vitrines das livrarias.

Um exemplo ilustrativo: nos últimos dois anos, o Black Sabbath ganhou biografias por quatro editoras diferentes – Globo, Darkside Books, Universo dos Livros e Madras. Além disso, seus dois integrantes mais célebres, o vocalista Ozzy Osbourne e o guitarrista Tony Iommi, lançaram autobiografias que fizeram sucesso entre os fãs. Ozzy chegou até a lançar uma espécie de livro de autoajuda, com conselhos de toda natureza intitulado Confie em Mim, Eu Sou o Dr. Ozzy.

Dois autores já despontam nas biografias dedicadas à cena metal e respondem por alguns dos melhores livros do gênero. Jornalista com longa trajetória no ramo da música, o britânico Mick Wall fez valer sua experiência profissional nos bastidores do rock desde os anos 1970. Autor de biografias sobre AC/DC, Metallica e Black Sabbath, ele teve seus livros lançados no Brasil entre 2013 e 2014.

O também britânico Joel McIver é outro escritor celebrado do heavy metal. Sua vivência no universo da música pesada permitiu a ele escrever biografias de bandas cultuadas como Motörhead, Slayer, Rage Against the Machine e Metallica e seus integrantes – todas publicadas a partir do ano passado.