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Itapema FM  | 09/05/2014 16h25min

Em seu novo disco, Gilberto Gil homenageia João Gilberto

"Gilbertos Samba", do músico baiano, também é dedicado a outros nomes que revolucionaram a música popular brasileira

Marcelo Perrone  |  marcelo.perrone@zerohora.com.br

Gilbertos Samba até pode ser apresentado como o tributo de um discípulo a seu grande mestre musical. Mas não é uma definição precisa para o mais recente disco de Gilberto Gil, na medida em que sua incursão pelo repertório consagrado por João Gilberto não transcorre tão somente por entre a reverência e o espelhamento lançado pelo original título do álbum. Celebra um universo que abarca o próprio Gil, outros baianos ilustres como ele (Dorival Caymmi e Caetano Veloso) e gigantes do naipe de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Carlos Lyra. É um projeto, nesse sentido da homenagem, mais ousado do que os apresentados por Gil nos discos que se baseou em Luiz Gonzaga (As Canções de Eu, Tu, Eles, 2000) e Bob Marley (Kaya N’Gan Daya, 2002).

No repertório de 12 faixas de Gilbertos Samba, Gil faz uma releitura de clássicos imortalizados na voz e na batida de violão percussiva inovadora – e tecnicamente desafiadoras de reproduzir – de João Gilberto. Compreende faixas como Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), gravada pelo pai da bossa nova no seminal LP Chega de Saudade (1959), O Pato (Jayme Silva e Neuza Teixeira) e Doralice (Dorival Caymmi e Antonio Almeida), ambas de O Amor, o Sorriso e a Flor (1960), standards que, diz Gil em entrevista a Zero Hora, são pilares da sua formação musical.

A autorreferência está presente em Eu Vim da Bahia, composição de 1965 que foi o cartão de apresentação de Gil e que João Gilberto, em simbólica deferência ao pupilo, gravou em seu disco homônimo de 1973. Caymmi, de quem há poucos dias se comemorou o centenário de nascimento, é lembrado também em Milagre, gravada por João, Gil, Caetano e Maria Bethânia no disco coletivo Brasil (1981).

Entre outras faixas do novo disco, estão as releituras de Um Abraço no João, faixa instrumental registrada por Gil em Quanta (1997), e Desde que o Samba É Samba, de Caetano, do álbum em parceria Tropicália 2 (1993), além da inédita Gilbertos, exaltação a Caymmi, João, Caetano, Chico Buarque e Roberto Carlos (“A cada cem anos um verdadeiro mestre aparece entre nós / e entre nós alguns que o seguirão ampliando-lhe a voz e o violão”). De Vinicius e Carlos Lyra, foi incluída Você e Eu.

É Caetano quem assina o texto de apresentação de Gilbertos Samba: “Para mim, Gil era o milagre de alguém de carne e osso que podia reproduzir os acordes que João Gilberto fazia no violão. Eu próprio mal decifrava as funções de tônica e dominante. João Gilberto era uma iluminação para nós, tanto técnica quanto esteticamente. (...) Ouvir Gil fazendo com canções que se vincularam para sempre a João, o que fizera antes com Jackson do Pandeiro, Gonzaga ou Caymmi – mais: com o que ele vem fazendo com o repertório de composições próprias –, é experiência de densa textura histórica.”

Gil traz o novo show ao Estado em setembro

Para relembrar a ponte aérea entre a Bahia e o Rio de Janeiro que revolucionou a música popular brasileira com a linha evolutiva costurada por samba, bossa nova e tropicalismo, Gilberto Gil, que completa 72 anos em junho próximo, mira mais no horizonte adiante do que no retrovisor. A vitalidade e o frescor que imprime nas releituras contam com as preciosas colaborações de seu filho Bem Gil e do “sobrinho” Moreno Veloso, filho de Caetano, que assinam a produção do disco. As presenças no estúdio de Domenico Lancellotti, Rodrigo Amarante, Danilo e Dori Caymmi, Mestrinho do Acordeão e Pedro Sá sublinham o rico e efervescente encontro de gerações.

Apesar de sua reconhecida destreza técnica ao violão, Gil explica que evitou mimetizar as complexidades harmônicas e melódicas consagradas na batida perfeita de João Gilberto. O banquinho e o violão ganham no disco uma sonoridade original por conta do acompanhamento da guitarra elétrica, do acordeão e da percussão eletrônica, entre outros temperos colocados pelos músicos convidados. O conjunto ressalta as virtudes contemporâneas dessas canções imortalizadas pelos Gilbertos.

Gil vai apresentar o show de Gilbertos Samba em Porto Alegre, dia 19 de setembro, no Teatro do Bourbon Country, e em Novo Hamburgo, dia 20, no Teatro Feevale. No palco, ele é acompanhado por Bem (violões, guitarra e percussão), Domenico (bateria, percussão e programação eletrônica) e Mestrinho (sanfona e percussão).

Entrevista: Gilberto Gil

“Estou ampliando a voz e o violão de João sem intenção de imitar”

Zero Hora - João Gilberto sempre foi muito presente em sua trajetória pessoal e artística. Como amadureceu a ideia de dedicar esse disco ao repertório consagrado por ele? 

Há muitos anos, venho planejando gravar um disco de sambas. João teve muita influência no meu trabalho. Unir as duas coisas foi um impulso natural diante de algumas canções que tinham se cristalizado como emblemas, referências permanentes, como Desafinado, O Pato, Doralice. Basicamente, fui me reportando aos primeiros discos de João, que foram os que me causaram mais impacto, que imprimiram a marca da qualidade dele, da especificidade dele. E aí entram músicas como Milagre, por exemplo, gravada no disco Brasil, que ele fez comigo, Caetano e Bethânia, e Desde que o Samba É Samba, que é mais recente. O critério foi o de afinidade com a canção.

Zero Hora - A batida consagrada por João Gilberto costuma impor grande dificuldade para os violonistas que tentam reproduzi-la. Foi um desafio também para você, considerado um dos melhores músicos de sua geração e bastante íntimo deste repertório?

Eu fui tocar violão por causa do estilo do João. É um estilo já incorporado, muito absorvido pela minha geração. Digo que no Gilbertos Samba estou ampliando a voz e o violão do João para outros matizes, mais pessoais, sem intenção de imitar seu modo de tocar e cantar. Isso não se torna um esforço muito consciente, pois esse universo é navegado por nós o tempo todo.

Zero Hora - Em 2015, um de seus discos mais importantes, Refazenda (1975), comemora 40 anos de lançamento. Você planeja algum projeto especial, talvez unificando os outros dois títulos da trilogia, Refavela (1977) e Realce (1979)?

Hoje em dia é muito comum esse tipo de revival. Mas não programei nada especial. É possível que (meu filho) Bem lembre de fazer algo. Esses dias mesmo, ele estava sugerindo que a gente fizesse um show tocando o Refavela inteiro.

Zero Hora- Você foi pioneiro entre os artistas da MPB a ver a transformação em curso pela comunicação virtual. Falou disso na música Pela Internet – do disco Quanta (1997), com versos como “Eu quero entrar na rede / Promover um debate / Juntar via internet”. A realidade que temos hoje com a onipresença das redes sociais é a que você vislumbrava?

De fato, fomos pioneiros. Em dezembro de 1996, fiz um espetáculo na Embratel, no Rio, que foi transmitido pela internet. Mas acho que não se podia prever a velocidade da consolidação desse processo, que se deu em uma década. Foi surpreendente essa velocidade, porém compreensível do ponto de vista tecnológico, porque esta velocidade está na própria estrutura do sistema. Não sou usuário contumaz da internet e de redes sociais. Uso computador para e-mails, processar textos e letras de músicas e para ouvir minhas gravações. É um processo que ajuda muito na interatividade dos músicos. Grava, manda para o outro ouvir, troca ideias.

Zero Hora - Como você está vendo este tensionamento social no Brasil, explicitado em casos de intolerância e violência amplificadas pela internet?

Não sei dizer direito. A coisa pode ser vista por vários ângulos. Um deles é a complexificacão geral da sociedade contemporânea por causa dessas possibilidades novas de comunicação, dessa horizontalização da comunicação pelo ciberespaço. Todo mundo pode ser emissor e receptor, o que faz com que essas mobilizações possam ser feitas rapidamente por torcidas de futebol, por grupos militantes e por indivíduos não militantes que passam a vislumbrar a militância ao serem apresentados a essas possibilidades tecnológicas. Tudo isso se soma a uma dimensão histórica do protesto, do ativismo social, coisas que já vêm de muito tempo. E se nutrem de todos os momentos revolucionários e de rebeldia da história do homem. É tudo propiciado pela rapidez e pelas possibilidades intensivas e múltiplas que a tecnologia dá. E, evidentemente, tem o acúmulo da insatisfação histórica do povo com a provisão de meios por parte do governo e com as irresponsabilidades políticas.

ZERO HORA
Daryan Dornelles / Divulgação

Gilberto Gil, que completa 72 anos em junho próximo, traz o novo show ao Estado em setembro
Foto:  Daryan Dornelles  /  Divulgação


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