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Itapema FM  | 21/04/2014 07h04min

Projetos driblam falta de estrutura para ensino de música nas escolas das três maiores cidades catarinenses

A falta de professores com formação adequada e a criação de um currículo para a rede pública ainda dificulta o cumprimento da lei que obriga o ensino de música

A bagunça de 25 crianças de seis anos reunidas em uma sala de artes não é para qualquer ouvido. A sinfonia simples criada por elas, no entanto, é para todos. Entre os dois momentos, um professor de música e um violão para transformar a situação. E enquanto cantam versos de uma canção popular que diz "ei, medo, eu não te escuto mais", acalmam os ânimos a ponto de abraçar os colegas preferidos.

É uma manhã de quinta-feira na Escola Municipal Enfermeira Hilda Anna Krisch, na zona Leste de Joinville. Ali, o professor César Marino Bona assume o violão, mas também a disciplina de artes. Ele é um dos dois professores da rede municipal de ensino da cidade a ter formação em música.

É nestas aulas que as crianças têm o primeiro contato com as notas musicais, em atividades que aproveitam a transversalidade do ensino. 

—  Às vezes, em casa, a criança já tem contato com algum instrumento porque algum parente toca, mas, geralmente, é aqui que ela vê e toca pela primeira vez em um violão — conta César.

Quase três anos se passaram desde que a lei 11.769/08 entrou em vigor, tornando a música componente obrigatório no currículo da educação básica. Aprovada em 2008, ela alterava artigos da lei 9.394 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dava três anos para que as escolas brasileiras se adaptassem à mudança. A lei, no entanto, não descrevia se a modalidade deveria ser incluída como disciplina nem a formação dos professores que se dedicariam a ela. Com isso, escolas das redes estadual e municipal trabalham no escuro, buscando soluções e projetos para se adequarem a esta realidade.

— A obrigatoriedade não é haver exatamente a disciplina. Por isso, a rede estadual orienta que os professores trabalhem a música nas aulas de artes, além de oferecer atividades extras que transcendam o conteúdo, como as fanfarras, os corais e as aulas do Mais Educação (programa do Ministério da Educação que visa ao aumento da jornada escolar com atividades que vão das artes às ciências) — afirma a assessora de educação básica e profissional da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina, Patrícia de Simas Pinheiro.

Entre o final de 2012 e o primeiro semestre de 2013, uma comissão do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão filiado ao MEC, percorreu o País para conhecer a situação de escolas de todas as regiões, além de participar de debates com professores, pesquisadores e gestores de educação. Neste sentido, chegaram a alguns consensos: que a educação musical seja fundamentada na diversidade cultural brasileira; que haja formação inicial e continuada para os professores, além de concursos públicos específicos para professores com licenciatura e bacharelado em música; além da necessidade de também serem criados currículos para artes visuais, dança e teatro.

Até agora, no entanto, o que se ouve são diferentes sons, vindos de projetos e soluções encontradas dentro das escolas e das cidades para garantir a presença de educação musical para crianças e adolescentes.





Percussão indígena e africana

– Que instrumentos vocês sabem tocar? – pergunta o professor Rodrigo Gomes para a turma do segundo ano da Escola Antônio Paschoal Apóstolo, no bairro Rio Vermelho, em Florianópolis.

"Caxixi! Maracá! Chocalho africano! Ganzá!". As crianças já têm intimidade com instrumentos de percussão indígena e africana, representantes das raízes culturais e musicais do Brasil. O colégio é um dos poucos da Capital com professor e sala de aula exclusivos para o ensino de música.

– Ela faz parte da nossa vida, desde que nascemos estamos expostos a todos os tipos de som. Por isso não se pode dissociá-la da escola. Trabalhamos a música não apenas como uma coisa abstrata – diz o professor.

Ele dá aulas da disciplina há três anos e faz questão de ensinar que música é algo sério. Quando os alunos tocam o instrumento, por exemplo, chama atenção para que eles encontrem um ritmo e uma verdade e não façam apenas barulho.

– Na medida em que as crianças tomam consciência do corpo e do instrumento, partimos para questões técnicas – explica.

A escola atende a cerca de 400 alunos do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental.

O ensino de música nas escolas públicas da rede municipal de Florianópolis começou a ser implantado a partir de 1998. Embora nem todas as 36 escolas da rede tenham um professor exclusivo, a disciplina geralmente entra no planejamento pedagógico das aulas de artes, que inclui também teatro e artes visuais.

– Há dificuldades em se contratar profissionais, mesmo aqui em Florianópolis, onde temos universidades que oferecem graduação em música e artes – comenta o professor Rodolfo Pinto da Luz, secretário municipal de Educação de Florianópolis.

Todos os professores contratados precisam ter licenciatura na área. Logo que o projeto começou, contemplava apenas estudantes dos quatro últimos anos do ensino fundamental e agora faz parte também do currículo das turmas do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental.




Música ajuda na socialização

Na Escola Bernardo Tank, na zona rural de Joinville, ter um instrumento musical em mãos é uma espécie de privilégio. Não que diferencie os alunos entre si ou diminua quem não faz parte do grupo musical, mas os 38 alunos selecionados no ano passado para fazer parte da banda da escola sabem muito bem o que precisam fazer para ter um lugar entre os instrumentistas: ter bom comportamento é fundamental para garantir a vaga.

Regidos pelo professor Dilson Rogério Martins, os alunos de seis a 11 anos aprendem a tocar instrumentos de percussão e, mais recentemente, os melódicos, e se organizam para ensaiar semanalmente.

– Mudou a disciplina deles em quase 100%. É um projeto que liga a sala de aula à banda – avalia o professor.

Em Joinville, logo depois que a lei 11.769/08 foi aprovada, foi criado um programa de formação para professores de artes e pedagogos na Escola de Música Villa-Lobos. Desta forma, pouco a pouco, os professores da rede municipal de ensino da cidade foram preparados para incorporar conteúdos de música em sala de aula. As aulas de artes das turmas iniciantes têm musicalização e história da música, enquanto os adolescentes começam a conhecer e debater sobre os diferentes estilos musicais.

Além disso, anualmente é distribuído um kit de música com brinquedos e jogos lúdicos que apresentam conteúdos de música e, desta forma, a escola atende à lei enquanto esta não tem as diretrizes curriculares definidas. Programas como o Cantando na Escola também trabalham neste sentido no contraturno, mais voltado para a criação de corais.

– Estamos fechando também uma parceria com a Orquestra Cidade de Joinville, para que os músicos possam trabalhar na formação dos professores – afirma a supervisora de ensino de artes, Ilcirene Dias.




Crianças têm o futuro transformado

Os dedos rápidos da professora Bia Pasold deslizam pelas cordas do violão. Em questão de segundos, a melodia sobre a "borboletinha na cozinha" deixa de ser uma simples cantiga e vira motivo de competição no grupo de aproximadamente 30 crianças. Juntas em uma só voz, elas disputam para ver quem canta mais alto, bate palmas mais forte e dança mais bonito. Quando a canção chega ao fim, aplaudem e pedem bis.

Às quartas-feiras, a cena descrita acima vira realidade no Centro Educacional Infantil Nazaré, no bairro Itoupava Central, em Blumenau. Lá, crianças de até cinco anos de idade participam de aulas de musicalização sob a regência de Bia, que, aos 50 anos, é coordenadora do Projeto Musicalização Infantil e Musicalização Instrumental de Bandas e Fanfarras da Secretaria Municipal de Educação de Blumenau.

Ela ajuda a levar os sons de canções para todos os 77 CEIs da cidade, onde mais de 12 mil crianças são atendidas por 22 profisssionais de música. Entre as técnicas aplicadas, atividades para desenvolver ritmo, coordenação motora e audição dos pequeninos.

O projeto deslanchou depois de uma viagem à Alemanha, em 2003, quando Bia teve a chance de conhecer a pedagogia musical dos jardins de infância de lá. Encantada, decidiu que era chegada a hora de apresentar uma ideia parecida à Secretaria de Educação, que abraçou a causa.

– A música pode proporcionar a crianças e adolescentes um futuro diferenciado de transformações do seu próprio ser.

No ensino fundamental das escolas da rede pública de Blumenau, apesar de não haver professores especializados em música em todas as unidades municipais, os profissionais que ensinam artes são orientados a desenvolver atividades musicais com os alunos. Pelo menos é o que garante a coordenadora de educação inclusiva da Secretaria de Educação de Blumenau, Marisa Soares Krüger:

– No ano passado, a secretaria ofereceu uma formação aos professores nos eixos de teatro, dança e música. Sendo assim, todos sabem que devem incluir esse tipo de atividade no plano de ensino. O ideal seria que cada escola tivesse um professor para ensinar somente música, mas não sei se há profissionais suficientes para esse objetivo – comenta.

A NOTÍCIA
Leo Munhoz / Agencia RBS

Aula de música na Escola Municipal Enfermeira Hilda Anna Krisch, em Joinville
Foto:  Leo Munhoz  /  Agencia RBS


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