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Itapema FM  | 02/04/2014 06h01min

UZ, nova peça da Cia La Vaca, estreia nesta quarta no TAC em Florianópolis

Espetáculo aborda fanatismo e relações familiares numa tragicomédia que retoma parceria criativa entre Brasil e Uruguai

Carol Macário  |  caroline.macario@diario.com.br

E se Deus pedisse que você matasse seu próprio filho como prova de amor e submissão? O que tem mais peso: a ordem divina, a moralidade ou o bom senso? UZ, novo espetáculo da Cia La Vaca, de Florianópolis, repete a dobradinha de sucesso Brasil Uruguai ao montar texto do dramaturgo uruguaio Gabriel Calderón com direção do catarinense Renato Turnes. A peça é uma tragicomédia satírica sobre as relações entre família, sociedade e religião. A estreia será nesta noite, no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC), na Capital, e terá duas curtíssimas temporadas — de hoje a sexta e dos dias 11 a 13.

A primeira parceria entre Turnes e Calderón foi em Mi Muñequita, espetáculo contemplado em 2009 com o edital Elisabete Anderle que teve duas circulações pelo Estado, uma turnê nacional e apresentações em Montevidéu. A peça foi a primeira incursão de Turnes como diretor. De lá para cá já foram cinco espetáculos dirigidos por ele — incluindo um solo de dança —, dos quais se destacam as montagens que dialogam com a produção teatral sul-americana contemporânea — como em Kassandra, de 2012, texto do franco-uruguaio Sergio Blanco.

UZ é uma cidade onde os habitantes vivem na paz e retidão moral, sempre guiados pelos ensinamentos da Igreja. Até o dia em que Grace, virtuosa mãe e mulher, escuta a voz de Deus e a ordem para matar um de seus filhos. Ela decide cumprir a missão a qualquer custo, nem que para isso precise instaurar o caos na cidade.

— Os personagens vão perdendo o controle. É uma cidade perfeita, em que tudo está o tempo todo sob controle. Mas quando Deus ordena que Grace mate o filho, e depois de tudo o que ela faz para obedecer, todos perdem o controle. É o caos — comenta o diretor.

No original os personagens são católicos. Turnes e o pesquisador Esteban Campanela, tradutor das obras do uruguaio para o português, adaptaram o texto para o que consideram retratar melhor a realidade brasileira: em vez de católicos, a família de UZ é evangélica.

— Procurei investigar os personagens no que eles têm de mais contraditório. Nesse processo fui estimulando os atores a oferecerem outras faces, e o resultado é uma carga dramática maior do que a primeira leitura sugere. O cômico se baseia nessas constatações — diz Turnes, que imprime sua marca no espetáculo ao apostar na dualidade dos personagens.

Mais da metade da equipe criativa de UZ participou de Mi Muñequita. O elenco conta com os atores Alvaro Guarnieri, Elianne Carpes, Kyel Lima, Lara Matos, Malcon Bauer, Milena Moraes, Thaís Putti e WMarcão. O projeto foi contemplado pelo Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura.

Relações familiares

A família é um tema recorrente na obra de Gabriel Calderón. O uruguaio de 31 anos tem uma carreira em ascensão nas artes cênicas, com mais de 90 textos escritos — oito dos quais já foram montados —, além de trabalhar também como ator e diretor em Montevidéu. Representante da primeira geração de artistas nascidos depois da ditadura no Uruguai, Calderón trabalha seus textos com ironia fundamentada em ações dramáticas bem desenvolvidas.

Diferentemente de Mi Munequita, escrita quando ele tinha 16 anos e com uma linguagem mais contemporânea em termos de dramaturgia, UZ, produzida aos 21, é um texto clássico no sentido da forma. A família, desta vez, é desestruturada e ambientada na vizinhança de uma cidade feita de aparências, dominada pela perfeição ilusória dos modelos familiares tradicionais.

— Ele sempre trabalha essa questão de não se enxergar o óbvio. A família de UZ, por exemplo, acredita numa coisa inventada, é uma farsa. E quando tudo se revela vem à tona a hipocrisia. A obra de Calderón tem alta carga reflexiva e de crítica à sociedade — afirma Renato Turnes.

O autor estará em Florianópolis até sexta, onde ministra palestra e oficina de construção textual em parceria com o programa de extensão Encontro com o Dramaturgo, coordenado pelo professor Stephan Baumgartel, do curso de Teatro da Udesc, e com a Secretaria de Cultura da UFSC.

Por telefone, o autor falou sobre os temas que são de interesse do seu processo de criação, como família, loucura, fanatismo e moralismo, entre outros.

Família

A família é a menor célula política que existe. Quando se escreve uma obra é necessário uma unidade social e política para abordar as relações entre os personagens. E, claro, temos que falar de algo que conhecemos. Mas na verdade família é uma desculpa para falar de muitas outras coisas. E tanto por ausência ou presença dela, é algo que todos conhecem.

Poder, gênero, sexualidade

Nessa pequena célula social e política se encontram tensões de poder, gênero, sexualidade, diferenças entre gerações. A família contemporânea está mudando muito rápido. Mas todo esse discurso é apenas uma desculpa para tratar de questões sociais, não é necessariamente um espelho ou reflexo da sociedade em que vivo. Não é tampouco denúncia ou representação de algo que penso.

Y si...

Há uma expressão muito comum em espanhol com a qual eu gosto de trabalhar que é "Y si?" (e se?). Nas religiões principalmente há muitas verdades que nos convidam a questionar: e se? Com base nessa suposição começo a juntar algumas ideias, umas mais humorísticas, outras nem tanto. E se?, em UZ, quer dizer: e se deus me pedisse para fazer isso? Passa por uma ideia de perversão de algo que ninguém pode compreender.

Conduta moral e Deus

Conheço bem as palavras da Bíblia e tive uma educação bem cristã. Mas gosto da discussão de certas verdades sagradas que, de certa forma, balizam condutas morais. Se realmente Deus aparece e pede que uma mãe mate um dos filhos, como se comporta essa mulher do ponto de vista moral? É um discurso para se pensar sobre.

Loucura e fanatismo

O que escrevo não quer dizer necessariamente o que penso. Não é que eu tanha ideias sobre loucura e fanatismo. Mas percebo a pouca distância que separa uma pessoa normal de uma louca. Preocupa-me também como se manejam os discursos para as pessoas ditas comuns. Os discursos extremistas não me preocupam tanto.

:: Agende-se

O quê: espetáculo UZ, da Cia La Vaca
Quando: de hoje a sexta-feira e dos dias 11 a 13, às 20h30min
Onde: Teatro Álvaro de Carvalho (Rua Marechal Guilherme, 26, Centro, Florianópolis)
Quanto: R$ 20 / R$ 10 (meia), à venda na bilheteria do TAC e no www.nosvamos.com.br

Informações: (48) 3028-8070

:: Palestra

O quê: palestra Teatro de la Contradicción
Quando: hoje, às 18h30min
Onde: sala 402 do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas da UFSC (Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, Florianópolis)
Quanto: gratuita e aberta ao público

 

VARIEDADES DC
Cristiano Primr / Divulgação

Espetáculo foi adaptado para realidade brasileira e, em vez de católicos, os personagens são evangélicos
Foto:  Cristiano Primr  /  Divulgação


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