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Itapema FM  | 17/03/2014 09h42min

Pablo Rossi fala sobre a valorização da música clássica no Brasil

Pianista, porém, critica a falta de incentivo e a ausência de projetos no Estado de Santa Catarina

Layse Ventura  |  layse.ventura@diario.com.br

Pablo Rossi começou a tocar piano com seis anos de idade e, aos 13, foi o solista mais novo a pisar na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. O músico – que hoje tem 25 anos e é apontado como um dos 10 principais pianistas jovens do mundo – era visto como um menino prodígio, mas ele próprio diz não acreditar muito na nomenclatura e, para contrariar essa visão, afirma que só se apresentou na Osesp por um golpe de sorte.

De criança talentosa, partiu para uma adolescência recheada de prêmios e concertos internacionais. Aos 17, embarcou de vez para Moscou, na Rússia, para cursar a graduação e o mestrado. De Bruxelas, onde mora, Pablo veio ao Brasil mostrar um trabalho cada vez mais maduro, resultado do pós-mestrado em Performance – uma especialização que não exige tese e foca na parte prática da apresentação.

Em sua atual passagem pelo país, ele se apresentou com as orquestras sinfônicas de Ribeirão Preto (SP), do Espírito Santo e do Teatro Nacional (Brasília). Sua turnê terminou no sábado, com uma participação inédita na final do Verão Top Model, em Blumenau. Enquanto as finalistas desfilavam, ele deu o tom da passarela.

Em entrevista ao DC, Pablo falou sobre o incentivo às crianças com talentos precoces, lembrou sua experiência no exterior e analisou o cenário da música clássica no Brasil e em Santa Catarina. Confira os principais trechos.

Desejo de ser pianista profissional

É difícil esclarecer se teve um período específico para essa decisão. Foi uma coisa que começou como uma atividade extra, porque eu era pequeno. Dá para definir o momento que achei que ia levar a sério, que foi quando comecei a viajar para Curitiba aos oito anos. Eu morava em Floripa e viajava para lá para ter aula com uma professora russa. Então, é óbvio que a coisa começou a ficar muito mais séria. Fiz isso até ir para Moscou, aos 17.

Influência familiar

Ninguém na família tinha ligação direta com música. Meu pai sempre colocava especificamente música clássica para escutarmos quando éramos pequenos. Tenho mais dois irmãos e um deles é violinista profissional. Então, a gente teve esse incentivo, sem dúvida nenhuma. Eu, por exemplo, que fui estudar piano, não tinha instrumento em casa, demorou um ano para ter um piano. As coisas foram tomando forma aos poucos.

Criança prodígio

Olhando para trás, para tudo que aconteceu, não vejo um lado positivo na exploração dessa nomenclatura, nessa classificação que se dá a crianças precoces, que têm certa habilidade. Penso assim não por ser um trauma que tive, mas porque acho que isso acarreta, a longo prazo, problemas complicados. A grande dificuldade é na passagem da juventude para a fase adulta, porque imediatamente você é esquecido, deixa de ter aquele atrativo. Particularmente, da maneira que se faz hoje, não apoio. Não vejo vantagens em você definir pessoas como prodígios, não vejo o que isso traz de bom para a criança. É inevitável que, dentro de uma regra, pessoas se destaquem – e obviamente elas precisam ser reconhecidas e receber um tratamento especial. Você deveria dar estrutura para aquelas que apresentam certa disparidade no aspecto positivo. Nesse sentido é importante identificar sim crianças prodígio, mas a exploração desse adjetivo da maneira que é feita – e não só no Brasil – é um pouco inconsequente.

Estudo no exterior

Foi uma experiência incrível poder abrir o campo de visão justamente nesse período da vida em que você está propício a novas experiências. É importante para formar sua personalidade. Sem dúvida, ajudou a moldar o meu caráter e também musicalmente. Desde muito cedo eu já tinha essa ideia de estudar fora porque sabia da situação brasileira. Mas mudou muito. São Paulo hoje é um centro forte no ramo da música. O próprio trabalho do (pianista e maestro) João Carlos Martins, que está tornando a música mais próxima das pessoas é um exemplo. O Brasil mudou muito, mas obviamente fica atrás do que se pode adquirir em termos de experiências, principalmente na Europa.

Situação brasileira e de SC

O Brasil passou por muitas mudanças estruturais em pouco tempo. Antigamente era quase impensável poder escutar grandes músicos na área clássica aqui e hoje o acesso está muito mais possível. E vejo isso também economicamente, porque se começou a abrir a cabeça. Há trabalhos sociais com a música clássica. Ano passado toquei com a Osesp justamente com a Sinfônica Heliópolis, que foi criada dentro de uma das maiores favelas de São Paulo e agora faz concertos no exterior. Essa democratização é algo que está acontecendo cada vez mais. Você vê pipocando orquestras sinfônicas Brasil afora. Isso é uma coisa que me entristece de certa maneira, porque Santa Catarina está atrás, infelizmente. Não vou comparar nem com o exterior, mas com o próprio país. O Estado não tem orquestra sinfônica. Sem críticas políticas específicas a ninguém, mas você vê que existe um atraso muito grande nesse sentido. Falta valorizar coisas que não sejam para grupos determinados, mas sim para a população como um todo.

Apoio governamental e empresarial

Há uma cultura comercial, que vende e lucra por si, e há outra iniciativa que é um pouco mais ideológica. Esse tipo de cultura necessita de apoio privado ou governamental. Aqui no Brasil, as orquestras sinfônicas estão passando por modificações na forma de financiamento, mas elas basicamente são bancadas pelo poder público, 70% a 80% do orçamento sai dos governos municipal ou estadual. Nos Estados Unidos, pelo contrário, elas têm acho que 90% de financiamento particular. Mas é outra história, a gente está caminhando para isso. Por outro lado, você tem a Lei Rouanet, mas existe uma reticência muito grande dos empresários. Quem acaba contando com verba para a Lei Rouanet são empresas de grande porte, a maioria nacionais e multinacionais. E elas se perguntam: por que vou investir em SC se o meu foco de clientes é mais importante em São Paulo e Rio de Janeiro? Um conjunto de fatores traz essa característica da nossa situação. Agora, o que não tenho dúvida de falar é que eu me sinto muito entristecido. Parece que Santa Catarina está um pouco parada nesse sentido. Veja, existe a Orquestra Sinfônica da Paraíba!

Orquestras como marketing

Eu já vi muitas coisas serem lançadas e não terem sustentação. Mas também não posso só criticar, fico feliz de ver propostas que têm continuidade e sucesso, como o Festival de Jaraguá do Sul e o Ballet Bolshoi. Porém, para o tamanho do nosso Estado e o aporte financeiro que temos, é um investimento baixo. Orquestras em Goiás, Paraíba e Espírito Santo estão crescendo com sustentabilidade. Importante é ter uma liderança. Às vezes, mais importante do que ter um maestro é ter um gestor competente. O que acontece no Brasil é a falta de continuidade. Não é só por conta do governo, mas da população também. Uma coisa pega fogo e apaga muito rápido. Comece pequeno, mas tenha continuidade.

DIÁRIO CATARINENSE
Gilmar de Souza / Agencia RBS

Pablo Rossi se apresentou neste fim de semana na final do Verão Top Model
Foto:  Gilmar de Souza  /  Agencia RBS


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