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Itapema FM  | 05/01/2014 15h54min

"Mazzaropi foi o caipira certo na hora certa", diz diretor de filme sobre o comediante

Documentário "Mazzaropi" acaba de ser lançado em home vídeo no país

Daniel Feix  |  daniel.feix@zerohora.com.br

É comum às produções de caráter popular, especialmente no registro cômico: a despeito da aceitação das massas, a crítica pega no pé. Foi assim com as comédias da Atlântida, é assim com as atuais "globochanchadas". Aconteceu com Teixeirinha, não foi diferente com Mazzaropi.

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Por se tratar do maior comediante do país, as contestações, naturalmente, multiplicavam-se. Em uma das poucas entrevistas em vídeo que concedeu em vida – e que é reproduzida no encerramento do documentário Mazzaropi, de Celso Sabadin, que acaba de ser lançado em DVD sem passar pelo circuito de cinemas –, o artista deixa claro o quanto essa rejeição o incomodou.

Ao menos a passagem do tempo, como atesta o próprio Sabadin na entrevista a seguir, transformou a visão geral sobre o trabalho do Jeca. O que não mudou foi a dificuldade de se entrar em determinados tabus que rondam a sua personalidade. Confira:

Zero Hora – O filme se concentra no trabalho de Mazzaropi. Toca também em questões pessoais envolvendo o comediante, mas de um jeito lateral. Temas como a sua criação e a sua sexualidade merecem menos tempo do que questões cinematográficas e relativas à sua popularidade. Por quê?
Celso Sabadin –
Foi uma consequência natural da pesquisa e das respostas dos depoentes. Como Maz­zaropi era um sujeito relativamente fechado, de poucos e selecionados amigos, não havia muitas referências e informações sobre sua vida pessoal. Fico com a sensação de que pouquíssimas pessoas o conheciam em profundidade, e esta falta de informações aparece nos depoimentos. Percebe-se, inclusive, que há várias discordâncias entre os entrevistados. Há quem o chame de pão-duro, há quem o chame de gastador. Há quem o chame de refinado, há quem o chame de caipirão... Mesmo a questão da sua homossexualidade, conhecida dentro do meio cinematográfico, foi abordada pela primeira vez, publicamente, apenas neste documentário. Até depoentes que sabiam disso preferiram não falar do assunto diante da câmera, às exceções de Marli Marley e David Cardoso, como se vê do documentário.

ZH – No único momento do filme em que vemos o próprio Maz­zaropi dando depoimento, na sequência final, ele aparece na defensiva, respondendo aos críticos. Muitos dos entrevistados seguem esse mesmo tom, atestando que a rejeição da intelectualidade, ou a incompreensão do fascínio do público pelo seu trabalho, foi uma das questões mais marcantes envolvendo a sua figura, certo?
Sabadin –
Para as pessoas que cercavam Mazzaropi, era uma questão simples e decidida: seus filmes eram extremamente simples e populares, não agradavam à crítica. Exatamente como já acontecia com os filmes da Atlântida, e também como acontece com as comédias brasileiras de hoje. Tenho a sensação de que ninguém envolvido com suas produções sequer esperava um elogio da crítica. Isso não fazia parte do universo dos filmes de Mazzaropi. Porém, percebe-se nas entrelinhas que o próprio Mazzaropi guardava, sim, alguma mágoa pelo fato de a crítica bater forte nos seus filmes. E isso era muito compreensível: as críticas da época eram muito ferozes, viscerais, e respingavam não apenas nos filmes mas também na própria pessoa de Mazzaropi. Ele foi muito agredido, por meio das críticas.

ZH – Em compensação, hoje, tantos anos depois, Mazzaropi virou cult. A que você atribui essa diferença de olhares em relação ao seu trabalho com o passar do tempo?
Sabadin –
Trata-se de um fenômeno muito normal: filmes que antigamente eram considerados ruins viram cults depois de algumas décadas de distanciamento crítico. Foi assim com as comédias da Atlântida, com as pornochanchadas, com aqueles filmes norte-americanos de ficção científica e terror que passavam nos drive-ins dos anos 1950. Isso sempre foi assim. Todo e qualquer filme antigo, independentemente do seu gênero, transforma-se, no futuro, em um documentário de sua época. Isso o torna cult. Descobrir filmes antigos e contextualizá-los como retratos de sua época é uma das grandes contribuições das gerações que estudam os trabalhos de décadas anteriores. Com Mazzaropi não seria diferente, pois hoje a análise de seus filmes – bons e ruins – permite um rico estudo do Brasil entre 1950 e 1980.

ZH – O modelo de produção criado por Mazzaropi foi reproduzido em escala menor, no Sul, por Teixeirinha. Houve outras experiências de cinema popular em escala industrial no país, algumas bem-sucedidas (Os Trapalhões, Roberto Carlos), mas nenhuma com a sua longevidade e o seu nível de popularidade. O quanto o fato de o Mazzaropi ter o controle total da produção garantiu esse sucesso?
Sabadin –
Acredito que o sucesso dele foi uma conjugação de, basicamente, quatro fatores. O primeiro era o seu carisma, o seu humor como ator: ele era engraçado por si só, independentemente do texto. Tinha um incrível timing cômico, e que era natural, intrínseco a ele. O segundo fator: ele controlou a distribuição de suas produções, o que lhe permitia pôr no bolso os 25% da bilheteria que normalmente ficavam com a distribuidora. Terceiro: ele montou uma equipe própria para fiscalizar as bilheterias, evitando assim a gigantesca evasão de renda que havia na época, fruto da corrupção dos circuitos exibidores. E o quarto foi o próprio mercado: ele começou no cinema nos anos 1950, ou seja, exatamente na época do grande crescimento urbano e industrial da capital paulista, que absorvia milhões de empregados vindos do campo, e que tinham nos filmes de Mazzaropi uma oportunidade única de expiar as saudades de seu universo caipira. Vale lembrar que, à época, a TV estava apenas engatinhando, e o ingresso de cinema era muito barato. O cinema era o principal meio de lazer das camadas menos favorecidas. Mazzaropi foi o caipira certo na hora e no lugar certos.

ZH –Você se considera um fã do Mazzaropi ou, como alguém que trabalha com cinema, tem o interesse natural pelo fenômeno?
Sabadin –
Quando criança ou adolescente, eu não tinha nenhum interesse especial pelo Mazzaropi. Conhecia um pouco apenas devido a alguns filmes que apareciam na programação da televisão. Só fui tomar contato mais sério com a obra dele a partir dos anos 1990, quando já era crítico e fui estudá-lo com interesse profissional. Mazzaropi não fez parte da minha infância porque sempre fui um sujeito urbano, de classe média, de pais e avós urbanos, de classe média. E Mazzaropi era o grande ídolo das massas populares rurais ou de ascendência rural. Havia muito preconceito contra ele, que era visto como popularesco. Só quando comecei a pesquisá-lo – num primeiro momento, para fazer uma matéria para a TV Bandeirantes, onde eu trabalhava –, foi que percebi a verdadeira dimensão dele como ídolo e como empresário da área do entretenimento.

ZH – Como foi a negociação com os detentores dos direitos autorais sobre a obra de Mazzaropi?
Sabadin –
Para as imagens dos filmes de Mazzaropi propriamente ditos, o nosso produtor, Paulo Duarte, já havia feito um excelente trabalho de pesquisa e garimpagens há uns bons anos, quando ele trabalhava para a Amazonas Filmes e recuperou a obra de Mazzaropi para ser lançada em DVD. Ele tinha o caminho das pedras. Já para as imagens de Mazzaropi sem estar interpretando, ou seja, fora de seu personagem – o Jeca –, a coisa foi mais difícil, pois ele era um sujeito reservado, que não gostava de dar entrevistas. Pesquisamos na Cinemateca Brasileira, no Museu da Imagem e do Som, no Museu Mazzaropi, nas emissoras de televisão, e não encontramos quase nada. Encontramos muito mais imagens em fotos de set do que imagens em movimento. A entrevista de Mazzaropi que está no filme foi comprada junto à TV Globo. Não creio que exista outra.

ZH – Por favor, fale um pouco da concepção do projeto.
Sabadin –
Em 2009, o produtor Moracy do Val, que já havia feito muito dinheiro lançando os filmes de Mazzaropi em VHS nos anos 1980 e 90, pediu-me que escrevesse um roteiro de um filme ficcional sobre o comediante. Passados alguns meses, chegamos à conclusão de que projeto era muito grande e caro para ficar pronto a tempo do centenário do Mazzaropi, em 2012. Só que eu já tinha me apaixonado pelas histórias "mazzaropianas". Então, autorizado pelo Moracy, que não se interessou por transformar o projeto em um documentário, fui conversar com outro produtor, o Edu Felistoque, que topou a empreitada e, além disso, sugeriu que eu próprio dirigisse o filme. Fiquei a princípio meio assustado com a ideia de dirigir um longa-metragem, mas topei. Fizemos então uma composição com o Paulo Duarte.

ZH – Durante o filme, fala-se mais de uma vez sobre as incertezas em torno da fortuna que Maz­zaropi teria deixado. Quem cuida da memória do comediante?
Sabadin –
Rapaz, a questão da fortuna que ele deixou daria um outro filme. Só que, em vez de um documentário, seria um policial de suspense, tamanho é o imbróglio. Atualmente, quem cuida do acervo e da memória do comediante é o Instituto Mazzaropi, em Taubaté (SP), administrado por um empresário que não tem relação direta com a família de Mazzaropi, que morreu sem deixar herdeiros.


MAZZAROPI EM NÚMEROS

Pelas dificuldades de controle das bilheterias nos tempos idos, é difícil estimar quantos espectadores o comediante mobilizou. Estima-se que a fortuna que acumulou ao longo da vida possa ser de até R$ 300 milhões, e que a quantidade de ingressos que seus filmes venderam possa bater na casa dos 200 milhões – mais do que o dobro da população nacional em seu tempo.

Sem aferição oficial, pesquisadores usaram dados de jornais e órgãos extintos, como o Instituto Nacional do Cinema (INC), para constatar que Jeca Tatu (1959) e Casinha Pequenina (1963) foram seus maiores sucessos, com 8 milhões de espectadores cada. Em 2010, João Carlos Rodrigues publicou na revista Filme Cultura uma lista de filmes nacionais, de 1970 em diante, vistos por mais de 1 milhão de pessoas. Todos os 10 últimos longas estrelados por Mazzaropi, lançados entre 1970 e 1980, figuram nela. O mais bem-sucedido, com 3,4 milhões de espectadores, é O Jeca Macumbeiro (1974).


PARA LER (E VER) MAIS

Há uma farta quantidade de histórias sobre Mazzaropi circulando de maneira informal. O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, por exemplo, já espalhou por aí um fato curioso do qual foi testemunha ocular, décadas atrás: em Dolores do Indaiá (MG), os 7 mil habitantes do município assistiram a um filme do Jeca durante dois anos ininterruptos – período em que o longa ficou em cartaz no cinema da cidade.

Esse tipo de causo pouco aparece nos documentos oficiais sobre Mazzaropi. A quem quiser saber mais sobre o Jeca, estão à disposição o documentário Mazzaropi – O Cineasta das Plateias, que a distribuidora de DVDs Cinemagia pôs no mercado de home vídeo junto à coleção completa de seus filmes, a partir dos anos 1990. Mazzaropi – Uma Antologia de Risos (Imprensa Oficial de SP), de Paulo Duarte, e Sai da Frente! A Vida e a Obra de Mazzaropi (Desiderata), de Marcela Matos, são dois livros sobre o comediante lançados recentemente.

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