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Itapema FM  | 07/12/2013 11h27min

Excelência das novas séries de televisão desperta comparações com os longas

Estamos vendo um reposicionamento do que são as grande narrativas contemporâneas

André Mags  |  andre.mags@zerohora.com.br

Walter, "incorporado" por Heisenberg, deixa Jane morrer. Mesmo sem tocar na vítima, ele comete um covarde assassinato. O momento fez-me levantar do sofá, com as mãos na cabeça, enquanto gritava:

– Que é isso, Walter?! O que você está fazendo?! Não faça isso!

Foi desesperador. Tive dificuldades para dormir naquele dia.

O relato acima é de um dos maiores seguidores da série dramática televisiva Breaking Bad, criada e produzida por Vince Gilligan e veiculada pelo canal americano de TV por assinatura AMC. Diretor do site Breaking Bad Brasil, Fábio Lins, de Minas Gerais, acompanhou o seriado Lost e se viu órfão quando chegou ao fim. Em busca de uma nova ficção que o grudasse na tela, o técnico de informática de 33 anos deparou no Twitter com um grupo de legendadores de filmes e seriados que indicava Breaking Bad com veemência aos abstinentes de Lost. Para ficar no tema da série, drogas, digamos que Lins viciou.

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– Logo de cara vi que Lost não tinha nada a ver com Breaking Bad, mas mesmo assim abracei a premissa, típica de um anti-herói fazendo justiça com as próprias mãos. Muitas vezes na vida temos vontade de "chutar o balde", jogar tudo para o alto por um objetivo digno. Walter White fez isso, a princípio, então, nisso a série me fisgou – argumentou.

Outra cena de violência se tornou símbolo da defendida superioridade das séries dramáticas de TV diante do cinema – um debate dentro do qual já se aventou até o fim dos longas cinematográficos como expressão artística relevante. Um vídeo postado no canal da internet YouTube (http://zhora.co/1jpvYQ1) mostra o poder dessas produções. Trata-se de uma sequência de reações de telespectadores ao episódio O Casamento Vermelho de Game of Thrones, série americana criada por David Benioff e D. B. Weiss para o canal a cabo americano HBO, baseada na série Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. As mortes não são as principais imagens do vídeo, e sim os gritos, expressões de surpresa, palavrões, mãos ao rosto e à cabeça e muitas caretas dos fãs. As imagens se sucedem durante os seis minutos do vídeo, publicado seis meses atrás e hoje totalizando 9,5 milhões de visualizações.

Explica-se o efeito. Na carnificina ocorrida durante um casamento, personagens-chave da história estavam entre as vítimas. Quem acompanhava a série não estava acostumado a ver os heróis morrerem assim. Eles não acreditavam no que viam. Você já viu isso acontecer em um blockbuster? James Bond não morre. John McClane não morre. Ethan Hunt não morre. Com os Stark, não foi assim – seria assim se fosse Tony Stark, o Homem de Ferro. Esse também não morre.

A provocação ao cinema atual envolve a forma como muitos temas estão sendo abordados na TV paga. Sheron Neves, professora de Storytelling e Transmídia na ESPM e na Unisinos, foi ao cinema pela última vez na semana passada, mas, diz, "para ver TV". Era um episódio de 50 anos de Doctor Who (seriado de ficção científica da BBC), transmitido simultaneamente para 94 países.

– Séries que abordam sem medo nem pudor temáticas polêmicas como drogas (Breaking Bad, The Wire, Nurse Jackie, Weeds), violência (The Sopranos, Dexter, Boardwalk Empire), poligamia (Big Love), sexo (Masters of Sex, Tell Me You Love Me, The L Word, Queer as Folk) são produzidas na sua maioria por canais premium como HBO e Showtime, que podem se dar ao luxo de correr riscos por não precisarem agradar a anunciantes. Assim, a dramaturgia na TV paga pode, hoje, se dar ao luxo de ser mais lenta, ter personagens multifacetados e finais mais ambíguos. O público aceita porque está bem mais sofisticado. Há 20 anos, a audiência televisiva não estaria pronta para Walter White – explica Sheron.

As séries estão mais criativas do que o cinema na variação de temas abordados, concorda Manuela Barros, professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e autora do livro O Fascínio de Scherazade (AnnaBlumme, 2003), sobre narrativa seriada na TV. A lógica do dinheiro está em ambos, porém a vantagem dos seriados é que eles são de todos os tipos, para todos os públicos:

– Se um não dá certo, se retira a próxima temporada e se produz outra coisa. Tudo muda rapidamente porque a indústria é muito veloz – lembra Manuela.

A publicação Previously On, da Biblioteca da Faculdade de Comunicação da Universidade de Sevilha, na Espanha, cita o desenvolvimento de um universo multicanal, possibilitado por políticas neoliberais recentes, como receita do avanço da TV no que se chama de Era Pós-network ou pós-televisão. Em uma convergência global, os produtos televisivos não acabam em si mesmos. Eles incluem DVDs com extras, camisetas, jogos de computador e, mais importante, serviços a comunidades de fãs. O canal AMC, por exemplo, mantém o seu Talking Dead, um talk show ao vivo que vai ao ar após cada episódio de The Walking Dead, série sobre um mundo tomado por zumbis que faz sucesso também no Brasil. O talk show mantém 5 milhões de espectadores ligados em cada edição, um número que supera a audiência do programa NFL Countdown, da ESPN – uma espécie de pré-jogo semanal do futebol americano veiculado aos domingos.

Previously On considera a fragmentação dos seriados uma característica chave não só da sua veiculação, em episódios, mas também das tramas. Em uma pesquisa, a publicação identificou que 85% das séries analisadas incluíam fragmentação temporal, presença de flashbacks e flashforwards. Nada de novo para o cinema, que fez isso inúmeras vezes desde pelo menos Cidadão Kane (1941). Derrubado o prognóstico de desaparecimento da TV com a chegada da internet, ela teve de se reinventar. Modificou estruturas e desenhos de produção e programação, assumiu influências de outras áreas – publicidade, internet, o próprio cinema – e renasceu. Talvez caiba ao cinema se reinventar. As fórmulas narrativas se desgastam, salienta o professor da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS Roberto Tietzmann.

– Não acredito no fim das salas como temos hoje, nem no do formato do longa-metragem enquanto produto, mas estamos vendo um reposicionamento da ideia a respeito do que são as grandes narrativas do contemporâneo. Nos meios audiovisuais, o cinema manteve esse posto durante boa parte do século 20, mas hoje vemos esse espaço ser ocupado em parte pelas séries de televisão com grande complexidade em suas histórias – afirma.

Mas os blockbusters continuam dando lucro, o que sugere que parte do público não está preocupada com o refinamento das histórias. Também há público cativo para as salas com produtos premium como 3D e Imax, que dependem de filmes que tirem proveito dessas tecnologias para justificar o preço do ingresso. Será um fenômeno efêmero?

– Aristóteles, cinco séculos antes de Cristo, já afirmava que o espetáculo tem força em si, mas é o mais fraco dos elementos à mão do autor para cativar a plateia – aponta Tietzmann.

O grego também dizia que o impossível verossímil é preferível ao possível não crível. É por isso que tanta gente pirou com a matança dos Stark e ficou ainda mais apaixonada por Game of Thrones. Apesar da surpresa, era tudo coerente dentro daquele universo.

Enfim, diante desse cenário, o cinema se tornará desimportante? Para Tietzman, não. Ele entende que sempre haverá espaço para filmes como Blue Jasmine, de Woody Allen:

– Em menos de duas horas você entra no mundo daquela personagem e sai com a compreensão de sua tragédia.

A resposta definitiva pode estar na atitude da professora Sheron Neves, que foi ao cinema ver TV. O que ela procurava, na verdade, era uma boa história:

– Para me tirar de casa, só mesmo um bom Woody Allen, Tarantino ou Charlie Kaufman.

CULTURA
Arte de Edu sobre fotos de Stock.Xchng e AMC / Divulgação


Foto:  Arte de Edu sobre fotos de Stock.Xchng e AMC  /  Divulgação


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