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Itapema FM  | 04/12/2013 14h33min

Pesquisadora descobre cartilha lançada por Erico Verissimo em 1936, sob o pseudônimo Nanquinote

Grandes estudiosos de Erico apenas ouviram falar do abecedário, que não está entre os mais de 10 mil documentos do autor

André Mags e Júlia Otero

Foi descoberto um livro de Erico Verissimo tão pouco conhecido que sequer seu filho, Luis Fernando, sabia de sua existência. Trata-se de Meu ABC, cartilha que acabou sendo deixada de lado na extensa bibliografia de Erico. Na capa, nem a assinatura é do autor de O Tempo e o Vento, mas de Nanquinote, um boneco feito de nanquim que aparece em outras publicações infantis do escritor e servia como seu pseudônimo.

Grandes estudiosos de Erico apenas ouviram falar do abecedário, que não está entre os mais de 10 mil documentos do autor abrigados no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, nem no acervo em exposição no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, em Porto Alegre. Até que uma pesquisadora localizou a obra entre as raridades da Biblioteca Lucília Minssen, da Casa de Cultura Mario Quintana, na Capital. A notícia surpreendeu Luis Fernando, que nasceu no ano da publicação da cartilha, 1936. Na terça-feira, ele visitou a biblioteca para conhecer o livro perdido: com interesse, folheou as páginas, encantou-se com as ilustrações de Ernst Zeuner e reparou na ausência do nome de Erico:

– É interessante que ela (a pesquisadora) deduziu que o autor fosse o meu pai.

A obra desaparecida voltará em outro formato às prateleiras. A descobridora da cartilha, a pós-doutora em pedagogia Cristina Maria Rosa, lançará em 17 de dezembro, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (CCCEV), um livro em que conta o resgate do abecedário e contextualiza sua importância.

A descoberta se deu enquanto Cristina terminava de analisar a cartilha de outro autor. Pediu que uma das maiores especialistas em abecedário, a pesquisadora e doutora em literatura Regina Zilberman, fizesse uma introdução. Neste texto, havia a menção sobre uma cartilha feita por Erico.

A informação despertou a curiosidade de Cristina, e Regina indicou uma colega especialista no autor, a professora do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maria da Glória Bordini, para ajudar a localizar a obra. Maria da Glória deu a pista de que poderia estar na Biblioteca Lucília Minssen. Dito e feito.

– O livro faz parte de 11 obras de Erico, escritas entre 1935 e 1939, direcionadas ao público que hoje chamamos de infantojuvenil. Foi uma grande sacada do Erico e da Editora Globo, porque naqueles tempos não existia literatura para esse público, as crianças eram deixadas de lado – conta Cristina.

Uma das grandes diferenças desse abecedário para outros de autores gaúchos é o constante diálogo com o leitor. Quando apresenta a letra "o", por exemplo, interage, perguntando: "Aquele casaquinho de lã que mamãe te deu para o inverno é feito do pelo de uma ovelhinha. Não sabias?".

Em VÍDEO, confira o contato de Luis Fernando com a obra:

Obra foi deixada de lado

Com ortografia antiga, a cartilha teve apenas uma edição – de 27,5 mil cópias, um número que impressiona mesmo nos dias atuais, em que uma tiragem média fica em torno de 2 mil ou 3 mil exemplares. Ainda assim, Erico não quis uma nova edição.

Maria da Glória Bordini opina que, com o passar do tempo, Erico percebeu que a cartilha resultou datada. Cristina tem outra hipótese:

– Um abecedário é para ser usado na escola, de forma didática, e, naquele período, algo muito formal, o que para ele era impensável. Talvez a ideia de Erico tenha contrastado com a que se fazia das crianças, de miniadultos vestidos com ternos. Os próprios personagens dele no livro são mais sapecas, desobedientes, são mais crianças.

O governo nunca adotou o abecedário nas escolas. Tampouco Erico parece ter se empenhado para que isso ocorresse.

Erico Verissimo pretendia escrever mais livros infantis 

Depois de iniciar a carreira com uma seleção de contos (Fantoches, 1932) e um romance (Clarissa, 1933), Erico se dedicou a uma série de publicações infantojuvenis em 1935, com A Vida de Joana d'Arc, continuada no ano seguinte com As Aventuras do Avião Vermelho – livro adorado pelo pequeno Luis Fernando, que o folheava ainda antes de saber ler –, Os Três Porquinhos Pobres, Rosa Maria no Castelo Encantado e o próprio Meu ABC.

Mesmo com o aparente desapego a Meu ABC, que fechou a série, a publicação de novas obras para crianças não foi descartada por Erico. Ao contrário. Um cãozinho chamado Pitoco seria o personagem dos livros infantis que ele ainda pretendia publicar, em um retorno a esse tipo de literatura após décadas mergulhado na criação de alguns dos romances mais importantes das letras nacionais, como a trilogia O Tempo e o Vento. A história seria inspirada em um cachorro de estimação do próprio escritor, lembra Luis Fernando.

– Meu pai tinha vontade de voltar a escrever livros infantis. Não sei por que não voltou. Acho que faltou tempo – recorda.

SEGUNDO CADERNO
Diego Vara / Agencia RBS

Luis Fernando Verissimo manuseou pela primeira vez, na terça-feira, o abecedário escrito pelo pai
Foto:  Diego Vara  /  Agencia RBS


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