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Itapema FM  | 30/11/2013 13h39min

Confira entrevista com Daniel Galera, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura

O livro "Barba Ensopada de Sangue" foi o responsável pela conquista

Alexandre Lucchese  |  Especial ZH

Com direitos de edição vendidos para mais de 10 países, Barba Ensopada de Sangue (Cia. das Letras, 424 páginas, R$ 39,50) acumulou mais um feito. O romance, que conta história de um professor que busca refúgio em Garopaba depois da morte do pai, fez de seu autor, Daniel Galera, o vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura. O escritor paulista radicado em Porto Alegre receberá R$ 200 mil pela premiação, que foi divulgada na segunda-feira, em solenidade na capital paulista. Aos 34 anos, Galera tem quatro romances e um volume de contos publicados, além de coassinar um álbum de quadrinhos. Apesar da crescente repercussão de seus títulos, ele busca longe dos holofotes as melhores condições para exercer sua liberdade criativa. Em conversa com ZH após o resultado, avaliou o momento que está vivendo e o significado do prêmio que acaba de conquistar.

 

Zero Hora – Como foi receber a notícia de ganhar o Prêmio São Paulo?

Daniel Galera – Meu editor, André Conti, estava no meu lugar na solenidade e recebeu o prêmio por mim e me ligou. Na véspera de um anúncio de prêmio importante, não gosto de ficar pensando sobre o assunto. Neste caso, tentei criar ainda menos expectativas, porque é um prêmio com 10 finalistas, sendo que, na lista deste ano, pelo menos metade dos livros eram muito fortes. Sabia que tinha chances, mas achava pouco provável ganhar. Tinha até me esquecido um pouco do assunto quando o André me ligou. Foi engraçado.

ZH – Você considera este o prêmio mais importante que já recebeu?

Galera – Nunca ganhei muitos prêmios, na verdade. Até agora, a maior premiação havia sido o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, pelo Cordilheira. Depois tive dois terceiros lugares no Jabuti (em 2009 e 2013), o que é algo bem relativo, não é como ganhar o prêmio, embora seja importante. Mas, quando estou fazendo um livro, meu objetivo não é fazer com que ele seja premiável. Existem preocupações mais importantes.

ZH – Em seu blog no site da Cia. das Letras, a escritora Carol Bensimon citou André Conti para especular o motivo do sucesso de muitos autores brasileiros contemporâneos. Para Conti, esse processo estaria ligado ao fato desses escritores fazerem middlebrow, ou seja, algo entre a alta literatura e a literatura comercial. Você acha que isso faz sentido em relação à sua obra?

Galera – Não. Esse não é um juízo que faço quando escrevo, não pretendo situar meu livro num estrato comercial, seja qual for. Essa é uma classificação que vem depois, de leitores e críticos. Às vezes, faz sentido. Em outras, pode ser problemático. O que pode ser considerado middlebrow em um mercado pode ser bem diferente em outro. Então, muitas vezes essas classificações podem mais confundir do que ajudar. De todo modo, não influenciam no que escrevo. O Barba Ensopada de Sangue foi meu livro que mais vendeu. No entanto, enquanto escrevia, eu tinha a impressão de que o livro pudesse afastar o público, de que talvez tivesse um significado muito pessoal. Mas não foi o que aconteceu.

ZH – Mas a editora pode querer divulgar o livro como middlebrow.

Galera – Não acho que a editora tenha divulgado o Barba Ensopada... como literatura comercial ou middlebrow, mas, hipoteticamente, poderia ter feito.

ZH – O que, então, dirige suas escolhas no processo criativo?

Galera – Não estou querendo dar uma fórmula ou receita correta de como fazer literatura, mas, para mim, a motivação não é me encaixar em um nicho literário ou comercial. Escrever nasce de uma relação bastante íntima da minha visão de mundo com a minha imaginação. É algo que fui desenvolvendo ao longo da vida e que também se transformou em trabalho. Então, em um primeiro momento, o que existe é a necessidade bastante pessoal de trabalhar minha visão de mundo pela imaginação, e assim criar histórias. Então, é bem diferente de detectar o livro que o mercado precisa e escrevê-lo – o que seria algo legítimo, também, mas não é o que me move. Se fosse trabalhar dessa maneira, provavelmente escreveria livros muito ruins, pois não é essa minha aptidão.

ZH – De certa forma, ter uma carreira estruturada como a sua não pode restringir a liberdade criativa? Ou seja, agora você deve ter muitas expectativas de si próprio, do público...

Galera – Existe mesmo essa sensação de perder uma certa liberdade inaugural. Todo autor que tem um livro que ficou em evidência precisa tomar consciência desse processo e reagir a ele na medida em que isso seja importante para continuar trabalhando em suas condições criativas ideais. Sinto uma pressão de mim mesmo para escrever um livro tão recompensador para mim e tão bom para os leitores como foi o anterior. Isso até pode ser interessante, já que me força a dar meu melhor nos trabalhos futuros. Por outro lado, também existe essa "figura de autor" que se adquire por conta da repercussão do livro na mídia. Isso é perigoso: um autor que se entrega a essa visão externa que fazem dele com base num momento de grande repercussão pode perder o foco. O foco deve estar no trabalho. Sempre prestei muita atenção a isso desde a época do Mãos de Cavalo, que teve uma repercussão relativamente boa. E agora é um momento crucial nesse sentido, porque Barba Ensopada... teve um sucesso maior. No momento em que um autor deixa de colocar o foco e a energia no trabalho criativo para investir na divulgação ou para aproveitar um status adquirido socialmente, está perdido.

ZH – Em quais novos projetos você tem trabalhado no momento?

Galera – Tenho feito trabalhos para a imprensa, sobre os quais ainda não cabe falar; em relação à literatura, tenho duas ou três histórias rascunhadas. Estou fazendo anotações, leituras relacionadas aos assuntos dessas histórias e esperando até que fique evidente para mim qual deve ser o projeto em que devo me concentrar.

ZH – Também tem a adaptação de Mãos de Cavalo para o cinema. Você tem acompanhado esse projeto?

Galera – Não sei muito mais do filme além do que já foi divulgado. O roteiro, do diretor Roberto Gervitz, foi reescrito algumas vezes e tem potencial para um ótimo resultado. Ele me pediu opiniões, a gente se encontrou algumas vezes e, na medida em que isso for interessante para ele, me coloco à disposição para debater, mas não divido essa autoria, que é toda do Gervitz.

ZH – Como você contextualiza o Prêmio São Paulo na sua carreira literária?

Galera – Não tenho uma narrativa pronta da minha carreira. Há cinco anos, não sonhava chegar onde estou. Tudo o que vem acontecendo ocorre no presente. Nunca pensei em objetivos literários futuros, isso seria improdutivo e pobre.

ZH – E como avalia este momento?

Galera – Acho que me encontro na melhor situação em que já estive para continuar escrevendo, no sentido de que tenho um público leitor, uma relação estabelecida com uma boa editora e um retorno financeiro dos meus livros que me permite continuar me dedicando a eles sem ter que gastar tanto tempo fazendo outros trabalhos. Acho que essa é a maior novidade e o que mais mudou na minha vida.

 

SEGUNDO CADERNO
Lauro Alves / Agencia RBS

Daniel Galera nasceu em São Paulo, mas é radicado em Porto Alegre
Foto:  Lauro Alves  /  Agencia RBS


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