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Itapema FM  | 14/11/2013 07h08min

Incêndio que destruiu Cine Colon, em Joinville, completa 30 anos

Se o cinema ainda existisse, faria, nesta quinta-feira, 57 anos de vida. O espaço nasceu e morreu na mesma data

Tuane Roldão  |  tuane.roldao@an.com.br

Aos 21 anos, Rosi Dedekind trabalhava, era casada e tinha uma filha de apenas sete meses. No alto do Hotel Colon, onde a família morava, ela e o marido, Martin, cuidavam da pequena Marina, que estava febril.

O dia 13 de novembro de 1983 chegava ao fim, e as últimas centenas de pessoas que participaram da sessão das 22 horas no Cine Colon já deviam estar chegando a suas casas.

Assim que acalmaram a bebê e se deitaram, preparados para dormir, no quarto do casal, o telefone tocou. Passava da meia-noite. Martin, ao atender a ligação, conta a esposa, permaneceu despreocupado, pois era impossível imaginar que o chamado se tratava de algo grave.

Desceu com um extintor de incêndio pela passagem que levava ao cinema construído 27 anos atrás pelo avô, Nelson Walter. Quando abriu a porta, as labaredas já tomavam conta do espaço e ele teve consciência de que, sozinho, não conseguiria apagar as chamas que consumiam um dos mais importantes ambientes de lazer de Joinville.

Enquanto o fogo se espalhava pelo número 80 da rua São Joaquim, no centro da cidade, Rosi começou a acordar os 35 hóspedes e a evacuar o hotel. A demora de aproximadamente 30 minutos para cortar a rede de energia na área atrasou o trabalho dos bombeiros que, a essa altura, preocupavam-se também com as chamas que passavam a atingir o hotel e, até o fim dos trabalhos, teriam queimado metade dele, do terceiro ao sexto andar.

Conforme matéria publicada no jornal A Notícia na terça-feira, 15 de novembro, o sub-comandante do Corpo de Bombeiros de Joinville na época, Renato Kühn, disse que foram mobilizadas oito viaturas e utilizados 130 mil litros de água no combate ao incêndio.

Nas praças Nereu Ramos e Lauro Müller, que cerceam cinema e hotel, uma multidão se aglomerava – alguns deles em trajes de dormir. Às 5 horas da manhã do dia 14, os bombeiros finalizavam o rescaldo e os primeiros trabalhadores do turno da manhã começavam a chegar.

— Esse momento mexeu com a gente. Até então, estávamos preocupados com os hóspedes. Quando vimos nossos funcionários aparecendo para trabalhar, foi um momento tocante pela forma como nos olhavam. Ninguém acreditava que aquilo era verdade — conta Rosi, hoje com 51 anos.

Depois de remover água, entulho e móveis, veio a constatação definitiva de que o curto-circuito em um disjuntor do cinema – causador do incêndio – acabou com as 1.200 poltronas, a tela com 16 metros de largura, as cortinas costuradas pela avó de Martin, o carpet, os aparelhos de ar condicionado e o assoalho.

Intactos, permaneceram apenas a escada, a sala de projeções e a película de A Máquina Prateada, filme exibido na última sessão de domingo – e também a última da história do Cine Colon.




Após três décadas, sem a cobertura e transformado em estacionamento para o hotel, o Cine Colon ainda mantém parte do seu formato original, com a sala de projeções, imponente, no topo do recinto, mas um triste adicional: as paredes chamuscadas, sem pintura – uma dolorosa lembrança daquela madrugada que pôs fim a um dos marcos do cinema em Joinville.

O início

Nem a família de Rosi e Martin nem a empresa Arco-Íris, que na data do incêndio administrava o cinema, resolveram reconstruir o Cine Colon. Se ele ainda existisse, estaria completando, nesta quinta-feira, 57 anos. Sim, numa infeliz coincidência, o cinema nasceu e morreu na mesma data.

Lá em 1956, um contratempo fez com que Música e Lágrima, que narrava a trajetória do músico Glenn Müller, deixasse de ser exibido. Em vez dele, a abertura do espaço apresentou o musical Sete Noivas para Sete Irmãos, dirigido por Stanley Donen e com Jane Powell e Howard Keel no elenco.



No dia 14 de novembro daquele ano, às 17 horas, a sessão inaugural contou com a presença da imprensa e de autoridades. Às 20 horas, o cinema abriu as portas ao público, que pagou Cr$ 50  (cruzeiros) pela entrada – valor completamente revertido em benefício dos asilos Abdon Batista e Bethesda. O Hotel Colon só ficaria pronto sete anos mais tarde.

Muitas lembranças

À época do incêndio, o dramaturgo Borges de Garuva morava em Curitiba. Mas ele carrega doces lembranças do cinema. No momento de começar o filme, relata, os bastidores ao lado da tela se iluminavam de cores diversas e a tela se abria. Afora produções cinematográficas, o Cine Colon recebeu grandes espetáculos.

— Além do show de Elis Regina (em que ela deu um tranco no público barulhento que estava lá entre nós, os apaixonados), foi nesse cinema que vi, entre outros, Gritos e Sussurros (Bergman), Teorema (Pasolini), A Grande Conversação (Coppola), O Dia do Gafanhoto (Schlesinger), Sathyricon (Felini), A Última Valsa (Scorsese) e, se não me engano, Led Zeppelin: The Song Remains The Same.

Outro frequentador do Cine Colon era o historiador Afonso Imhof. Para ele, dois filmes que assistiu no local foram marcantes: Gandhi, do diretor Richard Attenborough, e Isadora, do diretor Karel Reisz. No dia do incêndio, Afonso não estava em Joinville, mas lembra-se da comoção e lamentações dos moradores:

— Havia a consciência de que tinha se perdido a única espécie de lazer mais qualificado na cidade. Eu acho que era a opção da classe média da época. Havia uma espécie de divisão: no Cine Palácio, passavam filmes de bangue-bangue, mais rudes, artisticamente falando. No Colon, passavam lançamentos, obras de projeção mundial, coisa fina, filmes destinados a um público mais crítico.

Rosi recorda que crianças mais pobres trabalhavam ao longo do ano para juntar uns trocados que pagassem a entrada no cinema. Na porta, diz ela, havia sempre um policial para fiscalizar se o público condizia com a idade indicativa do filme. Rosi também conta que ir ao cinema era um evento, um programa social – além de, claro, o lugar perfeito para namorar.

— Acredito que perdeu-se o romantismo que havia no ato de ir ao cinema. As pessoas se arrumavam para aquilo, era um rito, um momento de desfilar seus trajes e fazer contatos. Em compensação, hoje o cinema se popularizou, o que é positivo. O acesso à TV, a chegada do vídeo-cassete, tudo isso fez parte da evolução — diz Rosi.

Afonso Imhof considera uma tragédia a perda do cinema de rua, tradicional, para a ida das salas aos shoppings.

— É uma coisa muito esquisita, não prazerosa pra quem aprecia a boa arte. Estamos enjaulados. Era outra forma de vida, outra espécie de lazer no cinema de rua. Consequentemente, aos sábados e domingos, o centro da cidade morreu — avalia o historiador.

A NOTÍCIA
Diorgenes Pandini / Agencia RBS

O curto-circuito em um disjuntor do cinema acabou com as 1.200 poltronas, a tela com 16 metros de largura, as cortinas, o carpet, os aparelhos de ar condicionado e o assoalho
Foto:  Diorgenes Pandini  /  Agencia RBS


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