| 06/11/2013 17h02min
Primeiro longa ficcional produzido no Maranhão, O Exercício do Caos entra em cartaz nesta sexta-feira na Cinemateca Paulo Amorim. O filme de Frederico Machado marca a estreia na realização de longas-metragens da Lume Filmes, distribuidora de São Luís que se tornou referência do cinema autoral no país. Citando Polanski e Jerzy Kawalerowicz (do clássico do terror Madre Joana dos Anjos), o diretor apresenta seu filme como um horror psicológico sobre a solidão, a loucura e a morte em uma família camponesa que vive da produção de farinha de mandioca. Trata-se de uma obra de caráter aberto, repleta de lacunas, que precisa do esforço do espectador para ser resolvida. Em cena estão um pai rígido (Auro Juriciê), suas três filhas (Isabella, Thalyta e Thayná Souza, irmãs na vida real), o fantasma da mãe (Elza Gonçalves) e um capataz a explorá-los (Di Ramalho). Não há caminhos fáceis para entender as tensões entre eles – que aparecem em interações invariavelmente silenciosas. Suas expressões, ora de medo e um desespero contido, ora de uma esperança juvenil, indicam que o caos está instalado. O que aconteceu ali? Não é difícil descobrir, mas O Exercício do Caos demanda atenção à medida que carrega de significados cada plano apresentado – princípio por si só louvável nestes tempos de imagens banalizadas, e que, aqui, está a serviço de uma proposta estética bastante consistente. "A maior violência é a psicológica" Zero Hora – A sensação de medo está muito presente no filme, assim como em vários longas brasileiros recentes. Mas, aqui, trata-se de um medo diferente daquele visto em O Som ao Redor (2012), e também em A Alegria (2010), que por sua vez é diferente do de Trabalhar Cansa (2011). Em todos os casos, é a violência que desperta esse medo, você concorda? ZH – Por que você optou por um elenco não profissional? ZH – Ao fim, nos créditos, há uma dedicatória a Robert Bresson. Mas veem-se no filme referências mais claras do que a do cineasta francês, como Tarkovski. ZH – Por favor, fale um pouco sobre como é fazer e difundir cinema a partir do Maranhão. Diferentemente de Estados vizinhos como Ceará e Pernambuco, o Maranhão não tem tradição cinematográfica e tem mecanismos precários de incentivo à produção. A Lume Filmes, no entanto, persiste, lançando curtas e longas, organizando festivais e inclusive filmando...
Por e-mail, o diretor Frederico Machado concedeu a seguinte entrevista a ZH:
Frederico Machado – Acredito que o medo despertado pela violência sempre esteve presente de forma muito forte no cinema mundial, seja em movimentos e escolas cinematográficas, como o expressionismo alemão, passando pelos filmes de gênero, do suspense ao terror psicológico, e acompanhando carreiras de grandes autores, como Hitchcock, Dario Argento, John Carpenter. Na produção nacional recente, parece-me que o medo aparece como consequência da visão mais ampla e universal da sociedade, de parte dos novos cineastas, que também não esquecem das questões específicas do nosso país. É esse cinema que tento fazer: com marca autoral, para ser compreendido em todo o mundo, mas que fale de temas sociais e políticos brasileiros. A mim parece que a maior violência, hoje, é a psicológica. Os fatos violentos trazem consequências internas às pessoas. São essas consequências que determinam muitos dos grandes problemas do mundo atual Acredito, realmente, que a fragilidade humana tem determinado o rumo de muitas coisas atualmente.
Machado – Todo o elenco é, de fato, amador. Os três adultos são atores de grupos de teatro amador de São Luís. E as três meninas nunca haviam atuado antes. Fizemos um trabalho de preparação de três meses, para depois rodarmos em uma única semana. A ópera Anjo de Fogo (1955), de Prokofiev, foi um ponto de partida, porém, as situações foram criadas sem um roteiro predefinido, em criação foi coletiva. Queríamos um cinema de guerrilha, louco, alucinado, no qual éramos guiados apenas por uma sensação a ser passada para o espectador: a da incomunicalibidade em um universo de dor e mistério. Queríamos fazer um filme misterioso e aberto para o público.
Machado – O filme já passou em mais de 10 festivais, e a diversidade de citações e referências que as pessoas foram vendo é espantosa: já citaram Polanski, Tarkovski, Béla Tarr, Apichapong Weerasethakul, Glauber Rocha, Kubrick, Terrence Malick... Mas nada foi feito para homenagear alguém. Acredito que o fato de haver tantas referências deixa claro que o filme é uma obra original e única, que tem determinadas ligações pelo meu simples gosto pessoal e pelo que representaram na minha história, o que determinou que fossem incorporados ao meu estilo de maneira natural. A dedicatória a Bresson se explica pelo fato de que ele me fez acreditar no cinema como algo visceral, como uma proposta de vida. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, com 10 anos, parei ao lado de uma cinemateca que estava apresentando uma mostra com os filmes dele. Vi-os todos até os 11 anos, o que me marcou profundamente. Sabia desde aquele momento que minha vida inteira estaria ligado ao cinema. Também dediquei O Exercício do Caos a ele justamente para despertar a associação à obra de Bresson. Seus filmes são carregados de compaixão pelos seres humanos, feitos com atores não profissionais, com aspectos filosóficos e religiosos no centro da proposta estética, o que, acho, tem a ver com nosso filme.
Machado – Cansei de reclamar. Melhor é fazer. Não temos patrocínio, não entramos em editais e concursos, produzimos tudo de maneira independente, com recursos próprios da Lume e de empréstimos bancários, porque acreditamos na rede formada em torno do cinema autoral no país (O Exercício do Caos custou R$ 110 mil e, no total, já chegou a 10 salas brasileiras). E este é só o primeiro filme da trilogia chamada Trindade Dantesca. O segundo já está filmado e se chama O Signo das Tetas. Será um road movie existencial, a ser finalizado em Cuba – trata-se de uma coprodução. A ideia é lançá-lo ano que vem. Já o terceiro filme se chamará As Órbitas das Águas. Além desses projetos, estamos realizando o III Festival Internacional Lume de Cinema, ainda em novembro, e vamos trabalhar para abrir mais salas de cinemas autorais no Brasil – já temos duas, o Cine Lume e o Cine Praia Grande, ambas em São Luís. No próximo ano, finalmente, vamos abrir a primeira escola de cinema do Maranhão, a Escola Lume, com aulas de diversos cineastas brasileiros e estrangeiros.
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