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Itapema FM  | 25/10/2013 13h13min

Em novo e aguardado disco, Arcade Fire visita mito de Orfeu e Eurídice

Quarto álbum da banda canadense, "Reflektor" teve audição disponibilizada na quinta-feira

Daniel Feix  |  daniel.feix@zerohora.com.br

Demorou, mas vazou o aguardado quarto disco do Arcade Fire. Depois de um plano de marketing de guerrilha, que incluiu clipe interativo e intervenções urbanas coordenadas, Reflektor começou a ser compartilhado pela internet na quinta-feira, cinco dias antes do lançamento oficial. A resposta da banda canadense foi disponibilizar as faixas do álbum em seu canal no YouTube, ilustradas por trechos do filme franco-brasileiro Orfeu Negro (de Marcel Camus, 1959), vencedor do Oscar de melhor longa estrangeiro e da Palma de Ouro no Festival de Cannes.

"When love is gone where does it go?", canta o vocalista Win Butler na linda Afterlife, enquanto vemos o personagem do ator Breno Mello numa sessão de umbanda, desesperado para reencontrar a alma da amada Eurídice, morta tragicamente no auge da paixão. É um caso de absoluta sincronia entre som e imagem, possível graças ao enorme apanhado de referências desta surpreendente ópera indie-eletrônica, que vai das ideias do filósofo Kierkegaard à música de percussão caribenha, passando, como se podia prever pelo noticiário de bastidores de Reflektor, pelo pós-punk oitentista.

Formado há 10 anos, o Arcade Fire experimentou a consagração desde o début, com Funeral (2004). No Tim Festival de 2005, em Porto Alegre, ofuscou os Strokes, que pareceram frios, robóticos, na comparação com a energia do septeto de Montreal. Em 2007 eles lançaram Néon Bible e, em 2010, veio a obra-prima The Suburbs, que garantiu à banda o principal prêmio no Grammy e fez público e crítica se perguntarem para onde seria possível evoluir. Como Kid A (2000), do Radiohead, e Achtung Baby (1991), do U2 (a comparação é do resenhista David Fricke, da Rolling Stone), Reflektor representa uma ruptura, uma busca por novos caminhos.

Naturalmente, como é da natureza desse tipo de trabalho, houve quem embarcou na viagem (o próprio Fricke, entre outros) e quem achou que o resultado não ficou à altura da expectativa gerada (especificamente a revista Q, com o crítico Simon Goddard). Para este fã que vos escreve aqui, trata-se de um álbum que precisa de tempo para ser apreciado – vá com calma que o Arcade Fire merece.

"If it’s heaven I need something more." A frase que soa como um mantra na faixa-título sintetiza a ruptura. Pode-se mais depois de alcançar o céu? Butler e Régine Chassagne, a outra vocalista, cantam a vontade de ir além ao longo dos 75 minutos de Reflektor. O próprio título do álbum tem a ver com a ideia de revisitar sensações boas – revê-las, como no duplo oferecido por um espelho. É o que sonha o personagem da mitologia grega que vivencia o paraíso e, em seguida, vê a felicidade fugir à sua revelia. Vale citar que Orfeu e Eurídice estão na capa do disco (numa representação do escultor Auguste Rodin) e, nominalmente, em duas de suas 13 canções – Awful Sound (Oh Eurydice) e It’s Never Over (Oh Orpheus).

Talvez ninguém jamais tenha conseguido fazer um post-rock com uma pegada tão pop como o Arcade Fire. No novo trabalho, sua guinada se dá pelo protagonismo dos sintetizadores, marca do papa do electro-rock James Murphy (do LCD Soundsystem), que assina a produção ao lado de Marcus Dravs (o mesmo de The Suburbs). A aproximação com a cultura latino-americana (parte das gravações foi na Jamaica, com a participação de percussionistas haitianos) vai além da música: Normal Person, a faixa mais rock'n'roll das 13, foi escrita a partir de uma cena de preconceito que Butler e Régine (que é filha de imigrantes que foram do Haiti ao Canadá) presenciaram protagonizada por um casal inglês.

O fundamental, a despeito da mudança, é que Reflektor mantém a essência da banda, na poética das letras sobre sonhos e escapismo e na complexidade melódica, espécie de utopia realizada diante da pobreza da música pop atual.

Sobre o mito

Conforme a mitologia clássica, Orfeu foi um poeta de talento arrebatador, que viu a amada Eurídice morrer tragicamente após ser perseguida por um pretendente. Disposto a trazê-la de volta, ele chegou a visitar o reino dos mortos. Encontrou-a, mas não conseguiu fazê-la retornar à vida.

O filme dirigido por Marcel Camus é uma adaptação da peça Orfeu da Conceição, na qual Vinícius de Moraes transpõe o mito para a realidade urbana do Rio de Janeiro: a trama se passa durante o Carnaval, a lira é substituída pelo violão, os personagens são negros e o recurso usado pelo poeta para estabelecer contato com a alma de Eurídice é visitar um terreiro de umbanda.

A percussão tribal e o clima dançante de Reflektor fazem as imagens do longa comporem um conjunto harmônico com as músicas. Não apenas isso: no mito, como nas canções do disco, a fuga possível da vida mundana e desoladora, ainda que a partir da experiência espiritual, ritualística, só se dá pelo amor.

Reflektor
Arcade Fire
Indie/post-rock, Merge, 13 músicas, US$ 9,99 no iTunes.

SEGUNDO CADERNO
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