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Itapema FM  | 21/10/2013 11h06min

9ª Bienal do Mercosul mostra como a arte se aproxima da investigação científica

Exposições podem sugerir que esta edição está carente de obras, mas apresentam artistas que partilham a crença de que arte se realiza em processo

Bianca Knaak*  |  *Professora e pesquisadora da UFRGS

Sabe aquela máxima que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras? Esqueça. Ao visitar a 9ª Bienal do Mercosul, que segue até 10 de novembro, você vai querer ler as plaquinhas de identificação das obras, conversar com os mediadores, ouvir o que os outros visitantes estão comentando e, daí sim, as obras ali expostas poderão se revelar imagens prolixas para seu público. Isso porque essas imagens pedem mais curiosidade do que aquela despertada com o que a vista alcança. Não são obras retinianas. Aqueles objetos, dentre os quais alguns nem mesmo querem o status de obra única e aurática, remetem ao que não vemos ali. Ou seja: atiçam uma vontade de saber sobre o que trouxe aqueles objetos até nós, mais especificamente numa exposição de arte que se propõe realizar "se o clima for favorável".

Não estou aqui me referindo ao já desgastado e inoperante jargão "isso é ou não é arte?", que nunca poupa as exposições e seus curadores, mas, não raro, esquece de investigar as motivações dos artistas e da própria necessidade de distinção e definição destes em nossas sociedades. Estou me referindo ao fato de esta edição da Bienal privilegiar a produção de artistas em que os processos investigativos e operacionais se aproximam dos métodos científicos. Tais artistas partilham a crença de que arte se realiza em processo. De que a soma de suas etapas é maior do que nos permitiria medir qualquer método. E, na maioria dos casos, o processo, em todas as suas etapas, é então considerado a própria obra de arte.

Isso pode gerar a sensação de que essa Bienal tem poucas obras. De que o que vemos em seus espaços expositivos não é mais do que mero fragmento, registro documental ou indício de algo que não conseguimos encadear em sentidos numa aproximação visual e a olho nu. A exposição pode parecer então esvaziada, em seu senso comum. Em boa medida, para quem associa obra a artefato _ e aliado ao fato de que quase não há colorido nessa Bienal _, ela está mesmo carente de obras. O que não quer dizer que não esteja repleta de arte e de artistas importantes para a cena contemporânea.

Como evento de atração popular, eu aposto que esta edição será bem-sucedida, entre outros aspectos, pelo desempenho de sua cada vez mais madura equipe pedagógica e mediadora e por aproximar a exposição a uma grande feira irradiadora de ciências. Como evento que se destina a um público já mais familiarizado com as Bienais do Mercosul, com arte contemporânea, e inclusive aos especialistas, penso que esta edição marcará por sua ousadia seletiva e propositiva: na 9ª Bienal, a arte como processo de reflexão e aquisição de conhecimentos capazes de mudar o mundo é ciência. Se a conclusão soa óbvia, por outro lado a querela que isola e hierarquiza a credibilidade dessas disciplinas é antiga e tem seus efeitos no mundo contemporâneo e global, explicáveis à luz das ciências humanas e das ciências exatas. E a Bienal empresta seus domínios para servir de ateliê, dispositivo, laboratório e observatório fenomenológico.

Assim como o Mercosul já foi um dia prioridade, uma meta geopolítica e econômica, as "artes visuais" desta 9ª Bienal funcionam mais como uma metáfora sobre o que aí está, sobre uma realidade sensível, geofísica, cultural e política, do que como um artefato plástico ou pragmático e localizado. Movimentam demandas e saberes, práticas idiossincráticas e modos de apreensão instáveis e transdisciplinares.

>> Veja página especial com reportagens sobre a 9ª Bienal do Mercosul

Aquilo que muitas vezes já intuíamos, desconfiávamos ou percebíamos no empirismo dos dias, na maioria das vezes tem uma explicação racional e pode ser demonstrado tanto artística quanto cientificamente. Outras, e algumas ainda sem explicações racionais ou científicas, são apenas formalizadas por procedimentos poéticos e relacionais. Eis aí a potencialidade dos trabalhos propostos: a percepção sensorial e estética tem desdobramentos contínuos no convívio e na nossa forma de estar no mundo. Mas ao final, se a razão ainda está para as ciências, assim como a emoção para as artes, no dia a dia das pessoas esses paradigmas são totalmente disfuncionais. Na orquestração curatorial em questão, esse "mundo de Sofía" é holístico. Pertence a todos nós e afeta a cada um de forma particular. Ou não?

Generosa com todos os espaços por onde se instala, a mostra permite ao visitante um passeio pausado, com distâncias apropriadas entre as obras e, mais do que isso, não tenta esconder nem disfarçar os prédios que ocupa: a Usina do Gasômetro, o Margs, o Memorial do Rio Grande do Sul e o Santander Cultural. Pelo contrário: tira partido da localização, do entorno e da arquitetura deles na montagem da exposição organizando as obras em uma lógica que respeita os andares de cada lugar, grosso modo, como algo que pode ser dividido entre interpelações (simbólicas ou metafóricas) a partir do chão e do ar.

Observando o conjunto de atividades, as obras e os artistas, resta-me a curiosidade sobre o papel de ativistas assumido pelos artistas contemporâneos, viés de larga abordagem e adesão em todo o mundo. Será que, suspendendo o mal-estar em relação à aura, à autoria e à mais-valia, os artistas se engajam agora na engenhosa liderança para a "partilha do sensível" (Rancière), como proposição reelaborada da experiência estética moderna? Observo que muitos artistas jovens vêm transformando suas atividades numa agenda de compartilhamentos em redes de cooperação multiplicáveis, atuando eles mesmos como plataformas de aparição sociocultural. Assim, dividindo e multiplicando o protagonismo artístico em ações de efeito num mundo estetizado, expressam por fim sua própria razão de ser no mundo. Estaria assim e por fim, a arte como categoria específica e distintiva, se diluindo na vida pós-moderna? O tempo dirá. O tempo não para.

SEGUNDO CADERNO
Fernando Gomes / Agencia RBS

Esculturas de Erika Verzutti na entrada do Santander Cultural
Foto:  Fernando Gomes  /  Agencia RBS


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