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Itapema FM  | 24/09/2013 17h01min

Artista brasileira viva mais cara, Beatriz Milhazes apresenta retrospectiva no Rio

Em entrevista, artista conta como lida com a pressão do mercado, conta por que resolveu permanecer no Brasil e explica como desenvolveu sua linguagem relacionada à cultura brasileira

Francisco Dalcol  |  francisco.dalcol@zerohora.com.br

Com arabescos, mandalas e flores ultracoloridas, Beatriz Milhazes, 53 anos, bateu recordes em leilões internacionais, tornando–se a artista viva mais cara do Brasil. Aos olhares estrangeiros, sua obra chama atenção pelo flerte com o artesanato e a arte popular e pelas tramas geométricas e jogos de cores.

Nos últimos anos, Beatriz participou de bienais como as de Veneza e de São Paulo e realizou 30 individuais em 11 países. Mesmo com a projeção internacional, a artista passa apenas temporadas fora, ficando entre Paris – por ser bem localizada em relação às galerias que a representam em Londres e Berlim – e Pensilvânia, nos EUA, onde faz gravuras no estúdio da Durham Press.

Beatriz desenvolveu sua obra nas últimas três décadas vivendo e trabalhando no Rio. Diz ela que a permanência na cidade (e no país) foi um imperativo para se manter ligada aos elementos e às referências que compõem seu trabalho. Ela criou uma técnica em que pinta sobre superfície de plástico para depois transferir a composição para a tela. Nas colagens, sobrepõe camadas usando papéis de bala e sacolas de compras. São todas obras que ecoam a pop art e a abstração geométrica.

No momento, Beatriz apresenta no Rio sua maior retrospectiva já feita, reunindo mais de 60 obras, entre pinturas, colagens e gravuras produzidas desde o fim dos anos 1980 – a maioria não vista no Brasil. Com curadoria do francês Frédéric Paul, a mostra Meu Bem está em cartaz no Paço Imperial até 27 de outubro e depois seguirá para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, onde ficará até fevereiro.

E o ano que vem será igualmente cheio. Beatriz dará um passo importante em sua carreira internacional ao ganhar um catálogo de sua obra em edição de luxo pela Taschen. Também está prevista sua primeira mostra itinerante por museus dos EUA e o lançamento de um documentário sobre sua trajetória com direção de José Henrique Fonseca.

Beatriz Milhazes e outros marcos do mercado

> Nos anos 1990, Beatriz Milhazes foi apresentada ao mercado internacional pelo célebre marchand Marcantonio Vilaça

> Em 2008, a tela O Mágico (2001) foi vendida por US$ 1,05 milhão e tornou Beatriz a artista brasileira viva mais cara da história

> Dois anos depois, a marca foi superada por Adriana Varejão, que teve Parede com Incisões à Fontana II (2001) vendida por US$ 1,52 milhão

> Em 2012, Beatriz se tornou novamente a artista brasileira viva mais cara com Meu Limão (2000), arrematada por US$ 2,1 milhões

> O valor só é menor que os US$ 2,2 milhões pagos por Contra Relevo (Objeto N. 7), pintura de 1959 que levou Lygia Clark (1920 – 1988) a bater o recorde de artista brasileiro arrematado em leilões

 

 

Entrevista - Beatriz Milhares

Zero Hora – Qual é o significado desta ampla exposição, que ocorre após a década em que seu nome ficou mais conhecido que sua obra?

Beatriz Milhazes – Há 11 anos, eu não mostrava nada no Rio. Nesse tempo, meu nome ficou muito mais conhecido, mas a obra foi pouco vista, de fato. Então, resolvemos organizar uma mostra que fosse significativa. Acabou sendo a mais abrangente da minha produção, com 60 obras, em um superesforço de mobilização para fazer isso. Tem obras de museus como Guggenheim (NY), (Museu Nacional de) Belas Artes do Rio e Museu de Arte Moderna de São Paulo. Também de coleções privadas de Berlim, Buenos Aires, Londres e do Brasil, claro.

ZH – Mesmo com a projeção no circuito internacional, você manteve sua vida e seu ateliê no Rio. Permanecer foi uma escolha?

Beatriz – Nunca fui uma pessoa muito interessada em conhecer o mundo. Não era algo que eu tinha na minha personalidade, sempre me senti bem no Rio. Nos anos 1980, fiz minha primeira viagem à Europa, que foi fundamental para ver as obras que conhecia de livros. Isso mudou toda a minha relação com a pintura. A partir da década de 1990, quando meu trabalho começou a sair – e eu tive que sair como ele –, fiz toda uma reestruturação da minha vida, porque precisei incluir viagens internacionais. Mas, em nenhum momento, pensei em emigrar. Para mim, ficou muito claro que é importante reconhecer onde é minha casa, o meu local, e voltar. Meu ateliê ainda é o mesmo, comprei mais duas casas, mas sigo na rua em que sempre estive. É um ambiente reconhecível, de que gosto, do lado do Jardim Botânico. Quer dizer: a possibilidade de sempre voltar para um universo que é confortável foi muito importante, especialmente para manter a essência do meu trabalho. Hoje, que sou uma artista brasileira mais internacional, passo temporadas fora do Brasil, mas, com certeza, minha base é aqui. E, para mim, é importante manter isso. Tenho uma vida em inglês, como digo, e outra em português.

ZH – Como é ser "a mais cara artista brasileira viva"?

Beatriz – Não sou a única (risos). Tem algo de interessante nessa questão do valor de mercado. A minha geração é a primeira que alcança esse patamar de preço de mercado e também de localização dentro dessa cena. É um patamar que artistas europeus e americanos já alcançaram no passado. Nós estávamos fora desse grupo. Esse é o lado válido, porque, por trás desses grandes leilões de arte contemporânea, estão os grandes museus e colecionadores. Começamos a entrar, vamos dizer, na história internacional da arte, da qual a gente não fazia parte até pouco tempo. Isso é o lado positivo. E, com certeza, tudo tem dois lados. É um bom problema. Não imaginava que seria esta pessoa (a mais cara artista brasileira viva). E a gente tem que aprender a lidar com isso.

ZH – O reconhecimento do mercado impacta em sua produção e seu modo de trabalho?

Beatriz – Não, nada. A mudança que fiz em relação à minha rotina envolve agendamento, pois sou organizada e disciplinada. Tenho que seguir isso. Tudo o que fiz de alteração do trabalho seguiu o roteiro da minha relação com o próprio trabalho no ateliê. O mais importante e fundamental é manter isso, senão você acaba perdendo o que te fez chegar lá. E, perdendo isso, você perde tudo. O artista precisa ter essa consciência. A mim, isso foi intuitivo, e fui confirmando que era o caminho seguro. Se o artista não fizer isso, a tendência é perder o que já conseguiu.

ZH – Muito se fala em orientação do mercado. Em algum momento, ela recai sobre você?

Beatriz – A pressão é variada. Mas, na verdade, não existe uma orientação do mercado, é um pouco de fantasia. Claro, estou falando do mercado realmente profissional. Se existisse uma fórmula do que vende, todo mundo faria, e não teria problema, era só repetir. Só que ninguém sabe. Se você deu certo pintando um quadrado vermelho, e tem mais pessoas interessadas nesse quadrado vermelho do que você poderia prever, o perigo é achar que, repetindo quadrados vermelhos, vai continuar bem–sucedido. Essa é a grande armadilha. Você tem que continuar seguindo as regras que são do seu próprio trabalho. Se tem mais pessoas interessadas no que você está fazendo, que bom, mas você não poderá se guiar por isso porque não sabe o que faz as pessoas continuarem interessadas.

ZH – Seu trabalho foi acrescentando elementos da arte popular brasileira, como artesanato e bordado. Qual é o lugar da pintura?

Beatriz – Sempre tive interesse na pintura, sempre foi meu meio de expressão. A pintura tem questões em si, próprias. Além do que, os conceitos e os raciocínios da pintura vêm da Europa, inicialmente, e dos EUA, finalmente. Então, não nos pertence. Quando você está aprendendo pintura, terá que ingressar numa linha de pensamento que não é originária da nossa formação. Comigo, aconteceu que, na minha formação e como estudante de pintura, tudo era muito voltado para a valorização da nossa cultura. Foram os elementos da minha vivência no Brasil, no Rio especificamente, que me motivavam a ser artista, era isso o que me interessava colocar na minha pintura. Quando comecei a desenvolver linguagem, meu interesse era unir esses dois mundos.

ZH – Vêm daí as relações com a antropofagia e o tropicalismo?

Beatriz – Nosso modernismo já pensava nisso, nessas questões. O movimento tinha essa ideia da antropofagia, especialmente com a Tarsila (do Amaral). Eu me filiei a isso e, na questão do pensamento pictórico, me uni à figura do Matisse, que é outro modernista, só que europeu. No decorrer do meu caminho, do meu processo, da minha evolução, acho que são sempre esses elementos que utilizo na construção, que, no fim, é baseada na geometria, em uma estrutura, em uma criação de ordem própria. A pintura toda é equilibrada e desenvolvida nesse eixo, unindo elementos que vêm de universos variados.

ZH – Qual é a visão que a arte brasileira goza no Exterior. Pergunto no sentido histórico, de artistas modernos, e no sentido da produção contemporânea. Acha que passamos do estágio Helio Oiticica/Lygia Pape/Lygia Clark? Há interesse pela arte brasileira em geral?

Beatriz – Aumentou muito porque acho que aconteceu um processo bem interessante. Como a arte contemporâne mais jovem começou a se tornar mais ativa, apareceu forte dentro da cena internacional, e isso começou a despertar um interesse maior: será que existe uma história forte também no Brasil? Eles são oriundos de quê? Isso foi fazendo os críticos e os teóricos penetrarem na nossa história e perceberem que, sim, existe uma história, e é uma história interessante e importante e que pode comunicar com o que era antes tido como a história internacional. O nosso modernismo ainda não chegou lá, mas é bem provável que vá chegar.

Vicente de Paulo / Divulgação

Beatriz Milhazes apresenta sua maior retrospectiva no Paço Imperial, no Rio de Janeiro
Foto:  Vicente de Paulo  /  Divulgação


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